Sexta, 15 de outubro de 2010
Afinal de contas, para que serve mesmo o Exame de Ordem?
Com a notícia de que existem mais faculdades de Direito no Brasil do que no resto do mundo, seu papel fica muito claro: Reserva de mercado.
Não só não existe outra explicação como qualquer outra justificativa fica pálida diante dos números - são 1.240 faculdades de direito, enquanto no restante do mundo, incluindo China, Estados Unidos, Europa e África, são 1.100 cursos. Temos 800 mil advogados, 3 milhões de bacharéis e 4 milhões de estudantes de direito.
Sem o Exame de Ordem o mercado da advocacia seria inviável. Isso é fato.
Ou seja, a reserva de mercado é uma necessidade.
Mas resolver o problema do ensino jurídico no Brasil impondo o Exame de Ordem poderia ser considerado apenas como uma solução no melhor estilo "gambiarra".
Não seria mais adequado reduzir o excesso de faculdades, a grande maioria consabidamente de qualidade ruim?
Nesse contexto o Exame é apresentado como solução para regular o acesso dos egressos que são submetidos a um ensino de baixa qualidade.
A atual situação pode ser classificada como uma normose. Um exemplo de normose: Algumas décadas atrás, fumar era chique, mesmo fazendo mal à saúde. Ou seja, uma situação considerada normal, apesar de fazer mal, além de amplamente aceita pela sociedade da época.
Centenas e centenas de faculdades, centenas de cursinhos, milhões de bacharéis, etc. A grande verdade é que a situação atual não só está constituída como também sedimentada. Qualquer pretensão de se reformar o atual modelo esbarrará inequivocamente em MUITOS interesses, e interesses capazes de fazer valer suas posições.
Daí a normose. Não pode ser normal que 3 milhões de bacharéis que gastaram bilhões de reais para se formarem fiquem fora do mercado.
Sim, eu escrevi bilhões de reais. Multiplique 75 mil reais (preço médio de um curso de Direito) por 3 milhões (número de bacharéis que não conseguiram passar no Exame de acordo com dados da própria OAB). Levando-se em conta que mais de 70% dos bacharéis das universidade públicas passam na prova, esse valor se aproxima bastante daquele efetivamente gasto por esse grupo até então.
Seriam então algo em torno de 225 bilhões de reais (o valor é menor, mas a estimativa se justifica) gastos inutilmente no ensino jurídico por 3 milhões de pessoas. De que vale um diploma de bacharel se não se pode advogar? O diploma de uma profissão que nunca poderá ser exercida?
Porque temos tantas faculdades de Direito? Já ouvi algumas histórias sobre esse tema, no melhor estilo de quando os interesses privados investem sobre os agentes públicos para dar um "jeitinho" e fazer valer suas necessidades.
Termos esse número de instituições é por si só um escândalo, uma vergonha e uma anomalia, mas parece que isso não é do interesse de ninguém, ou, não causa furor e vergonha na sociedade.
Esse excesso de faculdades gera uma tremenda concentração de riqueza nas mãos de poucos sem assegurar a contrapartida do direito a um ganha-pão por quem pagou pelo serviço.
Em suma, TUDO precisa ser repensado, mas, aparentemente, NADA será feito. A lógica do sistema requer tantas reprovações para que o próprio sistema em si continue operacional. As faculdades faturam, vendendo um "curso de direito", as editoras faturam, a OAB mantém o "mercado" saneado, sem "tantos" profissionais, os cursinhos faturam, dada a enorme demanda pela complementação de um ensino que deveria ser ofertado na própria instituição de ensino superior, e.... só não fatura quem pagou pelo ensino pensando que teria direito a uma profissão no final do curso.
A OAB deveria fazer campanha aberta para fechar as faculdades deficitárias. E são centenas delas.
Mas a Ordem dos Advogados do Brasil simplesmente não tem força para fazer isso. Talvez não tenha nem interesse também. Logo, o Exame de Ordem é a solução.
A conta vai para o bolso dos reprovados. E é uma conta pesadíssima.
Naturalmente que o Exame, como querem alguns, nunca vai acabar. Afinal, quem reúne mais instituições do que o resto do mundo não pode se dar a esse luxo.