Quinta, 16 de julho de 2020
O Conselho Federal de Contabilidade publicou o edital de retificação para o seu Exame de Suficiência, a única outra prova, além do Exame da OAB, exigida para os recém-formados poderem ingressar em uma profissão, no caso, a de contador.
O CFC adotou a prova online exatamente para poder permitir que os recém-formados façam o exame sem correrem os riscos inerentes a aplicação de uma prova presencial em tempos de pandemia.
Esse modelo de prova tem sido exigido por muitos bacharéis e estudantes de Direito como solução para o Exame de Ordem, especialmente depois que o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, falou que esse tipo de prova estaria sob estudo.
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Entretanto, diferentemente do CFC, a OAB não cogita em aplicar uma prova online, não só por questões técnicas como também, especialmente, por questões de segurança.
O Exame de Ordem em condições normais já sofre bastante com tentativas de fraude, o que não imaginar com a aplicação online, onde todos os candidatos fariam a prova de suas casas?
Surge então a pergunta: como o CFC contornou esse problema?
Analisei o edital de retificação para ver quais fórmulas e métodos o CFC, junto com a Consulplan (a organizadora do certame), aplicaria para elidir eventuais fraudes, e cheguei a conclusão de que a proposta da prova online do Exame de Suficiência não vai impedir em nada que o certame seja fraudado.
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O edital apresenta uma série de soluções tecnológicas engenhosas, mas com alguma reflexão percebe-se que na prática simplesmente não se tem como evitar fraudes, afora outros problemas sérios.
Não que muitos dos candidatos irão de fato fraudar a prova! Claro que não! Acredito que a maioria respeitará o edital e a ética. Mas provavelmente alguns o farão. Em todas as áreas existem pessoas dispostas a burlar regras.
Vamos conferir os pontos mais interessantes do edital e analisá-los pontualmente, quando necessário.
Aqui a designação da aplicação da prova na modalidade online, a ser aplicada em uma ambiente virtual próprio do CFC.
O item 5.2.1 apresenta um complicador sério: se a internet do candidato der problema, se o computador dele estragar ou mesmo se simplesmente faltar luz, não será possível fazer a prova.
É uma situação análoga a se chegar atrasado no local de prova. A dificuldade estaria em enfrentar um problema técnico que, caso ocorra, tem o potencial de ser praticamente insuperável.
A Consulplan joga a responsabilidade integralmente para os candidatos não só em relação a problemas técnicos como também em relação a infraestrutura para se fazer a prova.
Como se trata de algo excepcional, não acho a postura da banca errada. Neste caso o ônus, custo e o risco pertencem integralmente aos examinandos.
É o preço a se pagar por se fazer a prova online.
Aqui a data da prova.
Esses dois itens trazem os primeiros elementos técnicos de segurança dentro do sistema da prova.
O primeiro (5.11) visa apresentar as questões de forma completamente randômica, sem qualquer ordem, para os candidatos.
Já o segundo (5.12) estabelece uma restrição quanto a apresentação das questões, pois uma nova questão só será apresentada se a questão anterior for resolvida, sendo impossível ao candidato retornar para revê-la.
O objetivo é evitar a troca de informações entre os candidatos, evitando a interação e a discussão do gabarito.
Obviamente, não tem como dar certo.
Vamos aos problemas:
1 - O que impedirá um grupo de candidatos façam a prova juntos, em um mesmo lugar, todos olhando ao mesmo tempo as questões de uns e de outros e ajustando simultaneamente os gabaritos?
2 - O que impedirá a consulta recíproca entre eles?
3 - O que impedirá a consulta a livros e à internet?
4 - O que impedirá a presença de especialistas convocados para auxiliar os candidatos?
5 - O que impedirá que grupos no whatsapp ou no Telegram, com muitas pessoas, troquem simultaneamente os gabaritos para conferência geral?
A resposta a todas essas perguntas é uma só: NADA!!!
O sistema randômico é facilmente burlável. Não o sistema em si, mas a sua própria lógica, e isso pelo simples motivo de que não existe a menor possibilidade de fiscalização. A segurança do sistema é completamente contornável.
Perceber isso é algo elementar.
Os candidatos no início da prova progrediriam mais lentamente, mas depois, com o acúmulo e troca de informações, todos teriam tempo de responder tudo de forma correta.
Para a lógica do edital funcionar seria necessário um bando de questões GIGANTESCO e que as provas não fossem necessariamente iguais, mas sim retiradas desse banco de questões de forma aleatória.
Assim sendo, o Exame mataria não só a isonomia entre os examinandos em relação as questões como também algumas provas poderiam ser mais difíceis que outras, o que também vulneraria a aludida isonomia.
PIOR! Se assim fosse, a possibilidade escrutínio da prova iria cair por terra! Como julgar um processo seletivo em que todas as provas seriam bem diferentes entre si? Não tem como, o que daria margem para arbítrios, injustiças e, especialmente, para um procesos seletivo estatisticamente mais difícil, aumentando assim as reprovações. E ninguém poderia fazer nada.
Obviamente isso não vai acontecer agora porque o CFC não tem esse banco de questões, o que nos traz de volta a possibilidade de fraudes.
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E, evidentemente, como praticamente todos os sistemas do mundo, o risco de um hacker invadir o site do certame, ou os servidores da Consulplan ou do CFC, e copiar o banco de questões não pode ser descartado. Se isso acontecer, um abraço!
E como bem sabemos, existem quadrilhas especializadas nisso.
Não estou dizendo, é claro, que não há segurança, mas quem bota a mão no fogo garantindo a segurança total da prova?
Se até o site da NASA, do FBI, da CIA e da NSA, entre outros tantos, já foram hackeados, eu não duvido de rigorosamente nada.
E se vocês digitarem no google os termos "fraudes e concursos" verão uma enxurrada de notícias. Mas muitas mesmo!
O item 5.12.1 é altamente problemático. O que seria um "procedimento indevido"? Isso por si só pode dar margem a uma multiplicidade de questionamentos por ser um termo completamente vago.
Ademais, o que seria o "tempo incompatível para sua resolução"? Outro termo vago que pode dar margem para muitos questionamentos. Qual seria o tempo razoável para se responder uma questão? Essa ideia, sem parâmetros objetivos explicitados no edital, torna a questão completamente subjetiva.
Ademais, o controle do tempo é plenamente superável por quem desejar fraudar a prova. Como escrevi anteriormente, no começo a resolução da prova pode até ser mais lenta, mas com o compartilhamento de informações toda ela é resolvível dentro do tempo previsto.
Com todo o respeito ao CFC, mas a prova online está pedindo para ser objeto de muitas, mas muitas demandas judiciais.
Primeiramente pelo óbvio: a anulação da prova devido a algum ilícito efetivado por meio eletrônico, estatístico, visual, grafológico ou por investigação policial demanda um PROCESSO!
E como tal, precisa ser provado. E isso não é algo exatamente fácil, especialmente com todos os candidatos fazendo as provas FORA DE UM AMBIENTE CONTROLADO!
Esses itens do edital só querem passar uma ilusão de controle. Na prática, tirando a hipótese de fraude virtual, passível de perícia, o resto é de difícil comprovação.
Claro! Há a hipótese de provas com as mesmas respostas, mas quem for esperto não vai fazer igual aos demais, e muito menos vai ambicionar tirar a nota máxima. Isso é algo facilmente superável.
O que o CFC vai dizer quando as estatisticas de aprovação desta prova forem diferentes das estatísticas anteriores do Exame? Daí para o MPF se interessar pela prova é um pulo.
O CFC quer aplicar uma prova que não garante um mínimo de segurança quanto a integridade das respostas.
Ninguém está feliz com a pandemia e com seus efeitos. O Exame de Ordem, por exemplo, está parado, o que é péssimo para todos. Mas nem por isso a OAB vai se arriscar em algo que ela não pode dar um mínimo de segurança. E este mínimo de segurança, na minha ótica, está faltando para a prova do CFC.
O CFC erra ao aplicar a prova sob este modelo. Quer inovar, mas está se esquecendo de premissas ELEMENTARES de segurança.
Não tem como dar certo.
Link do edital do Exame de Suficiência do CFC.