Terça, 26 de abril de 2011
Recebi ontem o seguinte e-mail:
""Maurício boa tarde,
Me formei a um ano e meio. O primeiro certame que realizei com o intuito de ingressar no quadro da OAB foi o tão conturbado 2010.2, o qual fui reprovado na 2ª fase de Direito do Trabalho.
Meu 2º certame foi o atual 2010.3 que nem preciso falar como anda. Este fui reprovado logo na primeira fase onde fiz 47 pontos. Confesso que neste não estudei muito já que eu vinha estudando desde o anterior e também porque não lidei muito bem com o meu fracasso no exame anterior.
Tenho acompanhado religiosamente seu blog e tenho a mais completa convicção de que o exame da ordem só tende a piorar. O pensamento que tem permeado minha vida nos útimos meses após a minha reprovação é: Devo largar o meu trabalho para ficar apenas estudando para a OAB?
Penso nisto a todo instante, pois não tenho ninguém que dependa de mim e minhas contas estão em dia tendo em vista eu nunca ter gostado de comprar a longo prazo.
Eu amo o Direito, principalmente o Direito do Trabalho e meu sonho sempre foi advogar nesta área. Já tenho inclusive dois escritórios para trabalhar, mas sempre esbarro naquela frase: "quando vc tiver a carteira é só me procurar". Esse é o problema eu não tenho a carteira.
Para mim a única forma de passar neste exame agora seria largar o meu emprego, mas não sei se devo fazer isso. Peço pelo amor de Deus que o senhor me aconselhe.
Eu trabalho mais de 10 horas por dia, saio de casa as seis da manhã e só retorno lá pelas 21:00hs tendo em vista o trânsito da cidade do Rio que está caótico. Até tomar um banho jantar e começar a estudar já são 22:00hs e estudo até as 13:00hs para levantar as 5 no dia seguinte.
Estou desesperado, já estou com 27 anos e só tenho duas sensações: de que o tempo está passando e não tenho absolutamente nada em minha vida. Outra é a tristeza e a frustração de não poder exercer a profissão a qual sempre sonhei.
Não sou contra o exame da ordem, mas o mesmo se tornou um instrumento usurpador e covarde dos sonhos das pessoas.
Eu tinha uma professora na faculdade que sempre dizia: "Tenham coragem! É difícil, mas vocês verão que após o término da faculdade terá valido a pena". Até o momento não vi a recompensa do meu esforço.
Desculpe o desabafo, mas gostaria de uma ajuda.
Abraço.""
Dizem que aconselhar é uma tarefa ingrata, pois se o conselho for errado, a culpa é de quem aconselha e não de quem faz a escolha.
Vamos tentar ajudar.
Trocar o emprego pelos estudos nunca é para ninguém uma opção fácil, e nem mesmo óbvia.
Eu me lembro que já fiz essa opção na minha vida, e suportar as consequências não foi fácil.
Eu era bancário concursado e, no meio da faculdade, percebi que se não pudesse treinar o que estava estudando não aprenderia nada. Resolvi então pedir demissão e trocar meu emprego por dois estágios: um no Tribunal Superior do Trabalho e outro no Ministério Público do Distrito Federal.
A consequência dessa escolha, de imediato, foi uma drástica redução na minha receita e muitos meses de aborrecimento com meus pais, que me criticaram duramente por ter feito tal escolha. Para eles, um emprego certo na mão era algo muito melhor e seguro.
Mas ao longo prazo, poder elaborar minutas de recursos de revista e agravos de instrumento no TST, sob a supervisão de uma analista, e poder analisar processos, inquéritos políciais, além de denúncias e recursos na esfera penal, também sob a supervisão de uma promotora de justiça, me ajudaram imensamente a desenvolver o raciocínio jurídico e compreender bem a dinâmica de um processo.
Hoje, analisando em perspectiva, essa escolha se mostrou acertada.
