Segunda, 26 de novembro de 2012
O professor Rogério Neiva, juiz do trabalho e criador do sistema Tuctor de gestão dos estudos, escreveu um texto sobre a formulação da questão 1 da prova prática de Direito do Trabalho. Leiam suas bem fundamentadas razões:
Inconformismo com a Correção do Exame da OAB e Execução contra a Fazenda Pública
O objetivo deste texto é veicular uma crítica, desabafo e inconformismo com a correção e o resultado dos recursos envolvendo uma questão da prova de Direito e Processo do Trabalho da 2ª Fase do VIII Exame da OAB. A questão mencionada tratava do tema da execução contra a Fazenda Pública, indagando do candidato a modalidade de execução, considerando o valor do crédito constituído contra a Fazenda Municipal. Conforme o padrão de resposta, considerou-se que o crédito de até 30 salários mínimos deveria necessariamente se sujeitar ao procedimento de requisição de pequeno valor.
Diante daquele cenário, elaborei uma proposta de modelo de recurso, sugerindo a anulação da questão, pois havia um vício grave. O enunciado não esclarecia se havia ou não lei própria estabelecendo o conceito de pequeno valor.
Conforme havia proposto como argumentação, a sistemática atual de execução contra a Fazenda Pública, prevista no texto constitucional, a partir da Emenda Constitucional 62, nos termos do art. 100, § 4º da CF, art. 87, II e do art. 97, § 12 do ADCT, no caso da Fazenda Pública Municial, existem duas possibilidades: (1) o Município define, em 180 dias a contar da EC 62, o conceito de pequeno valor dentro da sua competência legislativa, observando o mínimo do maior benefício do RGPS; (2) o Município não definindo o conceito de pequeno valor considera-se este de até 30 salários mínimos.
Assim, sustentava que não necessariamente o conceito de pequeno valor será o de créditos de até 30 salários mínimos, conforme previsto no padrão de resposta. Com isso, diante da falta de esclarecimento no enunciado, acerca da existência ou não de lei local definindo o conceito de pequeno valor, a questão deveria ser anulada.
Os recursos, pelo que chegou ao meu conhecimento, não foram providos. Ou seja, o examinador não reconheceu o problema que havia na questão.
Porém, recebi de uma aluna a resposta dada pelo examinador, nos seguintes termos: ?A questão não mencionou, em momento algum, que o Município tivesse Lei própria definindo o conceito de pequeno valor na sua base territorial, motivo pelo qual aplica-se a regra geral ? respeito ao modelo constitucional, que o fixa em 30 salários mínimos (ADCT, artigo 87, II). Recorde-se ainda que tal fixação é facultativa ? e não obrigatória -, na forma do artigo 100 da CF/88, § 4º, (?Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social?). Não há motivo para anulação ou revisão da questão, que observou na inteireza os princípios e regras constitucionais.?
Desde já saliento que não tenho a menor satisfação em questionar correções e respostas a recursos de bancas examinadoras. Tenho a clareza das dificuldades que envolvem a realização de um exame do porte do Exame da OAB. Já fui examinador de uma das maiores organizadoras de concurso do país.
Mas também não posso me conformar com injustiças, falta de tecnicismo e carência de humildade intelectual para reconhecer o erro.
Entendo que há dois equívocos graves na resposta que comprometem ainda mais a situação.
O primeiro consiste na falta premissa acerca do que é a regra geral. Por uma questão de lógica jurídico-normativa, não podemos considerar que a regra geral de um instituto previsto no texto constitucional está no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e não no texto da Constituição. Há, sobre um mesmo instituto, uma norma prevista no texto da Constituição e outra prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, por uma questão lógica, a regra geral deve estar no texto constitucional e a exceção no ADCT.
Porém, o examinador da OAB, lamentavelmente, afirma que a regra geral está no ADCT, e que a exceção está no texto da Constituição.
No entanto, caro examinador, a regra geral está na Constituição e a exceção no ADCT. Mas esta compreensão decorre não apenas de uma questão de lógica jurídica, mas da realidade do tema da Execução contra a Fazenda Pública. Não tenho dúvida de que a grande maioria dos municípios brasileiros não suportam, em termos orçamentários, um pequeno valor de 30 salários mínimos. Portanto, a regra é a lei local e a exceção a ausência de lei.
O segundo equívoco grave do examinador é afirmar que ?tal fixação é facultativa ? e não obrigatória -, na forma do artigo 100 da CF/88, § 4º?. Entendo, infelizmente, que tal compreensão revela falta de familiaridade com o tema da execução contra a Fazenda Pública.
O texto constitucional, no art. 100, § 4º, não usou a palavra ?poderão? para afirmar que criar o conceito de pequeno valor tenha caráter facultativo, ainda que o seja (facultativo). Esta palavra teve o sentido de adequar a então Proposta de Emenda à Constituição no. 12/2006 (que recebeu o apelido de PEC 12/2006), à jurisprudência do STF da época, a qual, após longo debate, em emblemático precedente envolvendo mudança do pequeno valor no Estado do Piauí (ADI 2868), havia firmado a tese de que cabe a cada ente da federação estabelecer o seu conceito de pequeno valor.
Portanto, caro examinador, o ?poderão? teve o sentido de que cada ente federado conta com competência legislativa para criar o conceito de pequeno valor por lei local, e não de que é uma faculdade.
Não tenho a pretensão de invocar a titularidade do monopólio da verdade absoluta, de modo que faço a presente crítica e desabafo com toda humildade intelectual. Mas considero lamentável o ocorrido. Principalmente na condição de um interessado no tema, no plano profissional-judiciário e intelectual, pois fui responsável pelo juízo de precatórios do Tribunal a que pertenço, participei dos debates que levaram à elaboração da PEC 12/2006 e fui um dos quatro membros da comissão criada no Conselho Nacional de Justiça para estudos da Emenda Constitucional 62, que resultou na proposta de redação da Resolução 115 do CNJ.
Dessa forma, ainda que não se reconheça os argumentos aqui colocados e a compreensão exposta sobre o tema, a banca examinadora deveria no mínimo reconhecer que houve uma infelicidade na formulação do enunciado da questão. E com isso, com toda humildade e preocupação com o tecnicismo do Exame da OAB, promover a sua anulação.
É como penso.