X Exame de Ordem: gabarito extraoficial escrito de Direito Penal

Domingo, 16 de junho de 2013

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Segue o gabarito extraoficial escrito da prova de Direito Penal, pelos professores Geovane Moraes e Ana Cristina:

Peça prático Profissional

Leia com atenção o caso concreto a seguir:

Jane, no dia 18 de outubro de 2010, na cidade de Cuiabá/MT, subtraiu veículo automotor de propriedade de Gabriela. Tal subtração ocorreu no momento em que a vítima saltou do carro pra buscar um pertence que havia esquecido em casa, deixando-o em aberto e com chave na ignição. Jane, ao ver tal situação, aproveitou-se e subtraiu o bem, com o intuito de revende-lo no Paraguai. Imediatamente, a vítima chamou a polícia e esta empreendeu perseguição ininterrupta, tendo prendido Jane em flagrante somente no dia seguinte, exatamente quando esta tentava cruzar a fronteira para negociar a venda do bem que estava guardado e local não revelado.

Em 30 de outubro de 2010, a denúncia foi recebida. No curso do processo, as testemunhas arroladas afirmaram que a ré estava, realmente, negociando a venda do bem no país vizinho e que havia um comprador terceiro de boa-fé arrolado como testemunha, o qual, em suas declarações, ratificou os fatos. Também ficou apurado que Jane possui maus antecedentes e reincidente específica nesse tipo de crime, bem como Gabriela havia morrido do dia seguinte à subtração, vítima de enfarte sofrido logo após os atos, já que o veículo era essencial à sua subsistência.

Ré confessou o crime em seu interrogatório.

Ao cabo da instrução criminal, a ré foi condenada a 05 anos de reclusão no regime inicial fechado para cumprimento da pena privativa de liberdade, tendo sido levada em consideração a confissão a reincidência específica, os maus antecedentes e as consequências do crime, quais sejam, a morte da vítima e os danos decorrentes da subtração do bem essência à sua subsistência.

A condenação transitou definitivamente em julgado, e a ré iniciou o cumprimento da pena em 10 de novembro de 2012. No dia 05 de março de 2013, você na qualidade de advogado(a) de Jane, recebe em seu escritório a mãe de Jane, acompanhada de Gabriel, único parente vivo da vítima, que se identificou como sendo filho desta, Ele informou que, no dia 27 de novembro de 2010, Jane acolhendo os conselhos maternos, lhe telefonou, indicando o local onde o veículo estava escondido. O filho da vítima, nunca mencionado no processo, informou que no mesmo dia do telefonema, foi ao local e pegou o veículo de volta, sem nenhum embaraço, bem como tal veículo estava em seu poder desde então.

Com base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas  pelo caso concreto acima, redija peça cabível, excluindo a possibilidade de impetração de habeas Corpus, sustentando, para tanto, as teses jurídicas pertinentes. (Valor: 5,0)

* Peça: REVISÃO CRIMINAL, com fundamento no art. 621, III do Código de Processo Penal, pois após o trânsito em julgado da sentença surgiram circunstâncias que autorizam diminuição especial da pena.

* Competência: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO

* Tese: Alegar que houve manifestação de arrependimento posterior, com fundamento no artigo 16 do Código Penal que autoriza a diminuição de pena de um a dois terços, visto que se trata de crime praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa, tendo a ré, após a consumação do crime e antes da data do recebimento da peça acusatória, por ato voluntário, restituído o bem objeto do delito.

* Pedido: Procedência do pedido revisional, para, com fundamento no art. 626 do Código de Processo Penal, reformar a decisão para decretar a modificação da pena e adequá-la à nova realidade, fazendo manifestar, no caso concreto, a redução de pena decorrente do arrependimento posterior.

Caberia o pleito de que esta redução de pena seja estabelecida no máximo previsto nos termos do art. 16 do Código Penal, a saber: dois terços, visto ter a ré procedido a devolução do bem de forma célere, ocorrendo tal devolução apenas 09 dias após a subtração da coisa móvel.

