Quinta, 28 de julho de 2011
DIREITOS HUMANOS
Prova Azul ? tipo 4
Comentários gerais:
O Provimento nº 144/11 manteve os 15% de questões previstas no já revogado Provimento 136/09 para ?Direitos Humanos, Ética e Estatuto?.
Desta forma, 12 questões, das 80 seriam destinadas ao ?trio?, sendo desta vez, cumprido o Provimento.
Sobre as questões, mais uma vez a OAB demonstra a falta de identidade com a disciplina, ao misturar Direitos Humanos com Direitos Humanos Fundamentais, conforme questão 14, típica de Direitos Humanos Fundamentais, ou simplesmente de Direito Constitucional.
De um modo geral, classificaria a prova como fácil na área de Direitos Humanos, não havendo nenhuma ?pegadinha? ou questão mais complexa.
Comentários específicos:
13. Com relação aos chamados ?direitos econômicos, sociais e culturais?, é correto afirmar que:
a) formam, juntamente com os direitos civis e políticos, um conjunto indivisível de direitos fundamentais, entre os quais não há qualquer relação hierárquica.
b) são direitos humanos de segunda geração, o que significa que não são juridicamente exigíveis, diferentemente do que ocorre com os direitos civis e políticos.
c) incluem o direito à participação no processo eleitoral, à educação, à alimentação e à previdência social.
d) são previstos, no âmbito do sistema interamericano, no texto original da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).
Resposta: A.
Comentários: a questão aborda, a meu ver, mais ?características? do que as ?dimensões? (gerações). As características clássicas dos Direitos Humanos são:[1]
Inerência - A simples existência do ser humano, com base no direito natural (jusnaturalismo), faz com que ele seja destinatário dos direitos humanos.
O preâmbulo da Declaração Universal de 1948 traz esta característica[2]. Assim também trouxe a Seção Primeira da Declaração de Direitos da Virgínia: ?Todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos...?
Universalidade - É uma consequência da inerência, reafirmando que não há diferença entre a espécie humana, seja de nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica.
Dalmo Dallari[3] diz que
Não existe respeito à pessoa humana e ao direito de ser pessoa se não for respeitada, em todos os momentos, em todos os lugares e em todas as situações a integridade física, psíquica e moral da pessoa. E não há qualquer justificativa para que umas pessoas sejam mais respeitadas que outras.
Indivisibilidade - É uma consequência tanto da inerência, quanto da universalidade. A ideia é o todo, ou seja, ou tem tudo ou não temos nada! Só há vida digna com respeito a todos os direitos humanos.
Em dezembro de 1966 surgiram dois pactos internacionais (civis e políticos; e econômicos, sociais e culturais) para ?salvar? a Declaração Universal que tinha uma natureza jurídica de recomendação, enquanto que os pactos tinham um caráter vinculante. Muitos, na época, insinuaram uma verdadeira divisão dos direitos humanos, porém, em 1968, aONU na Conferência Internacional de Teerã foi enfática ao afirmar que a divisão era meramente artificial para atender aos anseios políticos do bloco americano e do bloco soviético. Com a precisão de sempre, Weis[4] cita que na década de 70,
resoluções das Nações Unidas reiteraram esta idéia finalmente consolidada no item 5º da Parte I da Declaração e Programa de Ação adotada pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Viena, 1993), ao afirmar que: ?Todos direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.?
Interdependência - Pela própria característica de indivisibilidade, muitas vezes para se exercer determinado direito humano, torna-se necessário exercer anteriormente outro direito. Um exemplo clássico é a garantia do remédio constitucional habeas corpus, diretamente ligado ao direito de liberdade de locomoção.
Transnacionalidade - Como consequência da própria inerência e universalidade, a transnacionalidade rompe as barreiras criadas pelo ser humano, barreiras geográficas e comportamentais. Vejamos as lições de Dallari[5],
Os direitos fundamentais da pessoa humana são reconhecidos e protegidos em todos os Estados, embora existam algumas variações quanto à enumeração desses direitos, bem como quanto à forma de protegê-los. Esses direitos não dependem da nacionalidade ou cidadania, sendo assegurados a qualquer pessoa.
- a assertiva ?a? está correta, pois formam um conjunto indivisível e não há hierarquia entre eles. Chamo a atenção aqui para questão quase idêntica que caiu no concurso público para a Defensoria Pública do Pará em 2009. Vejamos:
(Defensoria/PA ? 2009) A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 inova a concepção de direitos humanos porque universaliza os direitos:
RESPOSTA: (A) civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, conferindo-lhes paridade hierárquica.
(B) enunciados na Declaração francesa de direitos humanos, assegurando globalmente direitos civis e políticos e conferindo-lhes supremacia.
(C) enunciados na Declaração do Povo Trabalhador e Explorado, assegurando globalmente direitos econômicos, sociais e culturais, conferindo-lhes supremacia.
