Quarta, 30 de julho de 2014
Está tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei que, se aprovado em suas autuais bases, servirá de um grande alento para virtualmente centenas de milhares de advogados, em especial jovens advogados. O PL 6689/13, de autoria do deputado André Figueiredo (PDT-CE), estabelece um piso mínimo para os advogados da iniciativa privada.
Confiram a matéria da Agência Câmara. Depois, algumas considerações sobre essa iniciativa:
A Câmara dos Deputados analisa projeto de lei que estabelece salário mínimo para advogados da iniciativa privada (PL 6689/13). Segundo a proposta, do deputado André Figueiredo (PDT-CE), os valores serão fixados de acordo com o tempo de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a jornada semanal de trabalho.
Atualmente, a Lei 8.906/94, que criou o Estatuto da OAB, determina apenas que o salário mínimo profissional do advogado seja definido a partir de decisão da Justiça Trabalhista, salvo se ajustado em acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Valores
Pela proposta, os valores serão estabelecidos para uma jornada semanal de 20 horas:
R$ 2.500,00 para advogados com até um ano de inscrição na OAB; R$ 3.100,00 para advogados com um a dois anos de inscrição; R$ 3.700,00 para advogados com dois a quatro anos de inscrição; R$ 4.500,00 para advogados com mais de quatro anos de inscrição.
Os valores previstos serão acrescidos de 30%, em caso de dedicação exclusiva.
O projeto propõe que esses valores sejam reajustados anualmente no dia 11 de agosto, mesmo se não houver decisão da Justiça do Trabalho, de acordo com a variação acumulada do INPC, indicador oficial para orientar os reajustes de salários dos trabalhadores.
Valorização profissional
De acordo com Figueiredo, a medida favorece, sobretudo, os recém-formados que vivenciam situações de precarização do trabalho por não terem um piso salarial básico e trabalharem em carga horária excessiva. Para o deputado, o salário mínimo vai contribuir para que a advocacia seja ?mais comprometida com uma sociedade mais justa e solidária?.
Tramitação
O projeto, que tramita em caráter conclusivo, será analisado pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Fonte: Agência Câmara
A existência de um projeto como este revela como está precária a situação dos advogados, pois é preciso a intervenção estatal para assegurar um "salário mínimo" para a classe dos advogados.
E sim, a coisa está realmente feia.
O projeto revela uma assimetria no mercado, podendo este ser chamado de imperfeito (quando as relações de troca precisam de uma interferência para manterem sua regularidade) por conta de disfunções no sistema educacional que geram reflexo no mercado profissional.
Como todo mundo sabe, o Brasil tem mais faculdade de Direito do que o resto do mundo, inundando o mercado da advocacia com novos profissionais a cada ano. Já passamos, com isso, do chamado ponto de saturação, quando existem mais advogados do que a oferta de empregos.
Por isso os salários são baixos: como a procura por emprego é maior do que a oferta, os empregadores podem reduzir o valor dos salários sabendo que as vagas serão preenchidas de toda forma, pois a necessidade de trabalhar suplanta a rejeição por salários muito baixos.
A assimetria do mercado nasce, portanto, da explosão desproporcional do número de faculdades. E se não fosse o Exame de Ordem, a situação seria absolutamente crítica.
Agora vem a pergunta: o mercado vai assimilar essa lei?
Sim, existem efeitos contrários quando o Estado tenta regulamentar um determinado mercado. Vejam só:
1 - A situação não está fácil para ninguém, incluindo aí empregadores. Nada impede que estes passem a demitir sistematicamente os advogados que tenham mais de um ano de inscrição;
2 - A lei, como tantas outras, NÃO CONTEMPLA a figura do advogado associado. O Conselho Federal da OAB, com fundamento no art. 54, V, e 78 da Lei nº 8.906/94, inventou a figura do advogado associado ao conceber o art. 39 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia:
?a sociedade de advogado pode associar-se com advogados, sem vínculo de emprego, para participação nos resultados?.
O advogado associado não é sócio, é associado, ou seja, não faz parte da sociedade. Também não é empregado, não tem os direitos trabalhistas regulares de qualquer empregado, coisa que ele não é. Ele faz parte de uma estranha zona cinzenta trabalhista.
Sua participação nos lucros varia muito, mas, em regra, acaba refletindo a própria realidade do mercado E se for mandado embora, sai sem nenhum direito trabalhista, nenhuma verba rescisória. Sai do mesmo jeito que entrou.
A lei silencia quanto a este ponto e é natural antever um movimento do mercado no sentido de aumentar a existência, dentro dos escritórios, do advogado associado. Ou seja: a lei seria relativamente inócua.
3 - Empresas poderiam demitir seus advogados empregados e contratar escritórios de advocacia, exatamente para evitar o aumento de custos.
Resumindo: parece um projeto legal mas provavelmente gerará um impacto muito reduzido nas relações profissionais e nas remunerações reais dos advogados da iniciativa privada.
Este projeto precisaria de dois reparos significativos para se tornar viável no mercado:
1 - Contemplar uma solução para a figura do advogado associado, estabelecendo para estes também uma base mínima de vencimentos, afora a participação;
2 - Reduzir os valores salariais inicialmente ofertados, sob pena de gerar demissões e reações exacerbadas dos empregadores.
Não vamos ignorar o óbvio: as relações sociais são marcadas pelo dinamismo e por ações e reações. Se surge uma regra para organizar o mercado, o mercado vai buscar soluções para se adequar da melhor forma à regra em proveito PRÓPRIO.
Um empregador vai fazer de tudo para manter seu custo operacional baixo, incluindo aí o uso de qualquer subterfúgio (legal ou não) para atingir seu fim.
Os valores sugeridos pela lei são ótimos, seria maravilhoso se todo mundo aceitasse eles, mas me parece que estão muito descolados da realidade. Se o projeto for aprovado desta forma, vai impactar negativamente na classe.
E, por fim, o projeto é só mais um tapa-buraco. A busca da solução de verdade, o controle da explosão das faculdades caça-níquéis, passa muito longe das canetas eleitas do Congresso Nacional.
Mas isso é outra história...