Caberia também o pleito de que em sendo reconhecida a redução de pena decorrente do arrependimento posterior no máximo em dois terços fosse observado o direito de progressão de regime por parte da ré, nos termos do art. 112 da Lei 7210/84.

Questão 01

O Ministério Público, tomando conhecimento da prática de falta grave no curso da execução penal, pugna pela interrupção da contagem do prazo para efeitos de concessão do benefício do livramento condicional, fundamentado seu pleito em interpretação sistemática do art. 83 do CP e dos artigos 112 e 118, I, ambos da Lei n 7210/84.

Levando em conta apenas os dados contidos no enunciado, com base nos princípios do processo penal e no entendimento mais recente dos Tribunais Superiores, responda à seguinte questão, de forma fundamentada:

O Ministério Público está com a razão? (Valor: 1,25)

A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não pontua

PADRÃO DE RESPOSTA

No caso concreto analisado, não assiste razão ao Ministério Público, havendo posicionamento consolidado no STJ através da súmula 441, que dispõe ?A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional?.

O livramento condicional é aferido a partir do quantum de pena já cumprido (requisito objetivo) e do preenchimento dos requisitos subjetivos presentes em lei. A fuga ou outra falta grave não faz desaparecer o tempo de pena já cumprido.

Posicionamento contrário ofenderia os princípios da legalidade, da proibição do excesso, da individualização da pena, e até mesmo do ne bis in idem.

Questão 02

Maria, mulher solteira de 40 anos, mora no Bairro Paciência, na cidade Esperança. Por conta de seu comportamento, Maria sempre foi alvo de comentários maldosos por parte dos vizinhos; alguns até chegavam a afirmar que ela tinha ?cara de quem cometeu crime?. Não obstante tais comentários, nunca houve prova de qualquer das histórias contadas, mas o fato é que Maria é pessoa conhecida na localidade onde mora  por ter má-índole, já que sempre arruma brigas e inimizades.

Certo dia, com raiva de sua vizinha Josefa, Maria resolve quebrar a janela da residência desta. Para tanto, espera chegar a hora em que sabia que Josefa não estaria em casa e, após olhar em voltar para ter certeza de que ninguém a observava, Maria arremessa com força, na direção da casa da vizinha, um enorme tijolo. Ocorre que Josefa, naquele dia, não havia saído de casa e o tijolo após quebrar a vidraça, atinge também sua nuca. Josefa falece instantaneamente.

Nesse sentido, tendo por base apenas as informações descritas no enunciado, responda justificadamente:

É correto afirmar que Maria deve responder por homicídio doloso consumado?

A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não pontua.

PADRÃO DE RESPOSTA

No caso concreto analisado, não é correto afirmar que Maria deverá responder por homicídio doloso consumado. O que temos em tela é o instituto do resultado diverso do pretendido, disciplinado ao teor do artifo 74 do Código Penal.

Tal instituto fica manifesto, visto que o animus inicial de Maria era gerar dano à propriedade da sua vizinha Josefa. Todavia, ao arremessar o tijolo contra janela da residência da vítima, com dolo específico de suscitar crime de dano, Maria acaba também por atingir a nuca de Josefa, produzindo-lhe a morte em circunstância de resultado diverso do pretendido.

Logo, deverá Maria responder por crime de dano consumado e por homicídio culposo consumado, nos termos do art. 163, caput em combinação com o art. 121, § 3º, sendo ambos os crimes imputáveis a título de concurso formal perfeito, como disciplina o caput do art. 70, parte inicial, todos do Código Penal.

OBS: Não caberia a arguição de dano qualificado, visto que a motivação de Maria foi raiva em relação a sua vizinha, o que não caracteriza motivo egoístico nem outro elemento de caracterização de qualificação do crime de dano, constante ao teor do parágrafo único do art. 163 do Código Penal

Questão 03

José, conhecido em seu bairro por vender entorpecentes, resolve viajar para Foz do Iguaçu (PR). Em sua bagagem, José transporta 500g de cocaína e 50 ampolas de cloreto de etila. Em Foz do Iguaçu, José foi preso em flagrante pela Polícia Militar em virtude do transporte das substâncias entorpecentes. Na lavratura do flagrante, José afirma que seu objetivo era transportar a droga até a cidade de Porto Vera Cruz (RS), mencionado, inclusive, a passagem de avião que já havia comprado.

