Terça, 27 de janeiro de 2015
Imagem: Reprodução[/caption]
Como quase todo o mundo jurídico está sabendo, no último domingo o programa Fantástico, da Rede Globo, divulgou uma reportagem sobre supostos golpes dados por advogados contra agricultores pobres em algumas regiões do país. A matéria, em um nítido tom sentimentalista, deu uma bela arranhada na imagem da classe:
Advogados são acusados de dar golpe em aposentados rurais
E, vamos combinar, a matéria, bem editada e em um tom bastante emotivo, realmente comove por colocar pessoas simples, com pouca instrução, como vítimas de profissionais que pela própria formação acadêmica estariam em uma natural posição de superioridade intelectual.
Não dá para medir o impacto da matéria na imagem dos advogados como um todo, mas certamente fez um estrago danado na imagem dos profissionais nela retratados.
O site do Conselho Federal da OAB, sem perder tempo, publicou uma nota do colégio de presidentes repudiando a forma como a questão foi tratada:
A diretoria da OAB Nacional e o Colégio de Presidentes de Seccionais divulgaram manifestação conjunta sobre a matéria do Fantástico que trata de alegada cobrança abusiva de honorários advocatícios. Eis o inteiro teor da manifestação:
Diante da veiculação da matéria ?Advogados cobram valores abusivos para defender aposentados?, no ?Fantástico?, edição de 25/01/2015, o Colégio de Presidentes da OAB esclarece que são casos isolados e que a maioria absoluta dos advogados previdenciários atua de forma ética, honesta, buscando o justo equilíbrio na cobrança dos honorários pactuados com os clientes.
Enfatizamos que a OAB Nacional e as Seccionais estaduais da Ordem defendem uma rigorosa e profunda investigação, para a punição dos profissionais e eventualmente envolvidos. A ética é fundamental para a valorização da advocacia. Ressaltamos que atitudes como as retratadas na matéria são praticadas por uma minoria de profissionais, sendo a quase totalidade da classe composta por honrados e dignos advogados.
É missão do advogado defender os direitos do jurisdicionado e dar materialidade à cidadania, com elaboração das peças processuais e diligências necessárias no acompanhamento das ações, ao longo dos anos. A fixação da verba honorária deve ser pactuada por um contrato privado entre as partes e remunerar condignamente o trabalho do advogado. Não deve ser fixada aquém da razoabilidade ou do mínimo legal; nem ser abusiva.
Afirmamos que a cobrança de honorários, em todas as áreas da advocacia, tem seus limites definidos no Código de Ética e sua infração se traduz em falta disciplinar, que deve ser comunicada a Ordem, para que as providências disciplinares possam ser adotadas.
Reafirmamos nossa mais integral confiança na advocacia brasileira, séria, ética e comprometida com os valores da cidadania, ao tempo em que, como todos, condenamos aqueles que não seguem os preceitos éticos que nos conformam.
OAB Nacional
Colégio de Presidentes da OAB
Fonte: OAB
E não só o CFOAB como também várias seccionais, além de muitas manifestações (a favor e contrárias) nas redes sociais.
Mas qualquer questionamento da classe nunca vai atingir o mesmo universo de pessoas e nem mesmo tem como, de plano, desconstruir uma percepção construída de forma tão emotiva pelo Fantástico.
O estrago está feito.
Resumindo: a advocacia não gostou da reportagem, em especial devido à corrosão gerada na imagem da classe como um todo.
Mas meu objetivo aqui não é falar sobre como se cobrar honorários ou se a postura dos advogados foi ou não correta. Quero falar de uma outra coisa, IMPORTANTÍSSIMA para qualquer tipo de profissional e, em especial, para os que vivem como profissionais liberais.
Estou falando da REPUTAÇÃO.
Assim que terminei de ver a matéria de me lembrei de um livro que TODO o advogado deve ler (e quem não é advogado também): As 48 Leis do Poder, de Robert Greene.
O livro é bastante controverso, pois o autor, logo de plano, faz questão de enfatizar que o princípio por detrás das tais leis é amoral.
Não se trata de ser moral ou imoral, e sim, amoral. A amoralidade é aquilo que está fora do campo da moral, neutro sob o aspecto da ética. De uma forma prática, um indivíduo amoral vive sem as condições subjetivas exigidas para que os seus atos ou juízos sejam morais.
E este é o ponto: o objetivo das leis é proporcionar a apreensão do PODER, independentemente de seu viés ético. É algo bastante controverso em si mesmo, mas é difícil negar a efetividade das regras.
Greene considera que o poder em si mesmo é amoral e seria fundamental para obtê-lo ver as circunstâncias de forma pragmática, sem atentar para um o "lado bom" ou "lado ruim" dos fatos. Daí a amoralidade.
