Quarta, 16 de junho de 2010
Recurso elaborado pela professora Arianna Manfredini para o Portal Exame de Ordem:
Na questão de nº 79 o CESPE considerou correta a assertiva com a seguinte redação: ?Não tendo o advogado requerido análise de horas extras, o julgamento deve limitar-se ao que foi expressamente pedido, logo não poderia o TRT estabelecer condenação em horas extras?.
Tal alternativa não pode ser considera correta. De fato, o TRT não poderia apreciar o pedido de horas extras, mas não pelo motivo exposto na alternativa considerada correta, inexistência de pedido expresso, mas porque reconhecido o cerceamento de defesa, deveria ter determinado o retorno dos autos para o juízo de primeiro grau para que fosse reaberta a instrução para oitivas das testemunhas arroladas.
A questão envolve o efeito devolutivo do recurso ordinário, que se classifica quanto a sua a) extensão ou horizontalidade e b) profundidade ou verticalidade. A dimensão horizontal é definida pela matéria impugnada pelo recorrente; enquanto a vertical está disciplinada nos parágrafos 1º e 2º do artigo 515 do CPC, os quais possuem a seguinte redação: ?§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. § 2º ?Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais?. No mesmo sentido é o entendimento do Colendo Tribunal Superior do Trabalho consubstanciado na súmula 393. Observe-se:
Súmula 393. ?O efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 515 do CPC, transfere automaticamente ao Tribunal a apreciação do fundamento da defesa não examinado pela sentença, ainda que não renovado em contra-razões. Não se aplica, todavia, ao caso de pedido não apreciado pela sentença.?
Como bem concluem Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha1:
?(...)Enquanto a extensão é fixada pelo recorrente, a profundidade decorre de previsão legal.?
Quando a questão menciona que ao interpor o recurso ordinário o autor recorrente arguiu o cerceamento de defesa em razão do indeferimento da oitiva das testemunhas, postulando a anulação da sentença, tem-se que apontou nulidade processual e, segundo estabelece o art. 794 da CLT, a nulidade apenas será decretada quando causar à parte manifesto prejuízo, o qual se verifica no caso em tela, pelo indeferimento de seu pedido de horas extras.
Sendo assim, a questão das horas extras foi devolvida ao Tribunal e, portanto, mesmo que não haja pedido expresso de análise deste pedido nas razões recursais, não há como negar que a matéria foi devolvida ao Tribunal.
Tal questão poderia ter sido apreciada pelo Tribunal não fosse pelo fato de que o processo não está em condições para julgamento, uma vez que o cerceamento de defesa decorreu justamente do indeferimento da oitiva das testemunhas arroladas. Assim, impõe-se o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau, para que seja reaberta a instrução e ouvidas as testemunhas.
O processo deve retornar à vara do trabalho para a reabertura da instrução e não pela inexistência de pedido expresso quanto às horas extras. Deste modo, a alternativa postada como correta está falsa, razão pela qual a questão merece ser anulada já que não há nenhuma alternativa correta na questão. Ademais, caso o processo estivesse em condições para julgamento, na hipótese prevista no parágrafo 3º do art. 515 do CPC, mesmo sem haver pedir expresso de determinada ponto, o Tribunal poderia julgar desde logo a lide. Portanto, mais um motivo para anular a questão 79, vez que a assertiva posta como correta encontra-se equivocada.
Outrossim, a doutrina, a exemplo de Estevão Mallet e Mauro Schiav, entende que se aplica ao Processo do Trabalho o parágrafo 4º do art. 515 do CPC, segundo o qual ?constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação?.
Como destaca Estevão Mallet: ?A regra do artigo 515, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, constitui desdobramento do princípio da instrumentalidade das formas e mesmo da economia processual. É perfeitamente compatível com o processo do trabalho, tendo em conta, inclusive, a previsão mais ampla do art. 765 da Consolidação das Leis do Trabalho (O Processo do Trabalho e as Recentes Modificações do Código de Processo Civil. In: Revista LTr 70-06/763).
O Professor Mauro Schiav cita como exemplo o seguinte caso: ?se não houve perícia em caso de adicionais de insalubridade e periculosidade, o Tribunal pode determinar a nulidade parcial da sentença, com relação ao pedido de adicionais de insalubridade ou periculosidade e determinar a realização da diligência. Após a perícia, o julgamento de primeiro grau será complementado. Intimadas as partes, o Tribunal prossegue o julgamento.?2
Da mesma forma, no caso da questão recorrida, ao verificar que se tratava de uma nulidade sanável, o Tribunal deveria suspender o julgamento do recurso ordinário e determinar a baixa dos autos ao primeiro grau para oitiva das testemunhas e depois realizar o julgamento do recurso.
Apesar do exposto, tal possibilidade também não consta das alternativas, sendo este mais um motivo para a anulação da questão.