Sexta, 22 de outubro de 2021
Fui alertado ontem por uma aluna sobre uma questão antiga, do XVII Exame de Ordem (19/07/2015), que tratava de uma circuntância com profunda correlação com a questão da Suelen.
Inclusive tal questão foi anulada naquela edição.
Contudo, e isso é importante, a anulação naquela oportunidade NÃO nos interessa, pois a causa da anulação foi a superveniência de um erro material na indicação dos nomes dos personagens no enunciado.
XXXIII Exame de Ordem: Último recurso de Direito Tributário
XXXIII Exame de Ordem: Recurso para a questão de Ética
O que nos interessa é a RESPOSTA que a banca indicou como correta naquela questão. Ali nós temos um vínculo fortíssimo com a questão da Suelen.
As questões, inclusive são muito parecidas, em que pese as circuntâncias e certos detalhes serem diferentes.
Confiram a questão original do XVII Exame de Ordem. O gabarito correto para esta questão foi indicado pela FGV como a letra C.
Prestem atenção! A letra C.
Confiram:
Repito: essa questão foi anulada por conta de um erro material. Esqueçam, portanto, a causa de anulação dessa questão.
Vamos focar no seu conteúdo!
José era empregado de uma sociedade empresária. Ele vendeu seu carro para o dono da sociedade, que o dispensou 4 meses após a venda.
Ele ajuizou uma ação trabahista requerendo suas horas extras trabalhadas, o que fez a defesa da ré argumentar que essas horas não foram pagas porque o carro vendido tinha um defeito no motor e que a retenção das horas extras era resultado de uma "compensação de valores".
Qual foi a alternativa considerada correta pela banca na oportunidade? A letra "C". Vamos ver a resposta:
C) Descabe a compensação, porque a dívida imputada a José não é trabalhista, devidas assim as horas extras na integralidade.
Ora, ora, ora! A dívida não era trabalhista, mas sim resultado de uma relação COMERCIAL. Logo, o empregador não poderia fazer a compensação.
Onde já vimos isso antes?
Vamos olhar de novo a questão da Suelen:
Vamos olhar melhor essa questão!
A resposta escolhida como correta pela FGV foi a letra B. Contudo, a alternativa B diz o seguinte:
C) Não pode haver qualquer desconto no TRCT, porque o empréstimo tem a natureza de contrato civil, de modo que a sociedade empresária deverá cobrá-lo na justiça comum.
Vamos olhar novamente agora a alternativa C da questão do José, do XVII Exame de Ordem:
C) Descabe a compensação, porque a dívida imputada a José não é trabalhista, devidas assim as horas extras na integralidade.
Ambas as respostas reconhecem que a origem do crédito se deu em função de uma relação cível, e que por isso não poderiam ser compensados na Justiça do Trabalho.
Por que então a FGV apontou a alternativa B na questão da Suelen?
Apontou por ERRO!
Reparem neste específico trecho do enunciado da questão da Suelen:
"...Suelen pediu ao seu empregador um empréstimo de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) para ser descontado em parcelas de R$ 500,00 (quinhentos reais) ao longo do tempo."
Eu entendi o que a FGV pensou: como o empréstimo foi dado em função da relação trabalhista - inclusive para ser descontado do salário ao longo do tempo - a verdade deveria ter sido interpretada pelos candidatos como de natureza trabalhista.
FALSO!
Estamos em uma prova técnica, e a banca tem de observar os aspectos técnicos-legais do enunciado!
Empréstimo é um instituto de Direito Civil. A banca está confundindo empréstimo com ADIANTAMENTO SALARIAL, apenas porque o "empréstimo" seria descontado do salário ao longo do tempo!
FALSO mais uma vez!
A banca deveria ter usado o termo jurídico correto (adiantamento salarial) para validar a alternativa B como correta. Aí sim não teria problema algum.
Contudo, como ela chamou de EMPRÉSTIMO, ela atraiu a competência da Justiça Cível para o caso.
