Segunda, 13 de junho de 2016
Ao olhar a imagem a primeira indagação a assaltar o cérebro é a de se perguntar como tal discrepância pode ser possível. Como um advogado pode receber uma proposta ínfima e ao mesmo tempo inferior a um profissional cuja maior qualificação é a de ter concluído o nível médio? E isso para desempenhar atividades com um grau de complexidade bem inferior.
Mas sim, é possível!
Bem-vindos ao maravilhoso mundo do mercado. Ele distorce o senso comum de formas inusitadas. E, curiosamente, ele está sempre certo.
Pode parecer herético afirmar isso, achar ?normal? um advogado receber uma proposta tão mirrada como esta, mas ela faz todo sentido. E o faz porque o mercado não ignora nenhum dos elementos que o compõe. Ele tem a capacidade de sopesar todas as variáveis e oferecer a solução para equilibrar a oferta e a procura.
E essa balança, a da oferta e da procura, oscila sobre o princípio basilar em que é estruturado todo e qualquer raciocínio de ordem econômica: a escassez.
O valor de um produto ou serviço está diretamente atrelado a disponibilidade dele no mercado. É um equilíbrio interessante criado pela disponibilidade do produto/serviço e pelo interesse gerado do consumidor pelo mesmo produto serviço.
Um exemplo simples: os diamantes são caros porque são raros (escassos). Por outro lado, um rolo de papel higiênico é barato porque é muito abundante e muito barato de se produzir, mesmo considerando sua alta demanda.
Já o ar atmosférico, esse mesmo que respiramos, não custa nada (ainda) porque é abundante e acessível.
Seguindo essa lógica, se olharmos o valor ofertado aos jovens advogados e o compararmos com valores ofertados a outros profissionais que irão desempenhar trabalhos de menor complexidade, com a exigência de uma qualificação menor, podemos interpretar o mercado.
A leitura não é muito complexa:
1 ? Temos 1308 faculdades de Direito no Brasil, que formam aproximadamente 100 mil novos bacharéis por ano;
2 ? Estimo que, ainda neste ano, cheguemos a marca de 1 milhão de advogados. Em janeiro deste ano éramos 945 mil, e agora já somos 979 mil advogados em apenas seis meses. Se no XIX Exame tivermos 26 mil aprovados, o que é um número bem factível, a marca será atingida antes de dezembro.
3 ? Segundo o CNJ existem cerca de 100 milhões de processos em trâmite no país, em dados de setembro de 2015. Seria praticamente 100 processos para cada advogado no país. Mas nós sabemos que essa divisão é apenas teórica.
O reflexo do colapso pode ser visto de várias formas.
O primeiro, é claro, são as ofertas salarias patéticas oferecidas pelo mercado. Diligências e mesmo audiências a R$ 20,00 são uma prova viva disto.
Outra sintoma aparece nas ações da própria OAB, que precisa criar verdadeiras campanhas para que o óbvio seja implementado. As imagens abaixo refletem isto:
Se a questão dos honorários advocatícios fosse segura e estável, esse tipo de campanha seria necessária? Essa é a pergunta.
Evidentemente, a reposta é negativa.
E que tal esse imagem aqui:
Não me lembro, jamais, em toda a minha vida ter visto algo parecido em uma sala de um médico, de um dentista, de um contador ou arquiteto.
Por que a advocacia precisa?
Há um problema "cultural" em cobrar pelas consultas na advocacia? Eu acredito que não...
A verdade é que poucos advogados o fazem, pois se um advogado cobra pela consulta há um outro ali perto que não o faz. Como também acontece, e muito, o leilão entre advogados. Está se tornando cada vez mais comumos clientes ficarem barganhando entre diferentes advogados para conseguir o serviço por um valor menor. Reflexo, é claro, de um excesso de profissionais atuando.
Falando nisto, que tal pensar um pouco a respeito da muito famosa tabela de honorários?
Obviamente, esse tabelamento de preços decorre da necessidade de se evitar o aviltamento na cobrança dos honorários contratuais. E se é necessário tabelar é porque muitos advogados cobram valores abaixo da própria tabela.
Sim! A Tabela de Honorários da OAB é diuturnamente ignorada pela classe. Não são muitos que cobram os valores fixados por ela e são menos ainda os que cobram acima do estipulado nela.
Ou que tal tratarmos da fixação do piso salarial, tão desejado pelos jovens advogados, em que pese a existência da figura do advogado associado?
Se um piso salarial é implementado, ele reflete a existência de um "mercado imperfeito", ou seja, um mercado que não consegue se regular sozinho e precisa de marcos legais para se manter estável, ou minimamente operacional. A demanda por um piso reflete explicitamente o aviltamento dos salários. É preciso uma lei, uma imposição legal, para evitar a exploração exarcebada da mão-de-obra disponível.
Sem o piso, os salários tendem a ficarem no mesmo patamar do salário-mínimo nacional. E sim, já vi ofertas de salário no valor do mínimo para jovens advogados.
Vejam os valores do piso salarial em cada estado. Lembrando que com a figura do advogado associado, esses valores raramente são efetivamente pagos:
E o que falar da explosão da publicidade irregular na internet e em quase qualquer outro lugar?
Enquanto a grande massa dos advogados respeitam o código, outros, sem muita cerimônia, fazem o possível para angariar clientes valendo-se de práticas vedadas pelo código de ética da OAB.
Fica difícil competir assim...
Esse é um exemplo entre muitos outros.
