Razões recursais para a prova de Direito Constitucional

Quarta, 25 de junho de 2014

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A professora Flávia Bahia elaborou razões para quem fez ADPF como peça e também apontou pontos inconsistentes nas questões da prova de Constitucional.

Confiram:

  • O caso narrado na peça do XIII Exame de Ordem

O caso narrado na peça prático profissional do XIII de Direito Constitucional apresenta a edição, pelo Presidente da República, de um ?Decreto? (nº 5555), estabelecendo a obrigatoriedade, como exigência à obtenção do diploma de graduação em engenharia, de um elevado aproveitamento nas disciplinas do curso, e, para inscrição nos Conselhos Regionais, a conclusão de uma pós-graduação com carga horária mínima de 480 horas de aula. Informou, também, que a medida tem por objetivo conferir maior controle sobre a formação do profissional, num momento de expansão das obras de infraestrutura no país. Ao final, pede-se que o advogado ajuíze a ação cabível para impugnar o Decreto que violaria diretamente a Constituição.

Como a banca indicou que o referido ?Decreto? violara diretamente a Constituição, muitos examinandos optaram pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), com base no art. 102, I, a, da CRFB/88, o que conforme o gabarito preliminar confere com a posição da banca. Entretanto, a discussão sobre o tema merece ser ampliada, tendo em vista que o ato normativo citado apresenta também característica de decreto regulamentar, norma secundária, o que levou muitos examinandos à propositura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

Como as considerações sobre o cabimento da ADI já foram expostas pela banca na divulgação do espelho preliminar, concentraremos as explicações sobre a possibilidade de aceitação da ADPF, como também apta a solucionar o caso narrado na peça prática profissional do XIII Exame de Ordem.

  • Modalidades de Decretos

 Inicialmente, importante destacar as diferenças entre os decretos regulamentares e autônomos, segundo estabelecido pela Constituição de 1988.

Os Decretos Regulamentares, nas lições de José Afonso da Silva, ?[...] são os modos comuns de o Presidente da República praticar os atos administrativos; inclusive, é por meio de decreto que se expedem os regulamentos para fiel execução das leis. Estes é que devem merecer mais atenção dos constitucionalistas e administrativistas, porque eles têm essas duas dimensões. Dos primeiros (constitucionalistas), porque se trata de definir os limites constitucionais ao poder regulamentar que a Constituição outorga ao chefe do Poder Executivo em face do princípio constitucional da legalidade. Dos segundos (administrativistas), porque se trata de importante meio de atuação administrativa.?

De acordo com o renomado autor, ?Poder regulamentar? é a faculdade de expedir regulamentos para fiel execução das leis federais que a Constituição outorga ao presidente da República. Trata-se de poder administrativo, no exercício de função de caráter normativo subordinado. Na realidade, o exercício desse poder permite ao presidente da República cumprir sua função executiva no que tem de mais característico: execução da lei. Chama-se, com efeito, ?regulamento? o decreto que consigna um conjunto ordenado de normas destinadas à melhor execução da lei, ou ao melhor exercício de uma atribuição ou faculdade consagrada expressamente na Constituição.

Esses decretos trazem normas genéricas para fiel execução da lei, (art. 84, IV da CRFB/88) retirando seu fundamento jurídico de validade da lei, por isso não podem ser objeto de ADI, pois, nesse caso, há um controle de legalidade e não de constitucionalidade, já que a afronta à Constituição Federal seria apenas reflexa.

No que tange ao Decreto Autônomo, o autor afirma que, nesse caso, ?[...] se tem autorização para expedição de uma forma de regulamento autônomo, o chamado ?regulamento orgânico e de administração?.[...] Esse regulamento autônomo se situa no campo estrito do poder administrativo do presidente da República. Os limites encontram-se no princípio da legalidade, aliás, ressalvado no texto, na cláusula ?quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos?, porque isso depende de lei. A ?extinção de cargo? sempre foi objeto de lei, mas aqui a Constituição confere a competência para sua prática mediante decreto se estiver vago, quer dizer, sem criar ou extinguir direitos ou impor obrigações, porque isso dependeria de lei?.

