V Exame de Ordem: Correção da prova subjetiva de Direito Penal gerou quebra da Isonomia entre os candidatos

Segunda, 16 de janeiro de 2012

Muitos candidatos reprovados na prova subjetiva do V Exame de Ordem Unificado reclamaram que alguns candidatos receberam nota em pontos onde os demais não conseguiram, EM QUE PESE o uso da mesma linha argumentativa.

Colhi relatos de ocorrências desse tipo em provas de Direito do Trabalho e Penal.

Quanto ao Direito do Trabalho, não consegui levantar nenhum documento ou evidência, não sendo possível tecer maiores ilações.

Em relação a prova de Direito Penal, a candidata beneficiada, em que pese infelizmente não ter logrado aprovação, autorizou-me a publicar sua prova e espelho para demonstrar a discrepância entre sua correção e a dos demais candidatos.

O problema é simples: na questão 4 o espelho oficial e o padrão de resposta apontam como resposta correta, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo, o recurso cabível seria a Apelação, de acordo com o artigo 82 da Lei 9099/95.

Vejamos o enunciado da questão e o padrão de resposta:

Padrão de resposta:

A controvérsia aqui orbita na ambiguidade do enunciado da questão. Seria um dano simples ou um dano qualificado? Vejamos o que os professores Geovame Moraes a Ana Cristina escreveram sobre a questão no MODELO DE RECURSO elaborado para os candidatos:

""A banca examinadora adotou a corrente de Nelson Hungria, no sentido de que ?o motivo egoístico não é o que se liga à satisfação de qualquer sentimento pessoal, mas é o desejo ou expectativa de um ulterior proveito pessoal indireto, seja econômico ou moral?.

Todavia, Guilherme de Souza Nucci explica que ?o dano qualificado pelo motivo egoístico é um particular motivo torpe. Quem danifica patrimônio alheio somente para satisfazer um capricho ou incentivar um desejo de vingança ou ódio pela vítima deve responder mais gravemente pelo que fez. A motivação egoística liga-se exclusivamente ao excessivo amor-próprio do agente, ainda que ele não possua interesse econômico envolvido?.

Sendo assim, resta claro que o candidato que estudou por Guilherme de Souza Nucci respondeu a assertiva como sendo dano qualificado, já que não havia uma explicação mais elaborada na questão.

Diante do exposto, não pode requerer a banca examinadora que o candidato tome por base um ou outro doutrinador, já que a própria doutrina diverge no assunto, requerendo, nesse caso, a aceitação também do recurso em sentido estrito, considerando o dano como qualificado.""

Aqui faço uma consideração.

O recurso previsto no edital permitia aos candidatos combaterem a tese da banca. Após a divulgação do resultado final, eventual ação na Justiça Federal contra um entendimento DOUTRINÁRIO da banca muito fatalmente encontrará somente o fracasso. Vejamos o posicionamento quanto a este ponto em específico:

""MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. OAB. EXAME DE ORDEM. CORREÇÃO DA PROVA PRÁTICO - PROFISSIONAL. REAVALIAÇÃO DA PEÇA PROCESSUAL E DE QUESTÕES PRÁTICAS. ALCANCE DA APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO.

- As disposições editalícias inserem-se no âmbito do poder discricionário da Administração, o qual não está, porém, isento de apreciação pelo Poder Judiciário, se comprovada ilegalidade ou inconstitucionalidade nos juízos de oportunidade e conveniência.

- Ao Poder Judiciário é permitido proceder à verificação da legalidade e constitucionalidade do processamento de concurso público, seu aspecto formal, sua vinculação ao Edital, sendo-lhe, no entanto, vedada a verificação de critérios subjetivos de avaliação dos candidatos, em respeito ao princípio da independência dos Poderes, inserto no art. 2° da Constituição Federal.

- É defeso ao Judiciário intervir no exame de mérito de questões relativas a concurso, não podendo este Poder avaliar os critérios de elaboração e correção de provas, razão por que não cabe, no caso, a apreciação da correção da peça processual e das questões práticas da segunda etapa do Exame de Ordem a que se submeteu o apelante, justificando-se a intervenção do Judiciário apenas em hipóteses de ilegalidade no procedimento administrativo do concurso, de descumprimento do teor do Edital e de tratamento não isonômico aos candidatos. Somente em situações excepcionalíssimos, poderia o Judiciário anular questões de concurso, se comprovado flagrante erro material ou incluída matéria não constante do programa de disciplinas arroladas no respectivo Edital.

