Quinta, 27 de julho de 2017
Lembro-me, quando fiz meu Exame de Ordem, que estudei pelos resumos do Maximilianus Cláudio Américo Fuher para poder me preparar.
Esses eram, na época, os melhores resumos do mercado. Linguagem muito objetiva e didática.
Evidentemente, livros com uma densidade jurídica bem baixa.
Mesmo assim, sendo o que eram, garantiram a minha aprovação na 1ª fase da OAB.
Ou seja: para o propósito a que se destinava a coleção de resumos dele FUNCIONAVA.
Ponto para o autor, cuja proposta de trabalho atingiu seu objetivo, garantindo a aprovação deste que vos escreve. Comprei a coleção e o investimento deu o retorno que eu esperava.
Aliás, tenho os livros até hoje:
Acabei de tomar ciência da existência de um vídeo da professora Licínia Rossi, de um outro curso preparatório para a OAB, em que ela faz uma analogia entre emendas constitucionais e a implantação de próteses de silicone em mulheres.
As próteses, na explicação, seriam as emendas constitucionais, que, uma vez implantadas, alterariam os seios originais da mulher, mudando-lhe o formato. O corpo, portanto, seria a Constituição (alterada) pelas emendas (o silicone).
O vídeo, aparentemente, foi publicado pela própria professora em seu perfil no Instagram como um exemplo para seus alunos.
Aparentemente o vídeo foi copiado e replicado no Whatsapp, gerando muitas críticas pela forma como a professora teria dado o exemplo. Vi também que críticas foram feitas por escrito, inclusive no conhecido site jurídico Conjur.
Entre as muitas críticas vi o deboche e o escárnio, a zombaria pela metodologia adotada e uma tentativa de diminuir a profissional, como se o ensino jurídico só admitisse ser ministrado em uma altíssima densidade, com profundo academicismo.
Pois deixem-me dizer algumas verdades.
Repito: verdades!
O Brasil chegou a marca de 1 milhão de advogados em 18 de novembro de 2016. Eu mesmo dei a notícia em primeira mão aqui no Blog:
Brasil atinge oficialmente a marca de 1 milhão de advogados
Como se não bastasse isso, o curso de Direito é o mais procurado pelos estudantes do ensino médio:
Curso de Direito é o preferido entre estudantes do ensino médio
Direito concentra o maior número de estudantes universitários do Brasil
A obtenção da 1ª colocação é o resultado natural de mais de 2 décadas de expansão irrefreada dos cursos de Direito. Em algum momento isso iria refletir quantitativamente nas estatísticas e colocar o Direito como maior curso do Brasil.
Assim evoluiu a gradação do número de instituições no país:
E não vai parar aí!
Dentro de 2 meses virá a mudança no marco do ensino jurídico, e o número de alunos do curso de Direito vai crescer ainda mais:
Vem aí a graduação em Direito 100% EAD
Novas diretrizes curriculares do curso de Direito: confiram a integra do documento
Audiência sobre o novo marco do ensino jurídico foi (quase) inútil
Análise pontual da proposta para as novas diretrizes do curso de Direito
Aqui uma especulação, até porque não existem dados oficiais quanto ao tema: devem existir hoje algo entre 500 mil a 1 milhão de bacharéis em Direito no país, pessoas que ainda não conseguiram passar no Exame de Ordem.
Existem projeção que jogam esse número para mais de 1 milhão e meio de pessoas, mas quanto a isto não é possível estabelecer afirmações categóricas.
Faço agora uma pergunta: vocês realmente acham que essa multidão de pessoas compreende e aprende o Direito em um mesmo patamar de intelecção?
Não, meus amigos, as pessoas não aprendem com a mesma capacidade:
O descalabro no ensino superior: 38% dos universitários não sabem ler e escrever plenamente
Pesquisador conclui que mais de 50% dos universitários são analfabetos funcionais
Estudantes de Direito têm deficiências do ensino básico
A "geração do diploma perdido", ou, como o Brasil fabrica profissionais que não sabem trabalhar
Querem culpados? Todos os governos anteriores, desde 1994. Todos eles permitiram a implantação de políticas públicas no país privilegiando o capital especulativo na educação ao invés de um ensino de qualidade.
Estamos crescendo em número de alunos mas decaindo cada vez mais em termos de qualidade. Os professores de faculdades particulares, em especial, sabem bem disto.
Esta é a realidade.
Agora pergunto: fazemos o que com essa multidão de estudantes que buscam cursos preparatórios para conseguirem a aprovação no Exame de Ordem?
Excluímos aqueles que vêm de instituições que não aprovam nem 15 % de seus egressos no Exame de Ordem, ou seja, a ESMAGADORA maioria?
Não, não minto! A maioria das faculdades de Direito no Brasil apresentam resultados MEDÍOCRES no Exame da OAB. Confiram com seus próprios olhos:
Desempenho das faculdades de Direito no XXI Exame de Ordem
Fazemos o que com esses estudantes e bacharéis? Negamos o acesso ao universo jurídico a eles e pronto? Está solucionado o problema da qualidade dos operadores do Direito no Brasil?
A OAB tem lutado sozinha para evitar a proliferação de cursos, mas ela está perdendo a briga. Ainda neste ano virão novas regras, e teremos uma nova expansão na quantidade de universitários.
Fazemos o que então?
Aqui retorno para a professora.
Ela sabe, como eu também sei, que existem MUITOS estudantes com dificuldades de assimilação do conteúdo jurídico. Não impressiona, pois muitos destes também têm dificuldades até mesmo de ler e escrever.
Curiosamente, o sistema os premiou com um diploma.
A culpa disto é de quem? Dela?
O exemplo do silicone, gostem ou não, é de fácil assimilação.
É um exemplo adequado para um universo de candidatos que têm um objetivo específico em vista: a aprovação no Exame de Ordem.
Onde está escrito, indo além disto, que a compreensão e assimilação de conceitos deve ser feita de forma integral e imediata? Por que um estudante do Direito não pode começar assimilando conceitos em uma determinada gradação e, posteriormente, aprofundar sua compreensão e conhecimentos sobre o que estudou de forma mais rasa anteriormente?
Quem disse que os estudos começam e terminam no Exame de Ordem?
Se um professor de "cursinho" não é didático e claro, ele simplesmente não consegue ter alunos. O mercado dos estudantes para o Exame de Ordem elimina ele do jogo.
Lembrando que este mercado existe porque, obviamente, existe uma demanda, e não o contrário. Com a graduação em FRANGALHOS (não toda, é claro), esses estudantes precisam dos cursos para enfrentar uma prova que é, em sua essência, dogmática.
Onde está o problema? Nos cursinhos ou na graduação?
A questão, claro, é muito complexa, e os problemas estão espalhados por todo o sistema. Não é de simples identificação e muito menos será fácil de resolver.
Aliás, há muito já me convenci que o problema é insolúvel, e pelo o que estou vendo, vai piorar muito.
A professora Licínia, assim como outros professores, conhece da realidade dos alunos e CONVERSA com eles para ser entendida, cumprindo assim com seu objetivo.
Não gostaram do exemplo? Paciência! Mas saibam que grande parte do mercado não só gostou como PRECISA desse tipo de abordagem para poder não só aprender como também para evoluir em termos de aprendizado.
Nem ela e nem os cursos criaram essa realidade, e ela, e os cursos também, se posicionam em função do que existe.
Dica a quem couber: desçam do topo do monte Olimpo, onde vocês se encastelaram, e venham pisar na planície da realidade, onde os mortais transitam. Vai lhes fazer bem.