Prova de Direito Constitucional - Mandado de segurança individual ou coletivo?

Segunda, 2 de agosto de 2010

Há um manifesto equívoco na indicação da peça processual correta na prova de Direito Constitucional do Exame de Ordem 2010.1.

O padrão de resposta, tal como apresentado, traz como peça prático-profissional correta para a solução da lide a Ação de Mandado de Segurança Individual, prevista no Art. 5º, LXIX, da Constituição Federal.

Vejamos o trecho inicial do padrão de resposta:

Deve-se elaborar mandado de segurança, com fundamento no art. 5.º, LXIX, da CF, bem como no art. 1.º da Lei n.º 12.016/2009, em face da autoridade máxima do órgão. Vejamos o art. 5.º, LXIX, da CF:

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

Entretanto, a indicação do Mandado de Segurança do inciso LXIX do art. 5º da CF certamente pode gerar controvérsia na hora da correção das provas dos candidatos, porquanto o correto seria a impetração de um mandado de segurança COLETIVO como peça processual correta apta a solucionar o problema apresentado.

Os candidatos não têm como saber a interpretação que o Cespe emprestará ao MS previsto no art. 5º, LXIX, da CF, tal como indicado no padrão de resposta, pois o MS coletivo tem disciplina constitucional própria, contida no Art. 5º, LXX, CF:

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

Vejamos o trecho da prova que conduz ao convencimento de que a peça em questão deve ser um MS coletivo:

Em face da situação hipotética apresentada, na qualidade de advogado(a) contratado(a) pelo sindicato dos servidores, redija a medida judicial cabível para impugnação do ato da autoridade que determinou a exclusão do pagamento dos servidores dos percentuais previstos em lei, destacando os argumentos necessários à adequada defesa dos interesses de seus clientes.

Vejamos um pequeno trecho do problema: "O secretário de administração do estado-membro Y, com a finalidade de incentivar o aprimoramento profissional de certa categoria de servidores públicos...". Ora, se é uma certa catergoria de servidores públicos, estamos falando de um MS que irá tutelar Direitos Individuais Homogêneos.

Ou seja, estamos falando da afetação restrita a um grupo indeterminado de servidores unidos por um problema em comum originado em uma mesma causa em comum.

Sendo a causa em comum, ou seja, o fato que motivou a impetração do MS, este deveria ser coletivo, pois, em conformidade com a doutrina de Carlos Henrique Bezerra Leite:

?A distinção entre o interesse individual homogêneo e o individual simples repousa na existência, no primeiro, de uma origem comum, que atinge diversas pessoas de forma homogênea, é dizer, são diversas afetações individuais, particulares, originárias de uma mesma causa, as quais deixam os prejudicados em uma mesma situação, sem embargo de poderem expor pretensões com conteúdo e extensões distintos.? (Ação Civil Pública ? Nova Jurisdição Trabalhista Metaindividual ? Legitimação do Ministério Público ? São Paulo : LTr ? 2001).

O sindicato mencionado no problema estava contratando advogado para que este postulasse, pelo sindicato, em regime de substituição processual, a segurança de direito líquido e certo alheio; in casu, dos servidores.

Ora! Um dos papéis a ser desempenhado pelo sindicato é o de postular em defesa de sua categoria, tal como preconiza o art. 8º, III, da CF:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

(...)

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

O direito dos servidores do problema apresentado é passível de defesa pelo sindicato, e a via adequada é o MS coletivo.

Poder-se-ia argumentar que os servidores deveriam ter concedido autorização expressa ao sindicato para representá-los, na forma do art. 5º, XXI, da CF:

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

Não consigo conceber que o Cespe tenha adotado para o problema exigindo dos candidatos a percepção da necessidade de expressa autorização dos servidores ao sindicato para que este os defendessem.

O STF já se manifestou sobre a legitimidade ativa de sindicato para atuar como substituto processual sem a necessidade dos sindicalizados outorgarem expressa autorização:

CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA: DESNECESSIDADE. OBJETO A SER PROTEGIDO PELA SEGURANÇA COLETIVA. C.F., art. 5º, LXX, b. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE: NÃO CABIMENTO. Súmula 266-STF.

I. - A legitimação das organizações sindicais, entidades de classe ou associações, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual. CF, art. 5º, LXX.

II. - Não se exige, tratando-se de segurança coletiva, a autorização expressa aludida no inc. XXI do art. 5º, CF, que contempla hipótese de representação.

III. - O objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nas atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe.

(...)

STF ? Pleno ? MS n° 22.132/RJ ? Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 18.11.96, p. 39.848.

Ademais, o entendimento acima passou a constar no art. 21 da nova lei do Mandado de Segurança (12.016/09), sendo este explícito quanto a dispensa de qualquer autorização especial:

Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:

I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;

II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

Se o MS coletivo não for considerado pelo Cespe como a solução correta para o problema proposto, temo que 100% dos candidatos que fizeram a prova de Direito Constitucional irão reprovar.

Isso seria um absurdo!!

No Exame passado o Cespe retificou o padrão de resposta de Direito Penal. Não custa retificar neste o de Constitucional também.

Cliquem no link abaixo para conferirem a prova e o padrão de resposta de Direito Constitucional:

Provas anteriores - Exame de Ordem 2010.1