Terça, 10 de novembro de 2015
Acabei de me deparar com uma publicação que certamente fará raiva em muitos jovens advogados. E não sem razão...
Vejam o anúncio abaixo, publicado em um site para jovens aprendizes:
Jovem Aprendiz Bancário 2016: Banco está com 1523 Vagas em Todo o Brasil
Instituição financeira de grande porte está convocando jovens para 1523 vagas de Jovem Aprendiz 2016, em todo o país.
Atividades do Jovem Aprendiz 2016:
Orientação nos caixas eletrônicos; Atendimento e recepção dos clientes; Triagem nas filas Direcionamento a utilização de canais alternativos; Esclarecimento de duvidas; Atualização cadastral; Cadastrar dados para contato e suporte em rotinas administrativas.
Requisitos mínimos / Competências e habilidades desejadas do Jovem Aprendiz 2016:
Idade: 14 a 23 anos, Bom relacionamento interpessoal e disponibilidade para aprender diversas tarefas.
Benefícios do Jovem Aprendiz 2016: Vale Transporte + Curso Técnico + Vale Refeição + Seguro de vida + Plano saúde.
O jovem trabalhará 6 horas por dia, 4 dias na empresa realizando as atividades práticas e 1 dia realizará as atividades teóricas fora da empresa (Curso de Técnico Bancário).
Fonte: JovemAprendiz.co
O trabalho é simples, sem a necessidade de maiores conhecimentos e uma formação mais avançada. A idade para trabalhar é mínima, dentro do limite legal e o período de trabalho é pequeno, com jornada de apenas 6 horas.
E o salário...bem, o salário está ACIMA do que a média do mercado tem pago aos jovens advogados. Não muito acima, é verdade, mas está acima, para uma atividade que exige uma formação mínima e que demandará atividades simples e desprovidas de qualquer complexidade.
É o ou não para dar raiva?
Mas, afinal, por que isso acontece? Por que o início de carreira do jovem advogado é tão inglório?
O que é que está errado com o mercado?
eu tenho um conhecido, um excelente professor de tributário e de mentalidade liberal, totalmente contra a intervenção do Estado na atividade econômica, que acha que o Exame de Ordem é uma excrecência exatamente por impor limites à atividade econômica livre, que também acha justíssima a atual realidade salarial da jovem advocacia.
E os argumentos dele são bons e teoricamente aceitáveis. Como já escrevi aqui uma vez, o mercado nunca está errado, ou seja, os valores livremente negociados refletem uma realidade, considerando um contexto extremamente complexo, cheio de variáveis.
O valor médio pago a uma determinada classe é o resultado final de uma série de consensos não pactuados, estabelecido pela livre contratação.
Na teoria ele está correto em acreditar nos valores hoje praticados no mercado são justos, mas é preciso estabelecer uma importante ponderação para entendermos a lógica atual, e também os valores praticados.
E a ponderação encontra com ele, o ente que estraga a liberdade econômica (ao menos no Brasil): o Estado!
O papel a atuação do Estado brasileiro, aqui reduzido para melhor compreensão à figura do MEC, explica bem o porquê do problema. O MEC, resumidamente, não sabe o que faz. Ou melhor, sabe, mas não se importa com as consequências.
O núcleo de todo o problema está na expansão irresponsável das faculdades de Direito. Todo o resto é subproduto dessa expansão.
No afã de atender ao lobby de grupos econômicos diversos, o número de faculdades de Direito no Brasil cresceu de forma absolutamente DESCOLADA das demandas requeridas pelo jurisdicionado. Existem mais advogados do que processos aptos a serem cuidados por eles.
Sim! São mais de 100 milhões de processos, é verdade, mas eles poderiam ser, por assim dizer, devidamente divididos pelo atual número de advogados: 900 mil.
Seriam 111 processos por advogado, o que não é muito.
Evidentemente, essa divisão não é feita assim. Temos escritórios com milhares ou dezenas de milhares de causas, temos ações do MP, temos as defensorias, os grandes escritórios, as ações coletivas, ações contra entes públicos, a previdência, e, por fim, centenas e centenas de milhares de advogados.