(D) civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, conferindo maior hierarquia aos direitos civis e políticos.
(E) enunciados na Declaração americana de direitos humanos, assegurando globalmente direitos de solidariedade e conferindo-lhes supremacia.
- a assertiva ?b? está errada, porém, o tema ?geração? requer alguns comentários. A doutrina mais moderna e técnica aboliu o termo geração e o substituiu por dimensão (tal tema já foi inclusive questão de prova no Ministério Público do Trabalho). Tendo como base a Revolução Francesa, Norberto Bobbio afirmou existirem três gerações de Direitos Humanos: liberdade, igualdade e fraternidade. Quanto à segunda geração (igualdade), realmente seu alcance seriam os direitos econômicos, sociais e culturais, porém, não de forma ?não exigível? como se afirma, muito pelo contrário, atualmente a judicialização dos direitos sociais está em alta, sendo a maior falha aqui da assertiva ?b?;
- a assertiva ?c? está errada, pois a ideia de ?participação no processo eleitoral? pode nos levar aos direitos civis e políticos (atualmente de 1ª dimensão) ou ainda, ao processo democrático (3ª dimensão).
- a assertiva ?d? está errada, pois os direitos econômicos, sociais e culturais não estão previstos no Pacto de São José. Na verdade, o texto, com forte influência do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, deixou em segundo plano tal conjunto, na verdade em apenas um artigo, o art. 26, o tema é lembrado. Vejamos:
?Art. 26. Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.? (g.n.)
14. Determinado congressista é flagrado afirmando em entrevista pública que não se relaciona com pessoas de etnia diversa da sua e não permite que, no seu prédio residencial, onde atual como síndico, pessoas de etnia negra freqüentem as áreas comuns, os elevadores sociais e a piscina do condomínio. Ciente desses atos, a ONG TudoAfro relaciona as pessoas prejudicadas e concita a representação para fins criminais com o intuito de coibir os atos descritos. À luz das normas constitucionais e dos direitos humanos, é correto afirmar que
a) o crime de racismo não está sujeito a prazo extintivo de prescrição.
b) o crime de racismo é afiançável, sendo o valor fixado por decisão judicial.
c) nos casos de crime de racismo, a pena cominada é de detenção.
d) o prazo de prescrição incidente sobre o crime de racismo é de vinte anos.
Resposta: A.
Comentários: o fundamento da resposta está no artigo 5º, inciso XLII da Constituição Federal. Vejamos:
?XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;? (g.n.)
Desta forma, temos:
- a assertiva ?a? está correta, pois conforme letra constitucional é imprescritível, ou seja, ?não está sujeito a prazo extintivo de prescrição? nos termos da questão;
- a assertiva ?b? está errada, pois o crime é inafiançável, conforme texto constitucional;
- a assertiva ?c? está errada, pois a pena cominada será de reclusão;
- a assertiva ?d? está errada, assim como já havia descrito na assertiva ?a?, ou seja, não há prazo prescricional.
15. Em 2010, o Congresso Nacional aprovou por Decreto Legislativo a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Essa convenção já foi aprovada na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição, sendo sua hierarquia normativa de
a) status supralegal.
b) lei federal ordinária.
c) emenda constitucional.
d) lei complementar.
Resposta: C.
Comentários: a ementa da questão está errada! Não foi em 2010 conforme descrito. O Decreto Legislativo que aprovou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007 foi o nº 186 de 09 de julho de 2008. Por sua vez, o Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Aqui, no mínimo, demonstra uma falta de tecnicismo por parte da Fundação Getúlio Vargas.
Conforme o próprio enunciado afirmou, a base constitucional é o § 3º do art. 5º. Vamos ao texto:
?§ 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casado Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.? (g.n.)
- a assertiva ?a? está errada, pois a parte final do § 3º deixa claro que a hierarquia normativa é de equivalência à emenda constitucional. Atualmente, quem possui status de supralegalidade são todos os tratados internacionais sobre Direitos Humanos incorporados antes da atual regra (Emenda Constitucional nº 45 de 2004), ou seja, excetuando esta Convenção da questão, todos os demais tratados incorporados sobre Direitos Humanos estarão acima da legislação infraconstitucional e ainda abaixo da própria Constituição. Ilustrando tal mudança jurisprudencial, vejamos decisão do nosso Supremo Tribunal Federal:
?Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ? Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do CC de 1916 e com o Decreto-Lei 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo CC (Lei 10.406/2002)." (RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009.)? (g.n.)
- a assertiva ?b? está errada, pois conforme dito acima, a hierarquia normativa é de equivalência à emenda constitucional. Realmente, antes da Emenda Constitucional nº 45, o status dos tratados internacionais era de lei federal ordinária;
- a assertiva ?c? está correta conforme parte final do § 3º já apontado e sublinhado acima.
- a assertiva ?d? está errada, aliás, é ?a pior? das assertivas. O status é de equivalência à emenda constitucional.
[5] DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit.