Resolvendo as questões mais complexas da 1ª fase da OAB

Quarta, 8 de julho de 2015

Resolvendo as questões mais complexas da 1ª fase da OAB 2

Na hora da prova da OAB vocês certamente irão se defrontar com algumas questões bem mais complicadas. Como encarar portanto a resolução de questões mais difíceis da prova da OAB?

O objetivo aqui não é mostrar um "caminhos das pedras" até a resposta correta, tal como foi feito nos dois posts abaixo:

Resolvendo questões da 1ª fase do Exame de Ordem sem saber NADA do conteúdo da disciplina

Como trabalhar a dificuldade de resolver as questões objetivas da OAB?

O propósito deste post não é o de demonstrar a busca pela resposta EXATA, e sim como lidar diante de questões mais complexas, refletindo sobre uma abordagem que vise maximizar a chance de acerto.

Para acertar mesmo é preciso que o candidato SAIBA o conteúdo. E isso só estudando.

Existe, para isso, algumas regras gerais de procedimento, e elas devem ser obedecidas, pois visam ajudar o candidato durante a realização da prova. Vamos a elas:

1 - Não se deve perder tempo com questões muito difíceis, ou que a dúvida entre uma ou outra resposta seja quase insuperável. As questões dessa natureza devem ser deixadas para o final. Isso tem bons motivos para ser sugerido:

a) evita a perda de tempo enquanto o candidato tem todo um resto de prova para lidar;

b) evita também prejuízos de ordem emocional. Foco no que interessa (vou abordar especificamente este ponto amanhã)

2 - Um círculo deve ser feito em torno das seguintes palavras: correta, incorreta, certa, certos, errada, sim e não. Tais termos determinam muitas vezes o sentido da resposta e não raro o candidato se confunde com o sentido da própria resposta exigida, o que inexoravelmente o conduzirá ao erro.

Essa questão do correto e do incorreto é muito importante para vocês. Prestem realmente atenção neste ponto!!

3 - Os termos generalizadores ?sempre?, ?jamais? e ?nunca? quase sempre estão associados com assertivas cujos enunciados estão errados. Generalizações no Direito são perigosas e no Exame de Ordem quase sempre pontuam assertivas errôneas.

Isso eu observo desde ANTES, bem antes do processo de unificação, em provas do tempos das seccionais (antes de 2006) e é algo que está entranhado não só no Exame de Ordem como também em provas de alguns concursos. Essa dica é muito eficaz! Não é uma regra absoluta, mas raramente o candidato erra quando percebe uma generalização.

Vamos então olhar algumas questões, pretensamente complexas, e tentarmos encontrar o caminho para a resposta adequada. A primeira é de Direito Administrativo do Exame 2010.2 (FGV):

Resolvendo as questões mais complexas da 1ª fase da OAB 3

Do enunciado, antes mesmo de olharmos as alternativas, podemos tirar duas informações relevantes:

1 - Os vinte primeiros candidatos são DESVIADOS de suas funções e passam a exercer os cargos de delegados;

2 - Após o decurso de 4 anos postulam a efetivação no cargo.

Observação: a questão exige que seja encontrada a alternativa CORRETA!

Essas duas informações são relevantes no auxílio da resolução do problema.

Observem que o enunciado carrega informações pertinentes, importantes para a solução do problema.

Trata-se de uma questão problematizadora (aquela que cria um problema, um fato, para ser desdobrado). No enunciado há informações relevantes para a compreensão do problema, sendo preciso estabelecer uma linha de raciocínio. Numa questão conceitual (aquela que exige um domínio de um conceito, um conhecimento prévio que independe de raciocínios), a informação do enunciado não oferece muitos subsídios para a construção de um raciocínio. Vou abordar mais para frente uma questão dessa natureza.

Importante: o grau de dificuldade de uma questão não guarda correlação com o fato dela ser problematizadora ou conceitual. Tanto uma como outra podem ser, perfeitamente, fáceis ou difíceis. As problematizadores tendem a ser mais complexas, mas isso não é uma regra.

Vamos agora olhar as alternativas:

(A) Os referidos agentes têm razão, pois investidos irregularmente, estão exercendo as suas atividades há mais de 4 (quatro) anos, a consolidar a situação.

