Site cria polêmica ao afirmar que "se bacharel em Direito soubesse alguma coisa, teria virado advogado!"

Segunda, 4 de maio de 2015

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Na noite de ontem recebi uma "consulta" sobre um texto inusitado e provocativo que foi recentemente publicado com o  título de "Se bacharel em Direito soubesse alguma coisa, teria virado advogado!"

O autor do texto, auto-intitulado "Doutor Coxinha", não pensou duas vezes na hora de ser sarcástico com os bacharéis. Vejam algumas tiradas dele:

"...aqueles estudantes que faltavam às aulas para ir aos bares, aqueles que iam para a aula como se fossem para uma praia, usando shorts, bonés e chinelo de dedos, que passavam mais tempo fazendo piadinhas e conversando ao invés de prestar atenção na aula, bem como aqueles que sempre reclamavam das perguntas dos colegas no final das aulas, sofrem muito com o exame."

"Estas pessoas que não passam na OAB ficam no que eu costumo chamar de ?limbo profissional?, pois os bacharéis nada podem fazer a não ser procurar empregos como vendedores, garçons, auxiliares de escritório e coisas do tipo, essas profissões que não exigem curso superior ou especialização."

"Os seres que não conseguem acertar metade das questões de uma prova que até um chimpanzé domesticado conseguiria, se enchem de certezas e saem por aí disparando seus conhecimentos pouco confiáveis como se ministros do supremo fossem."

"Mas de todo modo, não pensem que eu não valorizo os bacharéis em Direito, eu os respeito muito, tanto é que eu possuo três empregados que são formados em direito mas que não conseguiram passar na OAB até hoje. Um limpa a piscina da minha casa, uma serve o café e limpa as mesas aqui do escritório e o outro dirige o meu carro importado!"

Fonte: Doutor Coxinha

A pessoa que fez a consulta estava indignada e queria processar o site.

Eu não vejo muito como processá-lo, pois objetivamente falando nenhuma pessoa foi diretamente atacada em sua honra, afora o fato de que se trata de uma postagem com contornos humorísticos e nítido exagero e deboche.

De toda forma, a texto revela uma visão preconceituosa existente contra quem não passa na OAB. Existem conceitos no meio jurídico, com nítido caráter discriminatório, de gente que estigmatiza quem não passa na OAB:

"A prova não é difícil, é só estudar"

"Por que ao invés de reclamar não estudam?"

"Querem fazer cursinho a acham que vão passar, mas nem estudaram na faculdade!"

"Bastava sacrificar os finais de semana, sem se jogar na cachaça, que passariam na prova..."

Meras frases prontas decorrentes de uma visão verdadeiramente estigmatizadora.

Muitos ignoram a a atual realidade do Exame de Ordem e não sabem, de fato, como a prova se tornou um obstáculo difícil.

Quem faz o Exame fica sobre uma pressão imensa, vinda de todos os lados, pois a aprovação na cabeça de muitos é corolário lógico de quem é inteligente ou estuda muito.

Mas isso não é verdade....

O grande problema decorre de uma visão fundamentalista: se estuda e sabe, passa, se não passa, é burro, despreparado ou qualquer outra coisa semelhante.

As pessoas ignoram que não existe uma única causa responsável pela reprovação no Exame de Ordem! Mas como o ser humano tem a mania de criar rótulos para simplificar o que não entende ou entende pouco, é preferível desenvolver uma explicação simples para justificar o que vê.

É mais fácil achar que os outros não são capazes do que entender razões e complexidades por detrás de uma reprovação.

Existem bacharéis em Direito que são analfabetos funcionais? EXISTEM SIM!! Existem e eu comprovei isso pessoalmente ao analisar provas subjetivas de candidatos reprovados. Candidatos que não compreendem um problema e não conseguem colocar no papel uma ideia com começo, meio e fim.

O ensino jurídico fraco ajuda a reprovar? Com certeza! Talvez inclusive seja a causa preponderante de reprovações! Mais preocupante ainda é que a grande maioria dessas faculdades aplicam vestibulares risíveis e NÃO REPROVAM nenhum acadêmico. Aliás, hoje, tentem reprovar um universitário para ver o que acontece. Estudante hoje (sem generalizar, claro!) é CONSUMIDOR e não ALUNO. Não se reprova consumidores! O estelionato educacional não é uma figura retórica: é uma realidade!

Há candidatos que levam a faculdade nas coxas? Com certeza! Muitos travam com sua instituição um verdadeiro pacto de mediocridade: "eu finjo que ensino, você finge que aprende, e no final do curso eu te dou um diploma". No Exame de Ordem a grande maioria das faculdades não conseguem aprovar nem 5% (cinco porcento) de seus egressos.