Mas isso não serve exatamente de parâmetro, pois nem sempre uma escolha dessa natureza conduz ao resultado desejado. Poderia ter dado errado também!
E por que poderia? Por que o FUTURO é marcado, principalmente, pelo traço da imprevisibilidade.
Largar o emprego para estudar implica em apostar em uma meta possível, mas não certa.
Ou seja: a margem de imprevisibilidade é grande e gera dúvidas.
Claro que não somos robôs e em maior ou menor grau estamos sujeitos a assumir riscos e fazermos apostas. E isso é próprio da dinâmica da vida. O máximo que podemos fazer é ponderar sobre as possibilidades e tomarmos decisões mais ou menos arriscadas em função da nossa compreensão das variáveis envolvidas.
Ou seja: é preciso planejar!
E nada como responder perguntas pertinentes para ajudar no planejamento, como por exemplo saber se o dinheiro, após pedir demissão, vai fazer muita falta, ou se é possível conseguir trabalho que ocupe menos tempo para mitigar a perda de receita, ou se existe a perspectiva de um outro emprego após a aprovação.
Ademais, é de se ponderar se o esforço para se conseguir a aprovação realmente foi grande o suficiente. Uma colocação que me chamou a atenção foi a seguinte: "Confesso que neste não estudei muito já que eu vinha estudando desde o anterior e também porque não lidei muito bem com o meu fracasso no exame anterior."
Se o esforço para estudar não foi grande, além de aparentemente o fator emocional ter atrapalhado, o resultado só poderia ser a reprovação.
Será que com mais esforço e uma motivação mais adequada o candidato não conseque o sucesso mantendo o emprego?
Essa é uma avaliação personalíssima...
Por outro lado, o atual emprego aparentemente não é o emprego dos sonhos. Afinal se estuda o Direito para se mudar de perspectiva profissional.
De repente, abandonar o emprego e estudar para o Exame de Ordem é uma opção, desde que o Exame de Ordem não seja visto como um fim em si, e sim como uma etapa para um projeto de prazo maior.
Afinal, após passar no Exame, que efetivamente é só uma etapa, o que você vai fazer?
Advogar para um escritório? Abrir seu próprio escritório? Estudar para concursos?
Advogar para os outros na atual conjuntura é algo complicado, pois os salários quase sempre não são compensadores (mas há exceções); abrir seu próprio escritório parece ser algo excelente, mas além de saber advogar, é preciso ter uma boa teia social, visão de mercado e competências gerenciais, e nem todos têm isso (mas há exceções); estudar para concursos é sempre uma oportunidade, mas passar hoje é um desafio grande, além de demandar, com certeza, paciência, esforço e planejamento de longo prazo, mas...é um sonho possível.
Como diria o agente Smith, do filme Matrix (momento nerd meu...), os fatos são regidos por causas e consequências.
A grande questão está em saber se as consequências são suportáveis.
Como eu escrevi acima, o Exame de Ordem é apenas uma etapa de transição.
Mas tem se tornado tão difícil que muitas vezes é visto como um fim sem si, uma grande vitória na vida. Pode até ser, mas após a aprovação inevitavelmente o novo advogado percebe com mais clareza a natureza real dos desafios, e redimensiona o seu sucesso.
O desafio de verdade vem depois da aprovação.
Eu acho interessante imaginar como estarei daqui a um, dois e cinco anos no futuro. Falo aqui de um imaginar pragmático; nada de sonhar com loiras lindas dentro de uma Ferrari, e sim um futuro que seja um desdobramento natural de suas escolhas partindo do seu presente real. Tal reflexão precisa ser pragmática, realista e considerar também hipotéticos reveses e necessários caminhos alternativos.
Não é algo fácil ou rápido de ser imaginado.
Essa projeção, por certo, ajuda na escolha.
Mas lembre-se: o Exame de Ordem NÃO é um fim em si mesmo.
É só uma etapa.
E a escolha? Essa é sua, só sua.