Não é dado à FGV o condão de se equivocar na terminologia jurídica em seus enunciados, e muito menos querer atribuir a um instituto uma natureza que ele não tem!
NÃO EXISTE A FIGURA DO EMPRÉSTIMO TRABALHISTA!
Essa prática não é permitida pela lei. Afinal, pode ser tida como instrumento para desvirtuar o motivo do negócio e como uma forma de assédio moral.
Há empresas que aceitam, diante de um pedido do funcionário, antecipar o salário ou uma parcela do 13°. Esses casos, porém, não são empréstimos. Afinal, não há cobrança de juros e, no dia do salário ou do 13°, a pessoa não receberá nada. Aqui temos a antecipação salarial!
O que existe é o empréstimo consignado.
É um tipo de empréstimo pela empresa para a qual o trabalhador tem vínculo. Entretanto, o crédito dado por uma instituição financeira.
Atualmente há permissão legal para desconto em folha apenas quando se tratar de empréstimos obtidos de instituições financeiras ? Lei n.º 10.820/2003. Note-se que o art. 462 da CLT apenas autoriza descontos em folha quando previstos em lei:
?Art. 462 ? Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.
§ 1º ? Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado?.
Vamos olhar a doutrina, que é farta, especialmente no posicionamento de grandes juristas da área.
"Os valores quando não superem a remuneração mensal serão considerados como adiantamentos salariais. Porém os ?adiantamentos? concedidos pelo empregador que excederem ao valor da remuneração perdem a característica de adiantamento salarial, passando a constituir dívida de natureza civil. (Sergio Pinto Martins, in ?Comentários à CLT?, 11º ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 463)."
?Os adiantamentos salariais, lembra Valentim Carrion, em princípio perdem ter caráter no que superam o valor mensal da remuneração, salvo prova em contrário, não pelo art. 477, §5º, que não é específico, mas pelo que a quantia superior faz presumir pela sua desproporcionalidade, assim os débitos superiores poderão ser considerados dívidas civis, que não possam ser objeto de auto-execução pelo empregado. (Valentim Carrion, citado por Clodoveu Machado Filho na obra de sua co-autoria intitulada ?Curso de Direito do Trabalho ? Estudos em Memória de Célio Goyatá?, volume II, 3ª edição, Ed. LTr, 1997)
"Relativamente aos adiantamentos, a lei se refere àqueles que, por conta dos salários, são pagos ao empregado, mediante vales ou recibos especiais, durante o interregno de dois pagamentos normais. Não permite a Consolidação, portanto, que no empréstimo de determinada quantia ao empregado seja prevista a respectiva amortização por meio de descontos no salário. É que, se no primeiro caso, o adiantamento já constitui salário, no segundo há um contrato de empréstimo onde o credor e o devedor não se confundem com o empregador e o empregado. Mutatis mutandis, o mesmo ocorre em relação aos empréstimos que o empregado obtém de terceiro, cujo pagamento não poderá, igualmente, ser descontado dos seus salários, por constituir dívida estranha à relação de emprego.? (Curso de direito do trabalho / Arnaldo Süssekind. Imprenta: Rio de Janeiro, Renovar, 2010.)"
A questão da Suelen está ERRADA!
A FGV NÃO PODERIA ter chamado o "empréstimo" de "empréstimo" para que a resposta fosse a letra "B". Mas ela o fez porque o valor emprestado era de R$ 4.000,00, quando o salário da Suelen era de R$ 1.500,00. O que a empresa ofertou para a Suelen (e de forma irregular, diga-se de passagem) foi mesmo um empréstimo de natureza CÍVIL, pois o valor era maior que o salário dela.
A interpretação dada pela FGV está errada! Aliás, a FGV se contradiz quando, em questão anterior do Exame de Ordem, reconhece a natureza cível da circunstância. Agora, na questão da Suelen, a característica cível é manifesta, e foi a letra C que a esmagadora maioria dos candidados respondeu.
A letra correta na questão só pode ser a "C".
A anulação é, simplesmente, necessária.