Terça, 7 de janeiro de 2014
Não basta não ter passado no Exame de Ordem, é preciso também ser estigmatizado por isso. Essa parece ser a tônica a orientar a visão da sociedade sobre quem não conseguiu ainda ser aprovado na prova da OAB.
Hoje a Rede Globo divulgou a lista com o nome de todos os participantes do BBB 14 e, entre os participantes, tem uma moça chamada Letícia, de Belo Horizonte, que foi apresentada como bacharel em Direito.
Foi o estopim para o surgimento de uma série de comentários jocosos sobre o fato dela ser bacharel. Copiei uma série de manifestações no Twitter para ilustrar como um rol indistinto de pessoas passou a tratar a moça. Deliberadamente suprimi a foto e os nomes dos autores nos comentários:
Lamentável...
Primeiro porque ninguém sabe se ela sequer se submeteu a algum Exame: ela pode não ter feito nenhum. Ademais, em que pese a maioria dos estudantes e bacharéis se submeterem à prova da OAB, alguns optam por seguir outras carreiras jurídicas, pois nem todas exigem antes a prévia aprovação no Exame. Mais ainda: ela pode ter se formado mas nunca ter desejado exercer a advocacia, o que não é nada incomum.
Ou seja: existe um série de circunstâncias que desconhecemos para "justificar" o fato dela não ser advogada (como se isso fosse necessário).
E sim, ela pode ter reprovado uma ou mais vezes no Exame de Ordem.
E aqui, exatamente aqui, chego ao ponto: o preconceito contra quem reprova.
Os comentários, e isso é nítido, tratam-na como se ela fosse inapta ao exercício da advocacia por não ter siso apresentada como advogada.
No imaginário das pessoas passar no Exame de Ordem é uma obrigação. Quem é "inteligente" ou "capaz" deve necessariamente ser aprovado.
Isso não é verdade!!
O Exame de Ordem é uma prova MUITO difícil e reprovar é a REGRA, e não a exceção. Observem o quadro de inscritos nas últimas edições do Exame e constatem o baixíssimo percentual de aprovação em cada edição:
Não existe uma única causa responsável pela reprovação no Exame de Ordem. Há muito tenho a percepção de que as causa de reprovação são multifatoriais, e não são excludentes entre si. Isso compõe um quadro relativamente complexo e, infelizmente, sujeito a visões que visam explicar o problema da forma mais assimilável, como tachar alguém de incapaz ou burro.
Existem sim bacharéis em Direito que não compreendem um problema e não conseguem colocar no papel uma ideia com começo, meio e fim. E não são poucos!
O ensino jurídico fraco ajuda a reprovar? Com certeza! Talvez inclusive seja a causa preponderante de reprovações! Mais preocupante ainda é que a grande maioria das faculdades aplicam vestibulares risíveis e não reprovam nenhum acadêmico. Aliás,o estudante hoje (sem generalizar, claro!) é CONSUMIDOR e não ALUNO. Não se reprova consumidores!
Existem candidatos que levam a faculdade nas coxas? Com certeza! Muitos travam com sua instituição um verdadeiro pacto de mediocridade: "eu finjo que ensino, você finge que aprende, e no final do curso eu te dou um diploma". No Exame de Ordem a grande maioria das faculdades não conseguem aprovar nem 5% de seus egressos.
Por outro lado, MUITOS, MUITOS, MUITOS alunos interessados e estudiosos têm somente como paradigma de aprendizagem a sua faculdade medíocre, pagam por isso achando que estão aprendendo e ao fim de tudo descobrem que foram ludibriados porque o sistema (o Exame) lhes revela finalmente a verdade: sua faculdade não valia nada!! São VÍTIMAS dessas faculdades e da precariedade da fiscalização do MEC.
A OAB e a FGV cometem injustiças com os candidatos? Eu acompanho de perto o Exame de Ordem desde a prova 2007.3 e não me lembro de NENHUM Exame que uma injustiça ou um critério de correção equivocado não tenha derrubado quem merecia passar. Critérios de correção errôneos, falta de atribuição de pontos, provas extensas e desproporcionais, repetição de questões de provas anteriores, padrões de resposta equivocados, enunciados lacunosos, intervenções do MPF e mais um longo et cetera marcaram praticamente todas as edições do Exame de Ordem desde o tempo do Cespe, e em especial a gestão da FGV.
Existem candidatos preparados e estudiosos que sucumbem ao emocional? Aos MONTES! Essa certamente uma causa relevante a contribuir com muitas reprovações. Apesar da advocacia ser uma profissão que lida com antagonismos e enfrentamentos diários (de forma civilizada), onde a a timidez não pode ter espaço, quem está saindo da faculdade ainda está verde, independente da idade, para lidar com esse tipo de situação. É natural sentir a pressão.
Aliás, lidar com a pressão da família e da sociedade (colegas de emprego, amigos e conhecidos) já foi alvo de várias postagens minhas. E foi alvo porque isso é REAL, isso ATRAPALHA DE VERDADE muita gente. Não é lenda e não é frescura: a maioria dos candidatos sentem a pressão, e boa parte sucumbe diante dela.
Os comentários retirados das redes sociais dão uma boa amostra desta realidade: "o bacharel é aquele que não passa no Exame, logo, é incapaz."
Visão absolutamente preconceituosa.
E, evidentemente, o preconceito é a máscara por onde o homem esconde a própria ignorância, pois é mais fácil lidar com uma situação criando um conceito genérico e abrangente para fácil assimilação intelectual do que adentrar nos detalhes e tentar compreender o todo em sua complexidade.
Infelizmente o bacharel em Direito tem de lidar com um processo amplo de ESTIGMATIZAÇÃO.
Infelizmente quem reprova tem de ouvir um "você precisa estudar mais".
Sim! Estudar é a solução, a única solução, mas por detrás de uma reprovação há muito mais do que a maioria das pessoas conseguem perceber.
Não há vergonha NENHUMA em ser bacharel, pois cada um sabe bem de sua vida, de suas escolhas e de seus problemas.
Infelizmente poucos enxergam essa realidade.