Quinta, 23 de janeiro de 2020
Quando um candidato de um certame jurídico qualquer vai fazer a prova, ele SABE que a linguagem a ser utilizada nesta prova será a linguagem jurídica.
E sabe disso pela própria natureza do certame. Trata-se de uma obviedade.
Os termos técnicos a serem utilizados NÃO SERÃO coloquiais ou com sentidos estranhos ao que a lei, a doutrina e a jurisprudência preceituam.
Certo?
Bom...se for no Exame de Ordem a conversa não é bem assim.
Na 2ª fase de Trabalho, por exemplo, os candidatos precisaram ADIVINHAR o que a banca queria dizer.
É, óbvio, foi a receita do desastre.
A incapacidade da banca em expressar com clareza um enunciado custou a aprovação a MILHARES de candidatos!
Essa incapacidade estende-se também a anulação de enunciados equivocados, coisa que a banca não faz.
Tratei deste problema recentemente, com a questão 3 da prova de Civil.
Lastimável: OAB se recusou a anular questão mesmo sabendo que ela está errada!
Em Civil a banca CONFESSOU o erro e, mesmo assim, a OAB não anulou a questão. Mas ao menos confessou o erro.
Já em Trabalho a banca se recusa a confessar que errou, e bolou uma resposta para lá de criativa para justificar o injustificável.
Lembrando que a questão 4 foi alvo do abaixo-assinado dos candidatos:
Abaixo-assinados de Civil, Trabalho e Constitucional são protocolados no CFOAB
Abaixo-assinado de Direito do Trabalho alcança mais de 3.000 assinaturas!
O pedido de anulação feito pelos candidatos teve forte embasamento.
Observem o padrão de resposta da questão 4 da prova trabalhista:
Vejam só!
As preliminares, que estão no art. 337 do CPC (e a decadência não se encontra no rol de hipóteses do artigo, é bom ressaltar) também chamadas de objeções processuais, implicam na extinção dos pedidos de uma inicial sem a resolução do mérito.
Já as prejudiciais de mérito, quando acolhidas, geram como consequência a extinção dos pedidos com a resolução do mérito.
As prejudiciais de mérito são as matérias nas quais, se acolhidas, implicarão em extinção dos pedidos com resolução do mérito. É a hipótese de prescrição ou decadência, conforme o Art. 487,II, do CPC:
Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:
I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;
II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;
Ou seja, a decadência apontada (corretamente) no espelho JAMAIS poderia ser apresentada como preliminar, como EXIGIU (erroneamente) o enunciado na alternativa A. A decadência é apresentada não como preliminar, mas sim como prejudicial de mérito!
Ora! Se o enunciado DETERMINA que o candidato apresente uma preliminar, automaticamente o impediu de apresentar a resposta decadência como correta!
Certo?
Não para a banca. Para a banca o enunciado não tinha nenhum problema. Vejamos abaixo a resposta da FGV ao recurso de um candidato prejudicado:
A resposta da FGV aos recursos, todos eles, foi um parágrafo com 9 linhas para justificar conceitualmente o que ele queria dizer com o termo "instituto juridico preliminar", dando voltas e voltas para dizer que o enunciado está correto.
Só poderia ter dado problema mesmo.
Preliminar, em uma prova jurídica, é PRELIMINAR, aquelas hipóteses previstas no art. 337 do CPC. Candidato NENHUM é obrigado a entender preliminar com qualquer outro sentido diferente de seu sentido jurídico em uma prova TÉCNICA!
Foram mais de 3 mil assinaturas de candidatos que interpretaram o termo em seu sentido técnico, sem saber que na cabeça da banca o sentido era um outro qualquer.
Só poderia terminar em desatre isso, e assim aconteceu: altíssimo índice de erro nessa questão, com a consequente reprovação de milhares de candidatos.
Prejudicial de mérito não pode ser tratada como preliminar - cuja natureza deriva de determinação legal - e que foi péssimamente explicitada no enunciado, custando a aprovação de quem interpretou o problema de forma correta.
Moral da história: uma justificativa tão extensa da banca quanto ao sentido do termo "instituto jurídico preliminar" já deveria ter vindo na prova. Facilitaria a vida dos candidatos que estão com a corda no pescoço em função do tempo e que teriam de interpretar "instituto jurídico preliminar" em um outro sentido que não o jurídico.
Jamais, da forma como foi apresentada a argumentação, teriam como responder se observassem o comando do enunciado.
PONTO FUNDAMENTAL: Os candidatos com quem conversei, e foram centenas, afirmaram enfaticamente que a resposta seria mesmo a decadência, mas NÃO RESPONDERAM decadência porque o comando do enunciado pedia, exatamente, preliminar.
A banca errou! A questão é manifestamente viciada e, mais uma vez, tentam jogar a culpa para os candidatos.
A culpa não é dos candidatos: a culpa é de quem fez a prova e também da OAB, que não anulou a questão quando deveria ter feito isso, ciente que estava de todo o problema.
Minha sugestão: que a próxima prova de Trabalho venha com um glossário e seja disponibilizado um intérprete em cada sala para os examinandos consultarem em caso de dúvida.
Aí sim não teríamos problemas.