Postou foto de biquíni no facebook e perdeu o cliente, ou, a postura do advogado nas redes sociais

Terça, 3 de fevereiro de 2015

10259733_417321878418394_8812814758014533896_n

No último dia 31 eu conversei por telefone com uma amiga de longa data, que não é do mundinho jurídico, sobre como estavam indo as coisas.

Em algum momento da conversa ela me contou que procurou uma advogada para resolver um problema dela. Após uma primeira conversa, resolveu entrar no facebook dessa advogada, e não gostou do que viu.

A Advogada tinha publicada algumas fotos de biquini na praia e outras na balada, fazendo biquinho.

Essa minha amiga avaliou as fotos e simplesmente desistiu de contratar a advoga: achou-a imatura.

Aquilo na hora me chamou a atenção, pois tratou-se da simples reação de alguém que não é do universo jurídico diante de uma situação real de contratação de um profissional da advocacia, em mais um exemplo de como as redes sociais podem interferir na imagem e mesmo no processo de contratação.

Resolvi relatar essa história no meu perfil no facebook, onde meus amigos são, majoritariamente, advogados ou examinandos, e a reação da maioria foi ainda mais interessante: repudiaram a postura dessa minha amiga.

Reparem em alguns posicionamentos:

"As pessoas levam a "Dignidade e decência da Profissão" muito a sério. Não acho que uma simples "foto" de biquini da praia ou na balada desabone a conduta profissional da advogada. Tem muito advogado que no Facebook é santo, mas na vida real se possível vende até a mãe!!!"

"Não concordo!! Foto não prova, capacidade e a competência de uma pessoa, até pq existe vida social e profissional, lamentável ."

"A capacidade jurídica de alguém não se pode medir pela aparência.... mas....com a integração digital, os ramos profissionais são afetados pela vida pessoal dos profissionais..."

"Absurdo!! Fazer biquinho ou usar biquíni não desqualifica a profissional. Ademais não queremos clientes no Face e sim amigos."

"Quem é mesmo a imatura da história? rs . Lamentável!"

"Querendo ou não, vivemos em uma sociedade que é regida pela aparência. Ademais, a nossa própria profissão exigi sim postura e seriedade para ser levada a sério. "

"Claro que isso não deveria ser colocado em jogo ao se contratar um profissional, porém, vale o toque para muitos não só que querem advogar, bom como, almejam cargos públicos!"

"So uma coisa a relatar: essa pessoa que você conversou é uma idiota! Sem mais"

"A sociedade (leia-se nós mesmos) e assim. Mas me diz (sem vincular a questão pessoal da profissional) pra que postar foto de biquíni??? Aqui vai outra reflexão: pra que tanta exposição ( agora vem blá blá blá do livre direito do corpo, de se manifestar e tal)???"

"Caramba é f.....da por essas e outras que o país está nesta situação, julgam as pessoas pela aparência, e justamente os bonitões de terno e gravata, politicamente corretos em seus perfis são quem mais nos roubam..."

"Preconceito.. Não se mede capacidade intelectual por uma foto ou pelo jeito de se vestir."

"Imatura nesse caso é a pessoa q deixou de contratar a advogada por esse motivo. Apesar de atuarmos numa profissão q exige formalidade e boa aparência, temos vida social e merecemos momentos descontraídos."

"Esta advogada se livrou de uma preconceituosa...aff"

"Sabemos que esse tipo de preconceito acontece sempre. Experimente não estar apresentável (impecável) ... As pessoas normalmente olham advogado da cabeça aos pés... analisando pela aparência sua capacidade profissional. É a a TRISTE REALIDADE."

"A advogada se livrou foi de uma chata de galocha isso sim.... Sorte dela porque geralmente essas pessoas pegam no pe, sao doidinhas e se metem no processo achando que td que a gente faz nao ta certo, acha que o juiz tem de fazer o que ela quer e se a doida for casada ou tiver namorado ainda vai achar que vc ta dando bola pro mane. O dinheiro que cobramos nao paga a loucura da mulher. Essas que chegam no escritorio e sao perfeitas e fria."

"Até juíza posta foto de biquíni. Isso desqualificará a decisão dela?? É por essas e outras que o povo é enganado pelos espertalhoes"

"cliente machista! pq com ctz se visse o advogadO sem camisa em diversas fotos isso não seria um problema. Nos advogadas temos q nos empoderar mesmo! Em pleno século XXI tem cliente que não quer ser atendido por mulher só por esse fato, ser mulher."