Tendo em vista que inova a ordem jurídica, retirando seu fundamento jurídico de validade diretamente da Constituição Federal (art. 84, VI), pois é editado no vácuo legislativo, pode ser objeto de ADI, segundo entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência.

A FGV Projetos também já abordou o tema na primeira questão do XII Exame de Ordem, cujo trecho do padrão de respostas segue logo abaixo:

?A Emenda Constitucional n. 32/2001, que modificou a redação do Art. 84, VI da Constituição da República, permitiu, em nosso ordenamento pós-Constituição de 1988, o chamado ?decreto autônomo?, isto é, aquele decreto de perfil não regulamentar, cujo fundamento de validade repousa diretamente na Constituição?. Contrapõe-se aos chamados decretos regulamentares, ou de execução, previstos no Art. 84, IV, da Constituição, que não criam, modificam ou extinguem direitos, mas apenas desenvolvem a lei já existente, de onde buscam fundamento de validade. Tanto assim que o Supremo Tribunal Federal admite o controle, por via de ação direta de inconstitucionalidade, do decreto autônomo, revestido de conteúdo normativo, mas não o admite quando se tratar de decreto de regulamentação da lei?. (grifamos)

O Decreto objeto da prova e a Lei 5.194/1966 

A lei 5.194/1966 regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo, e dá outras providências.

O art. 2º da referida norma apresenta os requisitos que devem ser preenchidos para o exercício da profissão de engenheiro, dentre elas: a) aos que possuam, devidamente registrado, diploma de faculdade ou escola superior de engenharia, arquitetura ou agronomia, oficiais ou reconhecidas, existentes no País; (...).

Já os arts. 55 e 56 do diploma legal informam que:

?Art. 55. Os profissionais habilitados na forma estabelecida nesta lei só poderão exercer a profissão após o registro no Conselho Regional, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.

Art. 56. Aos profissionais registrados de acordo com esta lei será fornecida carteira profissional, conforme modelo, adotado pelo Conselho Federal, contendo o número do registro, a natureza do título, especializações e todos os elementos necessários à sua identificação.

§ 1º A expedição da carteira a que se refere o presente artigo fica sujeita à taxa que for arbitrada pelo Conselho Federal.

§ 2º A carteira profissional, para os efeitos desta lei, substituirá o diploma, valerá como documento de identidade e terá fé pública.

§ 3º Para emissão da carteira profissional os Conselhos Regionais deverão exigir do interessado a prova de habilitação profissional e de identidade, bem como outros elementos julgados convenientes, de acordo com instruções baixadas pelo Conselho Federal (...)?.

 Ainda que a mencionada lei não tenha sido informada pela banca no caso da prova, muitos examinandos partiram do pressuposto que o Decreto apenas regulamentava uma lei já existente (o que de fato ocorre), tendo, em consequência, natureza infralegal, ou seja, de ato normativo secundário, impugnado por meio de ADPF e não de ADI.

  • Fungibilidade entre ADI e ADPF

Ainda que não se compreenda que o Decreto da peça tenha natureza infralegal, importante destacar que o princípio da fungibilidade tem sido adotado com muita frequência pelo STF e pode também ser considerado pela banca para aceitação da ADPF como solução jurídica alternativa da peça do XIII Exame. Senão vejamos.

Em nome da Supremacia da Constituição e da economia processual, a  jurisprudência do STF vem reiteradamente admitindo o recebimento de uma ação de controle abstrato ainda quando cabível uma outra, reconhecendo a aplicação do princípio da fungibilidade.

Logo abaixo seguem importantes decisões da Corte que admitiram a aplicação do princípio da fungibilidade em sede de controle concentrado. Em tais casos, o STF conhece e processa uma ADPF irregularmente proposta como se fosse uma ADI superando a inadmissibilidade da ADPF e vice-versa.