O bolo, por assim dizer, é distribuído de forma bem assimétrica. Quem chega agora ao mercado precisa, em regra, começar a catar os farelos, para depois de muito tempo poder sentar à mesa e ser um comensal digno.
É muito advogado para "pouca" causa, por assim dizer. Tudo fruto de uma expansão irrefletida.
O excesso de graduações - o grande e real problema no ensino superior jurídico - passa longe de qualquer discussão. Ou seja, não há um interesse real em resolver o problema, pois a causa dele permanece intocada.
UM FATO: nenhuma campanha para as seccionais, até agora, tratou deste tema. Zero, nada, coisa alguma! Para ninguém,e sta é uma causa relevante, quando ela é simplesmente a GRANDE e significativa causa dos problemas dos jovens advogados.
O ensino superior se transformou em business, muitíssimo mais preocupado com o lucro fácil do que com a formação dos estudantes, e as consequências são sentidas por aqueles que estão começando a profissão:
Uma frase do sociólogo Wilson Mesquita de Almeida me chamou bastante a atenção, pois convergiu com algo que digo há anos:
"Sabemos há muito tempo que grande parte das universidades privadas não faz um vestibular de verdade."
A lógica mercantilista gerou uma impressionante expansão no número de faculdade de Direito no Brasil a partir da década de 90. Durante a XXII Conferência Nacional dos Advogados Brasileiros, acompanhei pessoalmente o décimo painel do evento - "o Ensino Jurídico, Advocacia e Sociedade" - capitaneado pelo ex-presidente da OAB, Dr. Ophir Cavalcante, cujo tema foi a "Essencialidade do Exame de Ordem."
O Dr. Ophir retratou como se deu a evolução do número de faculdade de Direito de 1995 até outubro passado. A expansão foi traçada desta forma:
1995 ? 165 faculdades de Direito
2001 ? 505 faculdades de Direito
2014 ? 1284 faculdades de Direito
Isso representou um crescimento de 778,18% no período, algo verdadeiramente assombroso considerando que a qualidade do ensino médio no país não melhorou para o ensino superior acomodar tantos novos universitários.
As consequências são estas:
A "geração do diploma perdido", ou, como o Brasil fabrica profissionais que não sabem trabalhar
Estudantes de Direito têm deficiências do ensino básico
Isso representa, em termos práticos, o seguinte contingente de estudantes e examinandos:
1 - 282 mil novos estudantes por ano
2 - 125 mil examinandos por ano.
Como esperar que a remuneração dos jovens advogados seja digna?
Alguém acha que o piso salarial vai resolver algo? em especial quando a questão do advogado associado não for equacionada?
A verdade é: quando um piso salarial é instituído, ele reflete uma falha no mercado. A necessidade do piso demonstra que o mercado tem um problema e é preciso corrigi-lo. Ou, se o problema não encontra uma solução em si mesmo, mantém-se a interferência (o piso) e deixa as coisas "acontecerem", ou seja, não se faz nada.
Quem realmente acredita na possibilidade do MEC fechar faculdades de Direito no Brasil?
Eu não...
Quem acredita que a OAB vai pedir o fechamento de faculdades de Direito no Brasil?
Talvez até ocorra, mas nunca uma ação incisiva como esta foi levada adiante. No máximo a Ordem tentou impedir a abertura de faculdades, mas o lobby do empresariado foi muito mais forte.
Daí surge, portanto, a necessidade da adoção de um piso nacional que atenda tanto aos advogados empregados como também aos advogados associados, em alguma medida:
Seccional nenhuma, sozinha, vai resolver o problema. E nem mesmo, creio, o Conselho Federal, sem uma luta verdadeiramente séria e duradoura, conseguirá.
Logo, faz sentido ver ofertas de até um salário mínimo para jovens advogados: existem muitos deles no mercado, e um deles vai aceitar.
Diligências a R$ 15,00? Sim, alguém vai aceitar?
Audiência a R$ 30,00? Sim, um jovem advogado, sem espaço no mercado, vai aceitar.
Para fechar: onde está o debate sério sobre este tema no âmbito das seccionais? Onde estão as propostas que atacam o cerne da questão?
Cobrem de seus candidatos...ainda dá tempo.