O importante, sob este prisma, não é julgar ninguém por suas reais intenções, e sim pelas consequências de suas ações.
Greene deixa bem claro quais são suas intenções:
"Considere As 48 Leis do Poder como uma espécie de manual das artes da dissimulação"
(...)
As leis possuem uma premissa simples: Certas ações quase sempre aumentam o poder de alguém (o cumprimento da lei), enquanto outras o diminuem e até o arruínam (o desrespeito à lei). (...) As leis são eternas e definitivas."
Neste ponto Greene ressalta o pensamento de um de seus personagens favoritos: Nicolau Maquiavel.
?O homem que tenta ser bom o tempo todo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons. Por conseguinte, o príncipe que desejar manter a sua autoridade deve aprender a não ser bom, e usar esse conhecimento, ou abter-se de usá-lo, segunda a necessidade?
E por que lei lembrei desta obra? Porque se estamos falando de imagem, acabamos por ser remetidos para a 5ª lei do Poder:
"Muito depende da reputação - Dê a própria vida para defendê-la."
Greene não perde tempo em justificar a Lei:
"A reputação é a pedra de torque do poder. Com a reputação apenas você pode intimidar e vencer; um deslize, entretanto, e você fica vulnerável, e será atacado por todos os lados. Torne sua reputação inexpugnável. esteja sempre alerta aos ataques em potencial e frustre-os antes que aconteçam. Enquanto isso, aprenda a destruir seus inimigos minando as suas próprias reputações. Depois, afaste-se e deixe a opinião pública acabar com eles."
Não vou dizer aqui que os advogados atacados (e, reflexamente, a classe como um todo) seja inimiga do "Fantástico", mas é bem isto que está acontecendo agora: a reportagem veio, fez seu estrago, e depois passou, não se envolve mais, apenas deixa que o juízo do público crie uma imagem negativa sob o ofício da advocacia.
O autor usa uma série de exemplos históricos para demonstrar os efeitos de sua lei, sempre considerando um ponto fundamental: nós somos seres sociais, vivemos em sociedade, e exatamente por isso a reputação é um elemento vital como chave para o poder. Se o meio social lhe vê mal, sua capacidade de influência, de dominação e do exercício de suas faculdades é gravemente minada.
E isso lhe fragiliza como pessoa.
"Quando você não se preocupa com a maneira como as pessoas o veem, está deixando que os outros decidam isso por você. Seja dono do seu próprio destino, e também da sua reputação."
A reportagem do Fantástico serve, portanto, de alerta para todos os advogados e futuros advogados. A atuação de cada um é sujeita a ataques, não só de adversários, de magistrados, de políticos e mesmo até de clientes.
O Direito é a forma encontrada pela civilização para afastar o uso da força e civilizar a convivência. O Advogado, de uma forma figurada, é uma espécie de "soldado" que "luta" com seu oponente para estabelecer quem tem direito ao quê, sem que para isto haja um derramamento de sangue.
Advogar é a forma moderna de lutar pela vida.
E o advogado precisa, para poder se apresentar neste embate rebuscado pelo processo civilizatório ter sua honra o mais protegida possível, pois, do contrário, perderá, talvez, a sua arma mais importante.
O importante, nesta abordagem, é que TUDO seja pensado de forma que a reputação esteja devidamente protegida.
Os contratos têm de ser formais, por escrito e assinados;
As vestimentas precisam ser apresentáveis;
O linguajar precisa ser polido;
A apresentação social precisa de refinamentos;
O intelecto precisa estar afiado;
O estudo e o domínio do ramo jurídico precisam estar em dia;
O contragolpe a quem tenta lhe diminuir a imagem precisa ser imediato e maior que o ataque em si;
Cada ponto deste, se descurado, prejudica em alguma medida a IMAGEM do profissional. O advogado vive, principalmente, de sua imagem, e a imagem é uma construção, INDEPENDENTEMENTE se você é uma pessoa íntegra ou não.
A imagem não diz o que você é, ela mostra o que você aparenta ser!
E é isso que seduz as pessoas e abre seu espaço dentro da sociedade.
Nem preciso dizer que vocês devem comprar este livro, gostem de suas premissas ou não. E aprendam a lição que o Fantástico acabou por nos proporcionar.
Aliás, se a classe se viu prejudicada em sua imagem, pensem que não seria de todo o mal que cada um, ainda assim, tivesse uma imagem INEXPUGNÁVEL entre os seus clientes. Afinal, ser considerado honesto em um meio nem tão honesto assim (e aqui falo na teoria) tem um valor incomensurável.
Tratem isto com muita seriedade.