De acordo com a publicação do informativo 390 do STF:

?Tendo em conta o caráter subsidiário da argüição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF, consubstanciado no § 1º do art. 4º da Lei 9.882/99, o Tribunal resolveu questão de ordem no sentido de conhecer, como ação direta de inconstitucionalidade - ADI, a ADPF ajuizada pelo Governador do Estado do Maranhão, em que se impugna a Portaria 156/2005, editada pela Secretária Executiva de Estado da Fazenda do Pará, que estabeleceu, para fins de arrecadação do ICMS, novo boletim de preços mínimos de mercado para os produtos que elenca em seu anexo único. Entendeu-se demonstrada a impossibilidade de se conhecer da ação como ADPF, em razão da existência de outro meio eficaz para impugnação da norma, qual seja, a ADI, porquanto o objeto do pedido principal é a declaração de inconstitucionalidade de preceito autônomo por ofensa a dispositivos constitucionais, restando observados os demais requisitos necessários à propositura da ação direta. ADPF 72 QO/PA, rel. Min. Ellen Gracie, 1º.6.2005. (ADPF-72) (grifos nossos)

Conforme o informativo 656 do STF:

?De início, rechaçou-se preliminar, suscitada pela OAB-SP e pelo Governador do Estado-membro, de inadequação dos fundamentos do pedido. Asseverou-se que o objeto da ação ? saber se a previsão de autêntico ?convênio compulsório? transgrediria o art. 134, § 2º, da CF, que estabeleceria a autonomia funcional, administrativa e financeira das defensorias públicas estaduais ? estaria claro e bem embasado, a afastar a alegada inépcia da inicial e a eventual ofensa indireta. Em passo seguinte, examinou-se a questão da admissibilidade, em sede de controle concentrado, de cognição de norma cuja pretensa afronta a texto da Constituição dar-se-ia em face de emenda constitucional ulterior. No tópico, assinalou-se que se estaria diante de confronto entre a parte final do art. 109 da Constituição estadual, datada de 1989, e o disposto no art. 134, § 2º, da CF, erigido a princípio constitucional com a EC 45/2004. Consignou-se que, para situações como esta, a via adequada seria a ADPF. Assim, em nome da instrumentalidade, da economia e da celeridade processuais, além da certeza jurídica, conheceu-se da presente demanda como ADPF. Salientou-se não haver óbice para a admissão da fungibilidade entre ambas as ações e destacou-se que a ação direta atenderia aos requisitos exigidos para a propositura daquela. Vencido, na conversão, o Min. Marco Aurélio ao fundamento de sua desnecessidade, uma vez que a solução diria respeito ao condomínio que o aludido art. 109 instituiria na prestação de serviços aos necessitados, tendo em conta o que previsto inicialmente na Constituição, em sua redação primitiva. ADI 4163/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 29.2.2012. (ADI-4163). (grifamos)

E ainda:

AÇÃO DIRETA INCONSTITUCIONALIDADE. Impropriedade da ação. Conversão em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF. Admissibilidade. Satisfação de todos os requisitos exigidos à sua propositura. Pedido conhecido como tal. Aplicação do princípio da fungibilidade. Precedentes. É lícito conhecer de ação direta de inconstitucionalidade como argüição de descumprimento de preceito fundamental, quando coexistentes todos os requisitos de admissibilidade desta, em caso de inadmissibilidade daquela.2. INCONSTITUCIONALIDADE. Art. 2º da Lei nº 3.189/2003, do Distrito Federal. Inclusão de evento privado no calendário de eventos oficiais do Distrito Federal. Previsão da destinação de recursos do Poder Executivo para seu patrocínio. Encargo adicional à Secretaria de Segurança Pública. Iniciativa legislativa de deputado distrital. Inadmissibilidade. Aparente violação aos arts. 61, § 1º, II, alínea "b", e 165, III, da Constituição Federal. Medida liminar deferida e referendada. Aparenta inconstitucionalidade, para efeito de liminar em ação de descumprimento de preceito fundamental, o disposto no art. 2º da Lei nº 3.189/2003. do Distrito Federal. (ADI 4180 MC-REF, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2010) (grifamos)

