Tivemos mesmo um caso de transfobia no Exame de Ordem?

Quarta, 13 de abril de 2016

Acabei de ler uma matéria no site Catraca Livre sobre a ocorrência de um caso de transfobia no Exame de Ordem, mas específicamente ligada a questão do advogado que foi procurado por uma travesti.

Ativistas acusam exame da OAB de transfobia por tratar travesti no masculino

E o ponto está exatamente no uso do gênero, pois o personagem do enunciado, Joana, foi tratada o tempo todo no enunciado como "ele", quando o correto seria o tratamento ter sido feito no feminino, pois é com esse gênero que Joanan se identifica e se apresenta socialmente.

Aliás, o que é transfobia mesmo? Achei uma definição bem completa na Wikipédia:

A transfobia é a discriminação relativa às pessoas transexuais e transgêneros. Seja intencional ou não, a transfobia pode causar severas consequências para quem por ela é assim discriminado. Os ditos transsexuais também podem ser alvo da homofobia, tal como homossexuais podem ser alvo de transfobia, por parte de pessoas que incorretamente não distinguem identidade de género de orientação sexual.

Como outras formas de discriminação, o comportamento discriminatório ou intolerante pode ser direto (desde formas fisicamente violentas até recusas em comunicar com a pessoa em causa) ou indireto (como recusar-se a garantir que pessoas transsexuais sejam tratadas da mesma forma que as pessoas cissexuais).

A transfobia pode também ser definida como aversão sem controle, repugnância, ódio, preconceito de algumas pessoas ou grupos contra pessoas e grupos com identidades de gênero travestis, transgêneros, transexuais, também denominados população trans.Historicamente, há uma sobreposição dos papéis socialmente construídos para homens e mulheres às anatomias genitais tradicionalmente entendidas como feminina (vagina) ou masculina (pênis). Essa sobreposição leva ao entendimento da categoria sexo como algo universal (todos os seres vivos teriam sexo), binário (macho e fêmea) e globalizante das identidades e papéis sociais. Assim, pessoas e grupos trans vivenciam vários níveis de discriminação, o que incorre em sofrimento e negação de direitos.

Fonte: Wikipédia

Sim, a questão foi elaborada de forma equivocada.

Mas a OAB teria sido transfóbica?

Não tenho procuração da Ordem para defendê-la, mas sinceramente o papel da OAB na sociedade nas questões de gênero e de defesa das minorias dizem o oposto. É importante tornar claros alguns pontos para podermos refletir com calma sobre essa questão:

1 - A OAB não elabora as questões do Exame de Ordem. Nenhum dirigente da OAB sabe como é a prova até ela ter sido aplicada. Somente a FGV elabora as questões, e isso por uma questão da mais estrita segurança do processo de aplicação do Exame de Ordem. A prova da OAB é muito visada por fraudadores. Ou seja: nenhum dirigente da OAB tinha ciência desta questão antes de sua aplicação. Ademais, duvido que alguém da FGV tenha percebido esse lapso, pois a Fundação é uma empresa muito respeitada e não iria jamais cometer esse erro de propósito;

2 - A questão versa EXATAMENTE sobre direito das minoria, e está na prova por determinação da Ordem, pois se trata de uma pauta da entidade. Pior seria se a OAB passasse ao largo do tema, ignorando-o, o que seria uma forma de escantear o debate. Ao contrário, a Ordem chama o tema à luz e provoca uma reflexão sobre ele por parte dos examinandos, os futuros advogados;

3 - No XVII Exame de Ordem a OAB inovou e passou a aceitar os candidatos em razão da identidade de gênero, respeitando a escolha dos candidatos. Inclusive isso foi objeto de um elogio do Blog Exame de Ordem à OAB:

caso de transfobia no Exame de Ordem

Eis uma novidade surpreendente no edital do XVII Exame de Ordem: A OAB passou a aceitar as pessoas por sua identidade de gênero!

A novidade está no item 2.4.7 do edital. Confiram:

caso de transfobia no Exame de Ordem

Muito bonita essa inovação da OAB, pois ela garante um direito fundamental, e muito caro, a uma minoria sempre alvo de discriminação na sociedade pelo simples fato de serem quem são: o direito ao exercício de sua própria identidade perante a sociedade.

Eu arrisco a dizer que se trata, verdadeiramente, de uma inovação HISTÓRICA, em especial por estarmos vivendo uma época de um conservadorismo visceral, desnecessário e na mais absoluta contramão do que vem ocorrendo no mundo civilizado.

Vejo isto também como o estabelecimento de um marco ideológico da Ordem diante dessas forças no Congresso, o mais conservador dos últimos tempos.

Belíssimo ponto para a OAB e sua diretoria, encabeçada pelo presidente Marcus Vinicius Furtado Coelho.

Importante para os candidatos que vão requerer o uso do nome social que leiam as regras  e procedimentos descritos no item 2.4.7.1. e seguintes.

Edital do XVII Exame de Ordem

Mais uma vez, parabéns para a OAB!

Fonte: Edital do XVII Exame de Ordem vem com uma inovação HISTÓRICA: Examinandos travestis ou transexuais poderão usar seus nomes sociais!

4 - No último Exame, o XVIII, uma advogada, usando seu nome social, teve seu registro regularmente processado pela OAB/PE, o que tamb´me foi notícia aqui no Blog Exame de Ordem:

Transexual é aprovada com seu nome social no XVIII Exame de Ordem

Sim, houve uma falha na questão! Aliás, temos muitas falhas na prova, incluindo aí 4 questões que poderiam perfeitamente ser anuladas por terem falhas de concepção.

XIX Exame de Ordem: recursos para questões de Ética e Empresarial

XIX Exame de Ordem: recurso para a questão do contrato de mútuo (Civil)

XIX Exame de Ordem: recurso para a questão da execução fundada em um cheque (Processo Civil)

Mas, seguramente, a OAB não vai mais falhar na hora de abordar questões que envolvam gênero. É necessário reconhecer o papel da entidade como defensora dos direitos humanos, incluindo aí os direitos das minorias.

Tachar a OAB de transfóbica não condiz com a atuação histórica da entidadee muito menos com o pensamento de seus dirigentes.