O próprio enunciado desta alternativa a compromete. Os agentes têm razão mesmo investidos IRREGULARMENTE? E no enunciado há explícita menção a um desvio de função. O Direito não encobre esse tipo de situação. A alternativa está errada.

(B) É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação  em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente foi investido.

Lembram que mais acima eu escrevi que termos generalizadores em regra apontam uma alternativa errada?

Pois é, aqui nós temos uma EXCEÇÃO. Aqui estamos falando de uma regra constitucional e efetivamente toda forma de ingresso sem aprovação em concurso público (no caso, os investigadores não fizeram o concurso para delegado). Então o termo "toda modalidade" não induz ao erro, e sim revela uma verdade.

Trata-se da regra do artigo 37, II, da Constituição:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

 O conhecimento da norma, neste caso, é essencial para a identificação da alternativa correta. Resta apenas saber, agora, se as demais alternativas estão erradas.

(C) Não têm ainda o direito, pois dependem do transcurso do prazo de 15 (quinze) anos para que possam ser tidos como delegados, por usucapião.

Usucapião? Isto é um instituto para se adquirir de forma originária a propriedade de um bem imóvel, e não de um cargo público. Erro patente.

(D) É inconstitucional esta modalidade de provimento do cargo, pois afronta o princípio do concurso público, porém não podem ter alterado os ganhos vencimentais, sedimentado pelos anos, pelo princípio da irredutibilidade.

Princípio do Concurso Público? Isso não é um princípio! Talvez seja aquele fetiche de se transformar em princípio todas as regras para parecer que tudo seja mais bonito e sofisticado. Mas, de toda forma, a primeira parte da alternativa não está equivocada.

Já a segunda parte é problemática. Trata-se da manutenção dos vencimentos do cargo de delegado em função do decurso dos anos. Isso não prospera, pois o vício na investidura não assegura direitos.

Que lições podemos tirar desta questão?

1 - Que uma regra geral não é absoluta, ou seja, termos generalizadores em regra mostram uma alternativa errada, mas nem sempre isso é verdadeiro.

2 - Que duas das alternativas, A e C possuem erros jurídicos crassos, eliminando-as.

3 - Que a alternativa D também possui um erro, mas este é mascarado com uma parte correta dentro da própria alternativa.

A próxima questão também é do Exame 2010.2, e é de Penal:

Resolvendo as questões mais complexas da 1ª fase da OAB 4

Esta aqui é uma questão problematizadora CLÁSSICA. É preciso entender bem o enunciado para poder achar a resposta. Não basta só ter o conhecimento da Lei: tem de raciocinar!

Do que podemos tirar do enunciado?

Em termos simples, como ação, o problema é bem inteligível: a filha consegue da mãe uma procuração para operar a conta concorrente desta e saca sem autorização todo o dinheiro, com o fito de ficar com ele para si.

Agora, analisando as alternativas, vem a parte mais complicada.

Neste ponto, dada a conduta, compete ao candidato TIPIFICAR a ação de Paula Rita, e para isto ele precisará conhecer bem a norma aplicável ao caso:

(A) Paula Rita praticou crime de estelionato em detrimento de Maria Aparecida e, pelo fato de ser sua ?lha adotiva, é isenta de pena.

(B) Paula Rita praticou crime de furto mediante fraude em detrimento de Maria Aparecida e, pelo fato de ser sua ?lha adotiva, é isenta de pena.

(C) Paula Rita praticou crime de estelionato em detrimento de Maria Aparecida e, apesar de ser sua ?lha adotiva, não é isenta de pena.

(D) Paula Rita praticou crime de furto mediante fraude em detrimento de Maria Aparecida e, apesar de seu sua ?lha adotiva, não é isenta de pena.

Vejam a dificuldade desta questão: as 4 alternativas são MUITO semelhantes. Na verdade elas foram estruturadas tendo como base uma mesma composição semântica, sendo que as hipóteses passaram por um realocamento, alternativa por alternativa.

Em duas alternativa (A e C) Paula Rita praticou estelionato e nas outras duas ela praticou furto mediante fraude. E em duas ela, por ser filha adotiva, não é isenta de pena (C e D) e nas outras ela é isenta de pena.

E agora?

A construção das alternativas é feita para confundir e matar qualquer chance de chute: ou o candidato sabe ou não.

O primeiro ponto para resolvê-la é saber diferenciar os institutos:

a) qual a diferença entre estelionato de furto mediante fraude;

b) qual a diferença entre ser filha adotada e responder ou não pelo crime;

O candidato que sabe distinguir ao menos um dos dois pontos já consegue eliminar duas alternativas.

Muito bem!

O examinador, com a questão da distinção entre estelionato e o furto qualificado, quis estabelecer uma confusão conceitual na cabeça do candidato, e filtrar aqueles que sabem a diferença entre um e outro instituto.

Vamos imaginar que não sabemos. De que forma estabeleceremos então a distinção entre um e outro?

Vamos reduzir os conceitos a suas estruturas básicas, ou seja: vamos simplificar!

Qual é a diferença entre furto e estelionato? essa é a pergunta-base, e essa pergunta vocês sabem responder.

Agora, da narrativa acima, qual é a que se aproxima mais de uma das duas figuras?

Antes de continuarem a leitura, realmente pensem: de qual tipo penal (furto SIMPLES e estelionato) a narrativa do enunciado mais se aproxima?

.....

Do estelionato, não é? De furto a narrativa não tem nada. O furto mediante fraude não pode ser um desdobramento distante do furto simples, ou seja: a coisa é subtraída sem o conhecimento da vítima. Com a fraude, a coisa é subtraída (este é o núcleo do tipo) mas de forma que a vigilância da vítima é obliterada pelo ladrão.

O estelionato é diferente! A coisa é subtraída, mas a vítima facilitou a ação, pois foi enganada pelo estelionatário. A coisa é entregue voluntariamente, só que a vítima não sabe que destino a coisa irá tomar, pois o estelionatário oculta suas intenções.

A conduta de Paula Rita não se aproxima com o conceito de furto simples, e, por derivação, não pode ser também o furto mediante fraude. Logo, tem de ser estelionato.

Quanto ao fato dela ser filha adotiva, um pouco de conhecimento de Direito Civil ajuda: os filhos adotados tem os mesmos direitos dos filhos naturais.

A questão relevante é: os filhos respondem penalmente por este crime?

A lei responde:

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Daqui não há como fugir: ou sabe a lei ou não consegue responder com segurança.

Vejam então o quão difícil foi esta questão:

a) 4 alternativas parecidas, o que pode gerar confusão no candidato;

b) enunciado pertinente quanto ao problema, ou seja, questão problematizadora;

c) necessidade de domínio de conceitos, no caso, entre furto mediante fraude e estelionato, e;

d) necessidade de conhecimento de uma escusa absolutória, no caso, o fato da autora ser filha da vítima.

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De um modo geral, no Exame de Ordem, de 70 a 75% das questões fazem uma comunicação com o texto legal, e dele derivam. Em alguns casos é possível salvar a questão pelo raciocínio, mas em regra é preciso mesmo dominar a lei.

De um modo geral, cada questão apresenta 2 alternativas altamente improváveis, e essas são em regra fáceis de identificar. Não raro, a diferença entre a certa e a errada está nos detalhes, e é neles, nos detalhes, que a banca induz o candidato ao erro.

Mas, também em regra, com uma atenção ao raciocínio é possível ao menos iniciar a trilha correta em busca da resposta adequada.

Vamos a mais um exemplo:

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A questão acima é rasgadamente conceitual. Observem que o enunciado é de extrema pobreza, sem apresentar ao candidato praticamente nenhuma informação relevante. Na realidade, só importa no enunciado a opção da banca pela alternativa correta. Se retirássemos o resto a identificação da escolha certa em nada seria comprometida.

Isso obriga o examinando a ponderar detidamente em cada alternativa. E cada alternativa guarda vínculo com um dispositivo específico do CPC. Aqui reside a dificuldade maior: o candidato tem de ter um domínio amplo sobre o tema.

(A) É defeso ao autor intentar novamente a ação que, a requerimento do réu, foi extinta sem resolução do mérito por abandono da causa por mais de trinta dias, se não pagar ou depositar em cartório as despesas e honorários a que foi condenado.

Alternativa correta, de acordo com o artigo 28 do CPC:

Art. 28. Quando, a requerimento do réu, o juiz declarar extinto o processo sem julgar o mérito (art. 267, § 2o), o autor não poderá intentar de novo a ação, sem pagar ou depositar em cartório as despesas e os honorários, em que foi condenado.

Observem que o enunciado é o próprio texto da lei, cuja redação foi apenas parafraseada.

(B) O prazo para interposição de recurso será contato da data em que os advogados são intimados da decisão, da sentença ou do acórdão, sendo vedada a intimação em audiência, ainda que nessa seja publicada a sentença ou a decisão.

Vedada a intimação da audiência? Esse trecho matou a questão:

Art. 506. O prazo para a interposição do recurso, aplicável em todos os casos o disposto no art. 184 e seus parágrafos, contar-se-á da data:

I - da leitura da sentença em audiência;

(C) A arguição de incompetência absoluta de juízo deverá ser alegada pela parte em preliminar de contestação ou por meio de exceção no prazo de resposta do réu, sob pena de prorrogação de competência. Em sendo aquela declarada, somente os atos decisórios serão nulos.

Prorrogação de competência? Hummm...isso não é algo que acontece com a incompetência relativa?

Art. 113. A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção.

A questão é de ordem pública, logo, a alternativa não poderia ser correta.

(D) Aquele que detenha a coisa em nome alheio, demandado em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou possuidor. Instado a se manifestar, caso o autor se mantenha inerte, findo o prazo legal, presume-se que a nomeação à autoria não foi aceita.

 O detalhe do detalhe!

O uso do termo não definiu o sentido da alternativa, tornando-a errada:

Art. 68. Presume-se aceita a nomeação se:

I - o autor nada requereu, no prazo em que, a seu respeito, Ihe competia manifestar-se;

II - o nomeado não comparecer, ou, comparecendo, nada alegar.

Aqui a consubstanciação do famoso peguinha, onde o candidato é derrubado pela sutileza do detalhe. O termo não altera o sentido dado pela norma, invalidando a alternativa. só quem conhece de forma detalhada a questão é que consegue identificar.

Vejam a dificuldade de tal questão! Os temas transitam por boa parte do CPC e exige do candidato um domínio bem abrangente da disciplina. Isso sem contar os peguinhas e os detalhes de cada alternativa.

Os exemplos de questões complicadas na OAB são inúmeros e poderíamos passar vários dias escrevendo sobre isto. Em regra, eventual metodologia para lidar com elas encontra obstáculo na necessidade de se dominar com alguma desenvoltura a matéria objeto da questão.

Não existe macete, esquema ou método para lidar com esse tipo de questão: tem de estar realmente preparado.

No máximo, o candidato pode filtrar nos pequenos detalhes eventuais erros, mas isso quase nunca conduz à alternativa correta de forma inquestionável.

A prova objetiva é estruturada da seguinte maneira:

1/4 de questões consideradas fáceis pela organizadora;

2/4 de questões consideradas medianas;

1/4 de questões consideradas difíceis.

É essa a lógica que norteia a estruturação do grau de dificuldade da prova, e essa lógica é pré-determinada pela própria FGV. Alguém aqui lembra da prova objetiva do IX Exame de Ordem? Foi a pior prova até então aplicada, e foi a pior porque a lógica estruturante dela foi alterada. Ela foi construída assim:

1/4 de questões fáceis;

1/4 de questões medianas;

2/4 de questões difíceis.

A pancada foi tão violenta que a OAB sequer publicou a lista preliminar de aprovados, para a chiadeira não ser muito grande. Pelo o que apurei, a aprovação naquela 1ª fase, sem as anuladas, foi de 7 ou 8%.

O apocalipse!

Isso tudo serve para alertá-los da necessidade de uma leitura profunda dos enunciados e alternativas e da observância dos pequenos detalhes no sentido das afirmações.

Não é fácil, óbvio, mas não é impossível.

E fica aqui mais uma vez uma dica importantíssima: não queimem os miolos com questões difíceis. Se não sabe a resposta de plano, pule para a próxima e deixem as complicadas para depois. A leitura atenta demanda tempo, e vocês não podem comprometer o todo ao focar exclusivamente na parte.