 Impossibilidade de aceitação de ADI em face de norma secundária ? jurisprudência do STF:

EMENTA: ATOS NORMATIVOS DO IBAMA E DO CONAMA. MUTIRÕES AMBIENTAIS. NORMAS DE NATUREZA SECUNDÁRIA. VIOLAÇÃO INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar atos normativos de natureza secundária que não regulem diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional. Precedentes. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida. (ADI 2714, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 13/03/2003, DJ 27-02-2004 PP-00020 EMENT VOL-02141-03 PP-00614)

 E M E N T A: ADIN ? SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR (SNDC) - DECRETO FEDERAL N. 861/93 - CONFLITO DE LEGALIDADE ? LIMITES DO PODER REGULAMENTAR - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA.- Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizara, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em consequência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata.- O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito podera configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que, a partir desse vício jurídico, se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-a em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou obliqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada.

(ADI 996 MC, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 11/03/1994) (grifamos)

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MP 1911-9/99. NORMADE NATUREZA SECUNDÁRIA. VIOLAÇÃO INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAMEEM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. 1. É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar ato normativo de natureza secundária que não regule diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida. (ADI 2065, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2000, DJ 04-06-2004 PP-00028 EMENT VOL-02154-01 PP-00114) (grifos nossos)

 EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. 2.Decreto Federal nº 1303, de 08.11.1994, especialmente, o disposto nos arts.1º e 7º. 3. Editou-se o Decreto nº 1303, de 1994, tendo em vista o art. 47 da Lei nº 5540/1968, que fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior, e o art. 54, XV, da Lei nº 8906,de 04.07.1994. Ressalta do Decreto nº 1303 o caráter regulamentar de normas legislativas concernentes à autorização para o funcionamento e o reconhecimento de cursos do ensino superior. 4. Não é deconsiderar-se o Decreto nº 1303/1994 diploma instituidor de normas originárias, mas, sim, de índole secundária, insuscetíveis, desse modo, de ser atacadas em ação direta de inconstitucionalidade. As normas nele inseridas são confrontáveis com disposições legislativas sobre diretrizes e bases da educação nacional e, em particular, do ensino superior. A quaestio juris posta na inicial concerne ao plano da legalidade e não ao da constitucionalidade. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, prejudicada a súplica cautelar. (ADI 1327, Relator(a):  Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/1995, DJ 20-06-1997 PP-28467 EMENT VOL-01874-02 PP-00358) (grifamos).

 CONCLUSÃO

         Diante do caso apresentado pela banca e de acordo com os argumentos acima indicados, entendemos que é perfeitamente admissível a aceitação da ADPF pela banca como solução alternativa da peça do XIII Exame; seja pela natureza infralegal do Decreto, ou, ainda, pela aplicação do princípio da fungibilidade nas ações do controle concentrado de constitucionalidade.

QUESTÃO 1-B

Como a própria banca indicou, não há declaração de inconstitucionalidade de norma já revogada, portanto, o examinando pede que seja aceita a resposta no sentido de que o Procurador geral da República poderia pedir a declaração de inconstitucionalidade apenas da lei Y.

QUESTÃO 2-B

A lei 6815/80 estabelece no art. 116 estabelece nova hipótese de naturalização, com base no art. 12, II, a, da CRFB/88 que deve ser considerada pela banca, portanto, o examinando requer que seja aceita a resposta no sentido de que a lei ordinária pode estabelecer nova hipótese de aquisição de nacionalidade derivada.

QUESTÃO 4-B

No HC 87585, o STF decidiu pela supralegalidade do Pacto de San José da Costa Rica e não de todos os tratados sobre direitos humanos que não tenham sido aprovados na forma do art. 5º, §3º, da CRFB/88. Portanto, o examinando solicita que a banca também aceite a resposta no sentido de que os tratados teriam status de lei ordinária federal.