Hoje, sob este aspecto, e afirmo isto sem medo de errar, compensa SIM incorrer na divulgação irregular de serviços advocatícios.
A OAB não tem poder de polícia para coibir esse tipo de marketing.
Os instrumentos de fiscalização são muito restritos. Em regra a Ordem depende de denúncias de outros advogados para tomar providências e, o pior de tudo, a punição prevista na lei é simplesmente inócua (mera advertência!).
E aqui sequer abordei os problemas que estão ocorrendo na internet, que é outro universo e com um potencial lesivo aos profissionais que seguem o Estatuto e o Código muitíssimo maior.
Eis a grande verdade: ninguém briga pelo o que é abundante.
O ritmo de inclusão de novos advogados no mercado é muitíssimo maior do que a capacidade deste mesmo mercado de absorvê-lo.
Aqui, claro, temos a confluência de dois fatores: muitos novos advogados e uma economia em frangalhos. Aliás, o grosso da nossa balança comenrcial, até hoje, é estruturada na vendade de commodities (agrobusiness e mineração), o que atrapalha enormemente a entrada com qualidade dos advogados no mercado.
A culpa, diferentemente do que possam pensar alguns, não é da OAB. Aliás, está longe dela.
A culpa é da explosão de vagas nos cursos de Direito, explosão esta que está longe de acabar. Aliás, há indícios consistentes da possibilidade de ser aberta uma nova janela de expansão das faculdades de Direito, em razão das mudanças trazidas pelo processo de impeachment. Nesta semana ainda tratarei deste tema.
"E o que fazer?", pensariam os leitores preocupados deste texto.
Eu também já fui "carregador de piano" em bem mais de um emprego e senti na carne a desilusão de oferecer mais do que efetivamente recebi.
Em um destes empregos eu era responsável pelo setor de recursos para o TST. Fazia recursos de revista, agravos embargos e recursos extraordinários. Trabalhava tanto que simplesmente não tinha vida social, pois o escritório era grande e o volume de processos também.
Trabalhava sábados e domingos para dar conta da demanda e ouvia sempre a mesma coisa do meu chefe: "você é brilhante e terá um belo futuro conosco!" Até é interessante ser chamado de brilhantes, mas quando chegava o salário o brilho não era tão intenso assim. Eu era "brilhante" e recebia R$ 1.100,00 por tudo o que fazia.
Brochante...
O resultado disto foi que tive um ataque de ansiedade, traduzido por uma taquicardia inexplicável. Pensei até que era cardiopata! E sofrer isso foi necessário para eu me dar conta de que o meu trabalho, onde eu era "brilhante", estava me matando.
Pedi o chapéu...
Evidentemente, um tempo depois descobri que havia um outro ser "brilhante" no meu lugar, usando os meus modelos e se matando para dar conta do serviço.
Esse é o mercado, repleto de seres brilhantes, sorrisos, tapinhas nas costas e salários medíocres...
A primeira coisa a se ter em mente é que essa é a realidade. Como eu disse antes, o mercado nunca está errado.
E nunca está pelo simples fato de que os valores pagos e carga de trabalho distribuída corresponde a uma série de consensos informais estabelecidos por entre todos os empregados e empregados. Isso tudo é distribuído de forma bem equilibrada por todo o sistema sem que as partes, de forma deliberada, compactuem com os valores.
O mercado não vai mudar! Quem tem de mudar são os próprios advogados.
Se o salário é de apenas R$ 1.000,00 isso é reflexo exclusivo da condição pessoal do próprio advogado. O mercado está aí e continuará onde está; profissionais ávidos pelo seu emprego existem aos montes e não deixarão de existir, e isso não só na advocacia, diga-se de passagem.
Tenham em mente algumas coisas:
1 - O início da profissão é amargo, tal como apontado aqui. Muito trabalho e baixíssima remuneração.
2 - Um jovem advogado pode montar seu próprio escritório, mas estará "cru" para o mercado. Considere o fato, e isso é importante, de que adquirir experiência é um elemento importante para o processo de maturação.
3 - Adquirir experiência, e isso é uma troca que se tem com seu empregador, dá maturidade, não só profissional como pessoal. E maturidade é importante para os passos futuros.
4 - Ter para si mesmo um plano futuro DERIVADO do momento atual. Ou seja: atual emprego de R$ 1.000,00 é uma etapa para o próximo passo.
5 - Ao ter um plano, um projeto PESSOAL no futuro, tem-se FINALMENTE um jogo próprio para o mercado. Ou seja, é preciso ter uma estratégia clara para se chegar ao futuro sonhado, e implementá-la a ferro e fogo.
Uma verdade: se o mercado o trata como uma commoditie, é porque você possivelmente é. Logo, é preciso estabelecer um acentuado processo de diferenciação, para não ser visto no mercado como apenas mais um.
Toda a crise do sistema afeta quem não consegue enxergar saídas para a própria realidade, e também para quem não se esforça para tal.
Sim! A crise existe, está aí e as evidências se acumulam, mas, ainda assim, é possível ser diferente e ser tratado como tal.
Compreender o contexto é o primeiro passo.
Deixar de negar a realidade é o segundo.
Colocar a culpa nos outros é o terceiro de decisivo passo!
O quarto é pensar o mercado e estabelecer um estratégia.
E, por fim, botar a mão na massa.
Não queiram ser apenas mais um a ter de ir atrás de propostas salariais ínfimas. Em algum momento elas até podem até ser a realidade, mas só temporariamente. Tudo parte de um projeto maior!