Quinta, 10 de outubro de 2013
Vocês já ouviram falar na figura do "contrabando legislativo"? Trata-se de um termo técnico-jurídico criado pelo jurista Michel Temer no caso da inclusão sub-reptícia de um assunto completamente desconexo a um determinado projeto de lei ou medida provisória com o fito de NÃO chamar a atenção e NÃO se estabelecer o DEBATE, conseguindo sua aprovação na surdina.
É simplesmente colocar qualquer assunto, por mais discrepante que seja com o projeto original, tentando introduzir uma nova normatização sem chamar a atenção.
Ontem o Plenário discutiu um destaque do PMDB à MP do Programa Mais Médicos (621/13) com o objetivo de acabar com o Exame que é requisito para o exercício da Advocacia. Pela emenda, bastaria para exercer a Advocacia o registro na OAB, concedido automaticamente depois da graduação em Direito.
Emenda do Deputado Eduardo Cunha
Vários líderes, durante a votação, contestaram o destaque. ?O colégio de líderes definiu que não conheceria emendas alheias ao tema de projeto. Ou mantemos essa regra, ou vamos votar com os penduricalhos?, destacou o líder do PDT, deputado André Figueiredo (CE).
O deputado Eduardo Cunha (RJ), disse que a MP do Mais Médicos trata de curso universitário e conselhos regionais, como é o caso da emenda proposta. Ele disse que a prova da ordem é ?caça-níquel? e proíbe bacharéis em Direito de exercer a profissão para a qual se prepararam. ?Estamos acabando com o registro de médico estrangeiro no conselho, e como pode um advogado que estudou cinco anos ter de fazer uma prova??, questionou.
Vamos ver o que a legislação fala sobre essa prática um tanto quando heterodoxa:
Resolução nº 1, de 2002, do Congresso Nacional:
Art. 4º Nos 6 (seis) primeiros dias que se seguirem à publicação da Medida Provisória no Diário Oficial da União, poderão a ela ser oferecidas emendas, que deverão ser protocolizadas na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal.
(...)
§ 4º É vedada a apresentação de emendas que versem sobre matéria estranha àquela tratada na Medida Provisória, cabendo ao Presidente da Comissão o seu indeferimento liminar.
O que diz a Lei Complementar nº 95, de 1998:
Art. 7º O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:
I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto; II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;
O próprio Congresso Nacional já se manifestou, internamente, sobre a impossibilidade de se admitir a figura do contrabando legislativo, tal como vocês podem ver na decisão da presidência a seguir: Decisão do Presidente de inadmitir emendas estranhas ao núcleo material das Medidas Provisórias.
Vejam também o posicionamento do STF quanto ao tema, na decisão proferida na ADI 3288, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 20.02.2011:
?(...) 3. O Poder Legislativo detém a competência de emendar TODO E QUALQUER PROJETO DE LEI, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém, duas limitações: A) A IMPOSSIBILIDADE DE O PARLAMENTO VEICULAR MATÉRIA ESTRANHA À VERSADA NO PROJETO DE LEI (REQUISITO DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF)?
Vale mencionar também a ADIn2350, Rel. Min. Maurício Correa, DJ de 30.04.2004, em cuja ementa lê-se a seguinte passagem:
?1. A Constituição Federal veda ao Poder Legislativo apenas a prerrogativa da formalização de emendas a projeto originário de Tribunal de Justiça, se delas resultar aumento de despesa pública, OBSERVADA AINDA A PERTINÊNCIA TEMÁTICA, a harmonia e a simetria à proposta inicial?
Cito também, ao fim, trecho do RE 134.278, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12.11.2004, onde se lê:
?A reserva de iniciativa a outro Poder não implica vedação de emenda de origem parlamentar DESDE QUE PERTINENTE À MATÉRIA DA PROPOSIÇÃO e não acarrete aumento de despesa: precedentes?.
Fica claro que a introdução de temas estranhos a um projeto de lei ou uma medida provisória violam o Devido Processo Legislativo Constitucional.
Muito bem!
Evidentemente que a pertinência temática precisa ser observada como CONDIÇÃO DE VALIDADE da norma.
Por isso os líderes partidários forram de forma esmagadora contra a votação da emenda apresentada por Eduardo Cunha, o único a votar favoravelmente. A mistura de temas tão distintos irritou uma série de parlamentares, e isso ficou nítido na transmissão da votação feita pela Agência Câmara.
Caso a emenda fosse aprovada, ela teria totais condições de ser suprimida pelo STF.
Ao final, o Plenário rejeitou, por 308 votos a 46 e 15 abstenções, a emenda "Jabuti" do deputado Eduardo Cunha.
Fui apurar como havia sido os bastidores, e pelo o que descobri, a assessoria legislativa da OAB empreendeu um forte trabalho na articulação da votação, contanto em especial, de forma conjunta, com o trabalhos dos deputados Arnaldo Faria de Sá - PTB/SP (presidente da Frente Parlamentar dos Advogados), Bruno Araújo, do PSDB/PE, Jerônimo Goergen, PP/RS e Fábio Trad, PMDB/MS, atual relator dos projetos de lei que tratam do tema na casa, e os demais líderes partidários.
Foi uma vitória acachapante da OAB, demonstrando a real necessidade da existência do Exame de Ordem.
Segundo o presidente da OAB, "foi uma vitória da cidadania brasileira, conquistada por meio do diálogo da OAB Nacional com o Congresso?.
O Dr. Marcus Vinícius reafirmou que ?a capacitação é indispensável para a adequada defesa do cidadão. Daí decorre a importância da manutenção do Exame de Ordem como critério de seleção dos que possuem o mínimo de conhecimento jurídico para bem orientar e defender os direitos e interesses dos cidadãos?.
?Não podemos condenar as pessoas, especialmente a população mais carente, a um profissional sem preparo suficiente para exercer o papel de garantidor da cidadania?, destacou Marcus Vinicius.
Minha impressão: essa tentativa açodada de terminar com o Exame de Ordem criou um clima muito ruim dentro da Câmara para as pretensões de Cunha. Muitas lideranças manifestaram-se favoráveis ao Exame de Ordem e, pelo visto, a visão sobre o tema na casa, ao menos a partir do ponto de vista das lideranças, é de forte reconhecimento do papel da OAB para a sociedade.
Politicamente falando, Eduardo Cunha arriscou e perdeu a votação, mas mais do que ter perdido a votação, perdeu também apoios a essa causa.
Ficou nítido, bem nítido, com a discrepância entre os temas, que a luta do Deputado contra o Exame de Ordem segue razões de ordem pessoal, particulares, e isso não é visto de forma simpática pela casa.
Com informações da e do site do CFOAB.