"Algumas pessoas não entendem que advogados, juízes, médicos... São pessoas normais que tem vida social como todo mundo, alguns jovens, que saem normalmente, bebem... É preciso saber separar a vida pessoal da profissional..."

"Affffff... Quer dizer que advogado não pode ter vida particular, social, ir à praia e fazer uma pose face duck, que isso o torna imaturo e menos profissional!?! Melhor essa pessoa rever quem da relação é de fato imatura... Sem falar em preconceituosa!"

"Nossa, advogado é um ser humano normal, e as redes sociais não são profissionais, logo foto de biquíni e se divertindo é normal, seria errado se o ambiente de fundo fosse o escritório ou o fórum, nossa colega se livrou de uma cliente mala e chata!"

"Maurício, eu até concordo com meus colegas, afinal, temos uma vida fora da advocacia. Mas já ouvi isso de algumas pessoas. E acredito que não seja preconceito, mas aparência. O mundo gira, infelizmente, em volta da aparência. Na nossa profissão temos que aparentar seriedade. E as redes sociais são hoje o maior meio de veicular imagem. Por isso, acredito que devemos ter um certo prezo pelo o que publicamos."

"Desculpa, "temos que aparentar seriedade"? Mesmo que não sejam sérios? É esse tipo de advogado que o cliente procura? Sou mais o profissional que não vive de aparências, que mostra a cara e que tem direito a uma vida normal como qualquer outro profissional... Quem se preocupa em aparentar seriedade pode também estar aparentando competência... Só o que penso!"

"Cada coisa, imatura é a cliente que não sabe diferenciar profissional e pessoal, a maneira que eu me visto ou o que eu posto não interfere em nada em meu profissionalismo, qual seria a sugestão da cliente que a advogada fosse a praia de burca ou deixasse de ter vida por ser advogada? Qual a melhor opção? Um advogado tatuado não mereceria ter clientes então! Pensamento Atrasado por isso esse país não vai pra frente"

"Uai !!! pensei q ela ia contratar os serviços dela. O que tem haver fotos de biquine e fazer um biquinho... pra mim o mais importante e a competência do profissional. e advogada tbem tem vida social. Contrata uma freira."

"Acho que não tem nada haver deixar de contratar algum profissional por causa desses detalhes. Conheço pessoas que visualmente são malucas e irresponsáveis, mas na vida profissional são simplesmente os melhores, e vice versa. Como diz a Bíblia, enganosa é a aparência. Abraços"

A reação, majoritariamente, não foi muito boa. Minha amiga certamente ficou com a "orelha quente".

Vejam a totalidade das reações clicando AQUI.

A questão é: quem tem a "razão"?

Vamos começar falando sobre algumas coisas elementares dentro desta problemática para tentar tirar alguma conclusão útil.

Conceitos e preconceitos

Todos nós somos, em maior ou menor medida, resultados do nosso ambiente, resultado da nossa sociedade. Se eu, Maurício, brasileiro, por um acaso tivesse nascido no Japão ou no Zimbábue, muito provavelmente não teria a mesma personalidade que atualmente tenho, pois a minha construção de valores, minha cultura e minha história de vida seriam bem diferentes.

Ou seja, somos produtos de nós mesmos e TAMBÉM somos produtos do meio, da sociedade e da cultura circundante.

Isso vale para todos.

Logo, nós, que vivemos em uma coletividade, vamos encontrar pela frente, de forma ostensiva ou dissimulada, toda a sorte de visões de mundo, de conceitos e preconceitos, de juízos de valor distintos em função da percepção de mundo que cada um carrega e da cultura local.

Estamos sujeitos a isto e é IMPOSSÍVEL escapar da avaliação de terceiros em relação a nós mesmos. Todos fazem juízos de valor e todos sofrem com isto, sabendo ou não.

Amplificação

Vivemos profundamente dentro da era das redes sociais e isso vale para praticamente todo mundo. No tempo do Orkut nem todos estavam nela, mas agora, na era do Facebook, quase todo mundo está integrado a algum tipo de rede social.

