O Exame de Ordem avalia mesmo alguma coisa?

Quarta, 15 de janeiro de 2020

O Exame de Ordem avalia mesmo alguma coisa?

A pergunta mágica que nunca desaparece e que é feita, sempre, por literalmente centenas de milhares de pessoas: o Exame de Ordem efetivamente avalia alguma coisa?

Antes de começar a responder precisamos excluir da linha de argumentação um sofisma manifesto: que a experiência pessoal, a baliza estruturada somente no próprio desempenho, serve como medida de avaliação da prova.

Não serve!

O desempenho de uma pessoa não tem validade para se avaliar o sistema como um todo, partindo do método indutivo. Se muitos candidatos fossem aprovados sob as mesmas circunstâncias, essa linha de raciocínio passaria a ganhar relevância. A experiência pessoal, como baliza única, não tem força para sustentar qualquer avaliação.

Ainda assim, uma verdade: o Exame de Ordem NÃO serve mesmo para avaliar o ensino jurídico.

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E não serve porque é uma prova limitada, eminentemente dogmática, com baixa exploração do raciocínio jurídico e mais afeita a cobrar a letra da lei e jurisprudências, em especial na segunda fase.

O Exame de Ordem é, essencialmente, mapeável!

A OAB entrega a cada 3 anos o famoso Selo OAB para faculdades que tenham ido bem tanto no Exame de Ordem como em outros critérios de avaliação. Uma imensa distorção!

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Se o Selo OAB tivesse como parâmetro tão somente o Exame de Ordem, sem outras métricas, nem metade das instituições seriam agraciadas. Pior! Como o Exame é uma prova dogmática, presa à letra da lei, ignorando as disciplinas propedêuticas e tendo seu lado prática extremamente esquematizável, o Selo OAB sequer deveria existir, pois o Exame não se presta a abordar a multiplicidade e complexidade do Direito visto dentro da graduação.

Das boas graduações, para ser justo.

O Exame é tão somente uma prova de seleção, com critérios próprios, para atender às necessidades da própria OAB. Não é parâmetro de avaliação do ensino, e nem tem força para isto, exceto a midiática.

E o Exame é como é por razões muito práticas: é uma prova de massa, que existe uma logística imensa a um custo altíssimo. É dogmática porque essa é a forma mais fácil de se avaliar 120 mil candidatos a cada edição, três vezes ao ano. Modifiquem o conteúdo do Exame e ele não poderá ser aplicado.

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Aliás, talvez possa, a um custo muito maior do que os chorados R$ 260,00. E ninguém quer pagar mais do que isto...

Tomo ciência de inúmeras propostas que visam aprimorar o Exame. Desde 2009 acompanho todas as propostas relativas ao Exame, todas cheias de idéias para melhor (ou terminar) com a prova, quase todas simplesmente inexecutáveis.

Qualquer proposta precisa passar pelo crivo da logística, do custo e da operacionalidade. Não ponderar sobre estes fatores é pedir para ter o pleito recusado.

E aí entra o lado mais visível da necessidade do Exame: são muitos os postulantes a uma carteira da OAB. São 120 mil candidatos por prova, toda prova. É muita gente!

Hoje, 15 de janeiro de 2020, chegamos a marca de 1.174.183 advogados regularmente inscritos nos quadros da Ordem. Se continuarmos neste ritmo, alcançaremos 2 milhões de inscritos em 14 anos. E isso com Exame de Ordem e tudo. Sem a prova da OAB chegaríamos a 3 milhões de "coleguinhas" da noite para o dia, sem contar com os mais de 600 mil estudantes de Direito hoje nas faculdades, que em breve também passariam a fazer partes dos quadros da entidade.

A prova é um filtro diante do descontrole do número de graduações.

Ela avalia mal, não prova nada e, ainda assim, é indispensável para a manutenção do sistema.

Seu fim significaria a implosão do Poder Judiciário em razão de uma inevitável hiperlitigação fomentada por advogados fazendo qualquer coisa pra sobreviver.

Bom...isso já acontece hoje mesmo.

O MEC botou todo o sistema em cheque ao permitir que tenhamos hoje mais de 1700 faculdades de Direito despejando bacharéis no mercado, e não vejo como esse quadro possa ser mudado. Afinal, quem vai ter peito (e força política) para contrariar os grandes grupos econômicos que controlam hoje a máquina de fazer dinheiro chamada "faculdade particular?"

Ninguém tem peito e, a bem da verdade, ninguém efetivamente quer.

Ao contrário! A ideia é expandir ainda mais!

Será que o Exame de Ordem avalia mesmo alguma coisa? Talvez sim, talvez não, mas seu formato atende ao gigantismo da graduação em Direito e sua existência impede o colapso do Poder Judiciário.

Todos querem um Exame de Ordem melhor, inclusive eu, mas cadê os elementos para implementar essas melhorias? A OAB vive sob várias pressões neste campo, vítima do MEC e de  vários governos, a partir de FHC, que acharam que quantidade é melhor do que qualidade.

A receita deste bolo falhou. E agora, faz o quê?