Você é contratado para efetuar um pedido de liberdade provisória e o que mais entender de Direito em favor de José.

Atento somente ao que foi narrado na hipótese acima, responda, fundamentadamente, aos itens a seguir:

a)     O órgão competente para julgamento é a Justiça Estadual ou a Justiça federal? Justifique. (Valor: 0,75)

b)    Se José objetivasse apenas traficar drogas em Foz do Iguaçu, o órgão competente seria o mesmo do respondido no item A? Justifique (Valor: 0,50)

A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não pontua

PADRÃO DE RESPOSTA

a) A competência é da Justiça Estadual, conforme Súmula 522 do STF, que dispõe: ?Salvo ocorrência de tráfico com o exterior, quando, então, a competência será da Justiça Federal, compete a justiça dos estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.?

b) A competência seria a mesma, justiça estadual, definindo-se pela prevenção por se tratar de crime permanente (art. 71 do Código de Processo Penal).

OBS: O tráfico de entorpecentes na modalidade em exame (transportar) caracteriza delito permanente e, no caso concreto, o enunciado indica ter José viajado para Foz do Iguaçu-PR, dando a entender que se trataria de tráfico interestadual (a questão não diz de onde ele partiu). Indica ainda o objetivo do agente de ir até Porto Vera Cruz-RS, através de transporte aéreo, entretanto o mesmo não chegou a ocorrer.

Assim, conclui-se que a questão sugere tráfico interestadual, crime da competência Justiça Estadual.

Questão 04

Erika e Ana Paula, jovens universitárias, resolvem passar o dia em uma praia paradisíaca, de difícil acesso (feito através de uma trilha), bastante deserta e isolada, tão isolada que não há qualquer estabelecimento comercial no local e nem mesmo sinal de telefonia celular. As jovens chegam bastante cedo e, ao chegarem, percebem que, além delas, há somente um  salva-vidas na praia. Ana Paula decide dar um mergulho no mar, que estava bastante calmo naquele dia. Erika, por sua vez, sem saber nadar, decide puxar assunto com o salva-vidas, Wilson, pois o achou muito bonito. Durante a conversa, Erika e Wilson percebem que têm vários interesses em comum  e ficam encantados um pelo outro. Ocorre que, nesse intervalo de tempo, Wilson percebe que Ana Paula está se afogando. Instigado por Erika, Wilson decide não efetuar o salvamento, que era perfeitamente possível. Ana Paula, então, acaba morrendo afogada.

Nesse sentido, atento apenas ao caso narrado e respondendo de forma fundamentada, indique a responsabilidade jurídico-penal de Erika e Wilson.

A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não pontua.

PADRÃO DE RESPOSTA

No caso analisado, Wilson, por ser salva-vidas, assumiu notoriamente a posição de garantidor, disciplinado ao teor do art. 13, §2º do Código Penal. Assim sendo, ele possuía o dever jurídico específico de prestar socorro à Ana Paula, mas, mesmo percebendo que esta estava se afogando, e em uma condição em que lhe era perfeitamente possível prestar socorro nada fez, tendo notória consciência que sua conduta poderia resultar em morte da vítima, o que de fato aconteceu.

Com isso, caberá a Wilson a imputação de homicídio doloso consumado, nos termos do art. 121, caput do Código Penal. Erika, ao instigar Wilson a não prestar o socorro também assume dolosamente o risco de gerar o resultado morte de Ana Paula, devendo, portanto, responder como partícipe do crime de homicídio doloso consumado.

OBS: não caberia, no caso concreto, a tipificação do crime de omissão de socorro previsto no art. 135 do Código Penal, pois este delito refere-se ao dever genérico de proteção a todos imposto. Como no caso concreto existia um dever específico de proteção e Wilson estava na posição de garantidor, imputa-se dolo eventual para finalidade de caracterização de crime de homicídio.