E as redes sociais produzem um fenômeno interessante: a projeção da "persona" para uma multiplicidade de pessoas.

Mais interessante ainda: nós projetamos aquilo que queremos projetar, pois SELECIONAMOS o que vai ser publicado. Não é possível assim, mostrar o todo da persona. E claro, nós procuramos publicar aquilo que nós parecer mais benéfico para nós mesmos.

E o que é projetado, sem dúvida, é analisado por uma multiplicidade de pessoas, e elas, tal como tratei antes, tem seus conceitos e preconceitos.

Avaliamos e somos avaliados, e de uma forma meio distorcida, pois não projetamos tudo o que somos como também somos avaliados pelo o que entendem do que foi publicado, isso sem considerar que muito perde a possibilidade de ser avaliado em função do contexto imaginado por quem está publicando.

É algo a se pensar com calma.

Mercado

Uma boa parte dos comentários repudiaram a postura da minha amiga.

Compreensível, sob determinado viés.

O ponto é: advogado pode escolher cliente?

Alguns podem, outros não.

Um dos comentários me chamou bem a atenção: "nossa colega se livrou de uma cliente mala e chata!" De repente essa minha amiga possa até ser mala e chata, mas ela estava querendo CONTRATAR um advogado.

A cliente mala e chata queria pagar pelos serviços de um profissional da advocacia.

Imaginem só se resolvermos substituir o cliente chato pelo cliente assassino, psicopata, estelionatário, pedófilo, corrupto, charlatão, entre outros tantos tipos de clientes possíveis.

Complicado, não é?

O cliente, infelizmente, é o cliente, com todas as suas vicissitudes e necessidades. O advogado, por outro lado, é um viabilizador de soluções para o cliente, seja ele quem for.

Evidentemente, repito, o advogado pode selecionar o seu cliente, mas essa não é exatamente a realidade de todos. E se não é possível selecionar, é preciso aceitá-lo tal como ele é.

c6e1cc729e1e2b50673c0a194dbe0e5c

Projeção de imagem e vida profissional

Aqui o ponto em que eu queria chegar: se as redes sociais permitem a projeção da nossa imagem, moldada por nós mesmos, nós devemos amoldar a projeção aos nossos interesses profissionais ou devemos, simplesmente, sermos autênticos e divulgar o que para nós representa ser a nossa vida ou interesses?

Coloco essa questão imaginando, evidentemente, que eventual cliente queira conhecer um pouco mais seu futuro advogado. Não sei, confesso, se isso ocorre com frequência, mas a possibilidade é bastante real.

Eu conheço alguns advogados tão ciosos da própria imagem que simplesmente não colocam nada de suas vidas pessoais nas redes sociais, limitando-se a tratar de assuntos profissionais ou de amenidades, SEMPRE tomando o cuidado de evitar a emissão de qualquer posicionamento que possa ser considerado ofensivo a qualquer pessoa.

Tudo friamente calculado.

Para eles, o lado profissional é mais importante.

Por outro lado, vejo muitos advogados absolutamente indiferentes a essa problemática.

Quem está certo?

Para mim, no fundo, não existe isso de "certo ou errado". Cada um projeta sua imagem da forma como achar melhor, até porque quem já é advogado não é mais um menino: tem todas as condições de entender o que faz e de arcar com as consequências de suas próprias escolhas.

Mas é importante que ao menos uma reflexão seja feita, pois tudo gera consequências. É perfeitamente lícito não querer advogar para alguém "chato", mas o "chato" vai encontrar alguém que lhe preste o serviço. E esse alguém vai faturar os honorários.

Excesso de patrulha

Há o risco, é claro, de tudo não parecer uma espécie de patrulha exagerada, talvez mesmo uma paranoia, pois o mundo não estaria assim tão cheio de preconceituosos ou o número de clientes interessados em esmiuçar a vida de seu futuro advogado seja mínimo.

Pode ser.

Ainda assim a reflexão merece ser feita.

Imagem representa muito no mundo de hoje. Aliás, escrevi recentemente sob isto:

Reportagem do Fantástico detona com a imagem dos advogados: que lição VOCÊ pode tirar disto?

Neste texto tratei, especificamente, da questão da reputação.

Se as redes sociais permitem a projeção da persona, a reputação também é construída a partir daí.

O tema, claro, é bem polêmico.

Pensem nisso.