Por outro lado, MUITOS, MUITOS, MUITOS alunos interessados e estudiosos têm somente como paradigma de aprendizagem a sua faculdade medíocre, pagam por isso achando que estão aprendendo e ao fim de tudo descobrem que foram ludibriados porque o sistema (o Exame) lhes revela finalmente a verdade: sua faculdade não valia nada!! São VÍTIMAS dessas faculdades e da precariedade da fiscalização do MEC.

A OAB e a FGV cometem injustiças com os candidatos? Eu acompanho de perto o Exame de Ordem desde a prova 2007.3 e não me lembro de NENHUM Exame que uma injustiça ou um critério de correção equivocado não tenha derrubado quem merecia passar. Mais do que isso, me lembro de MUITOS Exames cujas provas foram pensadas com o fito de derrubar de forma ostensiva os candidatos.

Quem não lembra dos vários problemas ocorridos nas últimas edições do Exame? Critérios de correção errôneos, falta de atribuição de pontos, provas extensas e desproporcionais, repetição de questões de provas anteriores, intervenções do MPF e mais um longo et cetera marcaram praticamente todas as edições do Exame de Ordem desde o tempo do Cespe, e em especial a gestão da FGV.

No resto, podemos contabilizar os peguinhas do tempo do Cespe em todas as provas objetivas, ou os enunciados para lá de extensos agora concebidos pela FGV, para reprovar o maior número possível de inscritos, sem contar a média por Exame de 10 a 12 questões passíveis de anulação por conta de problemas em seus enunciados ou alternativas.

Existem candidatos preparados e estudiosos que sucumbem ao emocional? Aos MONTES! Essa certamente uma causa relevante a contribuir com muitas reprovações. Apesar da advocacia ser uma profissão que lida com antagonismos e enfrentamentos diários (de forma civilizada), onde a a timidez não pode ter espaço, quem está saindo da faculdade ainda está verde, independente da idade, para lidar com esse tipo de situação. É natural sentir a pressão.

Aliás, lidar com a pressão da família e da sociedade (colegas de emprego, amigos e conhecidos) já foi alvo de várias postagens minhas. E foi alvo porque isso é REAL, isso ATRAPALHA DE VERDADE muita gente. Não é lenda e não é frescura: a maioria dos candidatos sentem a pressão, e boa parte sucumbe diante dela.

A média de reprovação para quem faza prova pela 1ª vez é de 80%.

Existem pessoas inteligentes e capazes que simplesmente não conseguem se encaixar com a prova? Existe sim. Aliás, essa é uma das coisas mais curiosas em torno do Exame: gente inteligente, articulada, preparada que simplesmente não consegue passar. Como, se são inteligentes, articuladas etc e tal? Eu não sei, mas acontece! E falo com conhecimento empírico, por acompanhar ex-colegas de faculdade e pessoas cuja capacidade eu não duvido, além de Deus sabe quantos depoimentos de pessoas que recebi ao longo de 3 anos do Blog Exame de Ordem, já formadas, com mais um uma faculdade, articuladas, até mesmo adultos na maturidade e com grandes responsabilidades, as vezes até mesmo bem sucedidos na vida, que não passam na prova!!

Eu não saberia explicar, mas tem gente assim, e não são poucos!

Existem hoje, por baixo (estimativas da OAB), 2 milhões de bacharéis em Direto que não passaram na prova. Por que então não temos 2 milhões de inscritos no Exame? Não temos pois eles já desistiram de passar, foram vencidos após amargar várias reprovações.

PAGARAM para ter um diploma e sonhar com o exercício da advocacia, mas ao fim sucumbiram diante da realidade. É um exemplo muito perverso de concentração de riqueza: pagam 5 anos de faculdade, 5 anos de seu tempo, e ao fim só têm um canudo inútil na mão.

Isso é um problema social largamente ignorado.

É um verdadeiro escândalo! Escândalo silencioso, ignorado e, aparentemente, incapaz de comover a sociedade.

Infelizmente quem reprova tem de lidar com um processo de ESTIGMATIZAÇÃO.

Velado ou não, ele existe. E quanto mais um candidato reprova, pior fica.

A auto-estima vai sendo demolida prova após prova até o candidato desistir de vez.

E quem vê isso de fora as vezes se compadece, e as vezes tripudia.

Nenhum concurso público, nenhum processo seletivo aflige mais o espírito do que o Exame de Ordem. Nenhuma reprovação machuca mais.

A compreensão das razões das muitas reprovações passa necessariamente por uma simples observação: as causas de reprovação são multifatoriais e não se pode estigmatizar nenhum candidato por conta disso.

E, na verdade, culpar genericamente os reprovados parece-me um discurso justificador do sistema como um todo. Resumindo: a culpa é sua e não reclame! Isso é mais do que cruel, é perverso.

Cada reprovação tem atrás de si uma história diferente das demais.

E vocês, candidatos, que tenham reprovado ou não, precisam ter ciência disso exatamente para lidar com visões preconceituosas e equivocadas por aí existentes.

O Exame não é fácil de jeito nenhum e reprovar não é motivo de vergonha.