(TRF2, AMS 200550010116284, Sexta Turma, Relator Fernando Marques, DJU de 15/01/2007, p. 169)""

O aresto acima representa a síntese da jurisprudência dominante quanto ao tema.

Por outro lado, no caso em tela, a banca atribuiu nota de forma DISTINTA entre candidatos que apresentaram respostas IGUAIS.

Aqui nós estamos falando de quebra do Princípio da Isonomia.

Vejam a resposta dada pela candidata em sua questão 4 da prova de Penal:

Confiram agora o espelho da prova da examinanda Íria Cordeiro:

O espelho requer uma apelação como resposta, mas a candidata apresentou um RESE, e mesmo assim recebeu a correlata pontuação. Ou seja, seu recurso foi PROVIDO.

Eis o ponto: se o recurso dela foi provido quanto ao item, os dos demais candidatos também deveriam ter sido!

Aqui fica caracterizada a quebra da Isonomia balizadora dos processos seletivos sob a tutela do Poder Público.

Celso Antônio Bandeira de Mello estabeleceu critérios para a identificação do desrespeito à isonomia. Para ele, a discriminação só é legítima em face de três elementos:

a) existência de diferenças nas situações de fato a serem reguladas, pelo Direito;

b) adequação (correspondência) entre o tratamento discriminatório e as diferenças entre as situações de fato;

c) adequação (correspondência) entre os fins objetivados pela descriminação e os valores jurídicos consagrados pelo ordenamento jurídico.

Dessa forma, deverá ser invalidada a discriminação que ? criada pela própria lei ou ato administrativo (no caso, a correção da prova) ? não reflita uma diferença real no mundo. O Direito, nesse aspecto, apenas retrata a diferença efetivamente existente, com vista a minimizá-la.

Analisando o contexto do V Exame, resta patente a inexistência de nenhum dos elementos capazes de justificar o tratamento não-isonômico emprestado pela FGV na correção da prova da candidata-paradigma em relação a todos os candidatos cujos recursos não lograram sucesso especificamente em relação a questão em tela.

Todos ofertaram como resposta ao problema o recurso em sentido estrito têm o Direito à nota obtida pela candidata beneficiada em sua correção.

Importantíssimo consignar que a candidata, apesar de terem apresentado resposta diversa da exigida pelo espelho (RESE), resposta essa possível face ao comando da questão, logrou receber a pontuação. Repito! Isso só foi possível se o recurso dela foi provido.

Muito bem...

Aqui batemos mais uma vez na tecla da qualidade do Exame de Ordem.

A prova PODE ser difícil. Isso não se questiona.

O ponto é assegurar aos candidatos um enunciado intelectível, claro, apto a demandar os conhecimentos sem gerar repercussões como as ocorridas no V Exame.

Dificuldade não é sinônimo de obscuridade. A redação foi pensada para confundir e, mais do que isso, concebida de tal forma que admitia DUAS soluções jurídicas distintas. Algo possível em uma ciência não exata como o Direito.

Uma reprovação sob estas circunstâncias representa uma violação aos estudos e à capacidade dos candidatos.

A reprovação tem de ser justa, assim como a aprovação.

Só isso...

P.S. (12:03h) - Conversei agorinha com a candidata e ela fez uma correção em relação ao postado aqui. Ela NÃO recorreu da questão nº 4, porquanto a nota foi dada já na primeira correção. Ou seja, ela recebeu os pontos da questão 4 sem mesmo precisar recorrer. Como eu não sabia desse detalhe, escrevi supondo que o recurso havia sido provido. Corrijo agora a informação para situá-los melhor do contexto.

P.S. 2 - Uma ou outra pessoa argumentou que o espelho de prova seria de uma pessoa e a prova de outra. Prova e espelho são da mesma pessoa e eu conferi isso diretamente no site da FGV. A informação passada no post é correta e foi conferida.

P.S.3 - O material usado neste post, incluindo o espelho e a prova podem ser encontrados na nossa comunidade no Facebook - Grupo de estudos para a OAB