Vale tudo para acabar com o Exame de Ordem?

Quinta, 28 de junho de 2012

Vocês já ouviram falar na figura do "contrabando legislativo"? Trata-se de um termo técnico-jurídico criado pelo jurista Michel Temer no caso da inclusão sub-reptícia de um assunto completamente desconexo a um determinado projeto de lei ou medida provisória com o fito de NÃO chamar a atenção e NÃO se estabelecer o DEBATE, conseguindo sua aprovação na surdina.

É simplesmente colocar qualquer assunto, por mais discrepante que seja com o projeto original, tentando introduzir uma nova normatização sem chamar a atenção.

Vamos ver o que a legislação fala sobre essa prática um tanto quando heterodoxa:

Resolução nº 1, de 2002, do Congresso Nacional:

Art. 4º Nos 6 (seis) primeiros dias que se seguirem à publicação da Medida Provisória no Diário Oficial da União, poderão a ela ser oferecidas emendas, que deverão ser protocolizadas na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal.

(...)

§ 4º É vedada a apresentação de emendas que versem sobre matéria estranha àquela tratada na Medida Provisória, cabendo ao Presidente da Comissão o seu indeferimento liminar.

O que diz a Lei Complementar nº 95, de 1998:

Art. 7º O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:

I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto; II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;

O próprio Congresso Nacional já se manifestou, internamente, sobre a impossibilidade de se admitir a figura do contrabando legislativo, tal como vocês podem ver na decisão da presidência a seguir: Decisão do Presidente de inadmitir emendas estranhas ao núcleo material das Medidas Provisórias.

Vejam também o posicionamento do STF quanto ao tema, na decisão proferida na ADI 3288, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 20.02.2011:

?(...) 3. O Poder Legislativo detém a competência de emendar TODO E QUALQUER PROJETO DE LEI, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém, duas limitações: A) A IMPOSSIBILIDADE DE O PARLAMENTO VEICULAR MATÉRIA ESTRANHA À VERSADA NO PROJETO DE LEI (REQUISITO DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF)?

Vale mencionar também a ADIn2350, Rel. Min. Maurício Correa, DJ de 30.04.2004, em cuja ementa lê-se a seguinte passagem:

?1. A Constituição Federal veda ao Poder Legislativo apenas a prerrogativa da formalização de emendas a projeto originário de Tribunal de Justiça, se delas resultar aumento de despesa pública, OBSERVADA AINDA A PERTINÊNCIA TEMÁTICA, a harmonia e a simetria à proposta inicial?

Cito também, ao fim, trecho do RE 134.278, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12.11.2004, onde se lê:

?A reserva de iniciativa a outro Poder não implica vedação de emenda de origem parlamentar DESDE QUE PERTINENTE À MATÉRIA DA PROPOSIÇÃO e não acarrete aumento de despesa: precedentes?.

Fica claro que a introdução de temas estranhos a um projeto de lei ou uma medida provisória violam o Devido Processo Legislativo Constitucional.

Muito bem!

Evidentemente que a pertinência temática precisa ser observada como CONDIÇÃO DE VALIDADE da norma.

E aí entra o Exame de Ordem...

Está tramitando no Congresso uma Medida Provisória 568/12 - que trata da concessão de uma gratificação a uma série de carreiras públicas, como os servidores do Instituto Nacional de Meteorologia, da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, da Agência Brasileira de Inteligência, da Comissão de Valores Mobiliários, do Instituto Evandro Chagas, do Centro Nacional de Primatas, da Fundação Oswaldo Cruz e um longo et cetera, que podem ser conferidos no link a seguir: MEDIDA PROVISÓRIA Nº 568.

Vejam: A MP trata de gratificações, nada além disso!

Eis então, ainda na tramitação do MP acima, dentro do prazo para a apresentação de emendas, o deputado Eduardo Cunha, quem vem se notabilizando como inimigo da OAB, apresenta a sua emenda à MP ainda em gestação. E essa emenda, é claro, queria incluir o fim do Exame de Ordem:

Cliquem AQUI para verem o inteiro teor da emenda.

Ou seja: típico caso de contrabando legislativo, ao arrepio do Devido Processo Legislativo Constitucional, tal como explicado mais acima.

Surge a pergunta: por que apelar para essa prática?

Como bem sabemos, o deputado Eduardo Cunha tem se mobilizado com grande denodo em prol da votação do PL 2154/2011, cujo objetivo é, obviamente, acabar com a prova. Tal denodo levou-o a conseguir a adesão da maioria dos lideres na Câmara para dar urgência na votação:

Projeto de Lei que visa o fim do Exame de Ordem recebe apoio das lideranças na Câmara dos Deputados

Líder do PMDB na Câmara afirma que urgência na votação do PL contra o Exame da OAB não implica em mérito

A OAB se mobiliza no congresso para proteger seus interesses (incluindo o Exame de Ordem!)

Fim do exame da OAB deve ser votado na Câmara com três votos a favor para um contra, prevê deputado

Deputado quer votação contra o Exame de Ordem ocorrendo ainda neste mês

Agora vejam uma detalhe interessante: a adesão dos líderes ocorreu em maio; a previsão do deputado sobre o fim do Exame de Ordem foi dada em 16/06, e a emenda à MP 568 foi feita também no dia 16/06.

Oras! Se há tanta confiança na votação do Projeto de Lei, para que se valer da figura do contrabando legislativo?

Não faz sentido!!

Ou faz?

Faria sentido se o deputado, de antemão, já soubesse que a votação do PL 2154/2011 vai fazer água.

Hum....

É óbvia a conclusão. Se o PL tem a adesão dos parlamentares, em um trabalho bem feito de convencimento, não seria necessário pegar um "atalho", de eficácia duvidosa, para se tentar obter o mesmo resultado.

Mas essa adesão, na realidade, deveu-se mais ao fato dos líderes terem se irritado com o presidente da OAB em função de seu discurso na posse do atual presidente do STF, Ayres Brito - Vendetta contra a OAB? Adesão de lideres no Congresso contra o Exame de Ordem pode ser uma retaliação - do que pela crença generalizada de que o Exame precisa mesmo acabar.

A reação das lideranças, e isso é manifesto, foi tópica.

É uma pena que o debate tenha ido para esse lado. Acho inteiramente legítima a pretensão de se acabar com o Exame da OAB. É um movimento político de um segmento da sociedade (os bacharéis) no sentido de lhes assegurar o exercício profissional, e também é legitimamente oposto pela advocacia, que vê no Exame uma salvaguarda para a população e para a profissão em si.

Infelizmente, até agora, o tema não foi objeto de estudos e muito menos tem sido debatido com um grau razoável de profundidade pela sociedade. Acabou virando um espécie de tiroteio, onde as balas são disparadas para todos os lados, tentando atingir qualquer coisa e qualquer alvo.

Não se faz boa política assim.