Terça, 13 de março de 2012
No último dia 06 de fevereiro o Governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, sancionou o projeto de lei nº 686/11, que instituiu o piso salarial dos advogados empregados no setor privado.
A proposta estabeleceu um piso de R$ 1.500,00 mensais para uma jornada de 20 horas semanais, e de R$ 2.100,00 mensais para a jornada de 40 horas semanais ao advogado empregado privado. Prevê, ainda, o reajuste em cada primeiro de janeiro do ano subsequente, pela variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Na ocasião o presidente da OAB/DF, Dr. Francisco Caputo, explicou que o valor do piso não era satisfatório, mas possível dentro da realidade do mercado do Distrito Federal.
Na época imaginei que o sucesso de tal iniciativa encabeçada pela OAB/DF rapidamente repercutiria em outras seccionais, especialmente porque 2012 é ano eleitoral para a direção das seccionais em todo o Brasil.
A projeção verificou-se acertada, pois algumas seccionais já manifestaram o desejo de seguir o caminho trilhado pela OAB/DF:
OAB/PA - Advogado propõe piso salarial para advogados
""Segundo o projeto elaborado pelo conselheiro, o piso salarial do advogado privado seria de R$ 1.244,00 para jornadas de até 20 horas semanais e R$ 1.866,00 para jornadas de 40 horas semanais. De acordo com a proposta, os valores seriam destinados aos profissionais inscritos na OAB com até três anos de profissão. A partir do quarto ano de inscrição na OAB, o piso seria acrescido - obrigatoriamente - em 5% a cada ano até o limite de 20 anos, independentemente das correções legais. "Hoje, existe uma tabela da Ordem que regulamenta os honorários advocatícios, mas não ainda não há lei que determine o piso", lembra o advogado.""
OAB/PE - OAB-PE solicita piso salarial para advogados em Pernambuco
""A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Pernambuco (OAB-PE) e o Sindicato dos Advogados do Estado de Pernambuco (SINDAPE) encaminharam, através dos seus respectivos presidentes, Jayme Asfora e Edwaldo Gomes de Souza, nesta quarta-feira (12.08), ofício ao governador do Estado, Eduardo Campos, solicitando - através de um anteprojeto de lei - a instituição de um piso salarial mínimo de R$ 1.200 para os advogados empregados em Pernambuco.""
Mas me chamou a atenção o Projeto de Lei entregue pela OAB/CE a presidente da Assembléia Legislativa daquele estado no último dia 09 de março. A OAB/CE quer um piso de R$ 2.150,00 para uma carga horária de 04 horas por dia, ou 20 horas semanais.
Vejam trechos da notícia no site da entidade:
Piso do advogado: Projeto de Lei é entregue a presidente da Assembleia Legislativa
A OAB-CE entregou, na manhã desta sexta-feira, ao presidente da Assembleia Legislativa (AL-CE), Roberto Cláudio, o Projeto de Lei que objetiva instituir o piso do advogado empregado em empresas e escritórios de advocacia no Estado. De acordo com o conteúdo do documento, o objetivo é valorizar o trabalho do advogado com a implementação de remuneração mínima em R$ 2.150,00 e carga horária de quatro horas por dia.
O próprio presidente da Ordem cearense, Valdetário Andrade Monteiro, fez, pessoalmente, a entrega do Projeto de Lei. (...)
Conforme Valdetário, o primeiro passo para resgatar a dignidade do trabalho do advogado foi dado. ?No dia de hoje, vivemos a concretização de um trabalho conjunto apoiado pela Ordem cearense, de um longo estudo baseado na Lei 8.906, que visa restabelecer a valorização da advocacia?, assinalou.
Para o presidente do Poder Legislativo no Estado, o próximo passo será o debate da matéria pelos deputados. ?Acabamos de receber o Projeto de Lei do piso do advogado. Vamos apresentá-lo, seguir todos os trâmites na casa, passar pelas comissões técnicas, para que o assunto seja devidamente discutido e, posteriormente, votado?, emendou Roberto Cláudio. (...)
Fonte: OAB/CE
O valor proposto, de R$ 2.150,00 e carga horária de quatro horas por dia, chamou a atenção. Ele é bem superior ao estabelecido no Distrito Federal ou o proposto pelos seccionais do Pará e de Pernambuco.
Não quero entrar aqui no mérito se o piso é justo ou não - essa é uma outra discussão. Interessa-me saber se a proposta é viável e como o mercado vai reagir a ela.
Vamos partir da seguinte premissa: se é necessário criar um piso salarial para a classe é porque existe uma distorção no mercado que precisa ser corrigida. O mercado, neste caso, é imperfeito, pois necessita de uma regulamentação por parte do Estado.
O grande problema, quando falamos de um determinado mercado, reside em seu princípio mais basilar - o da oferta e procura - e a compatibilização dos valores praticados pelos escritórios (muitas vezes irrisórios), com a elevada procura por emprego.
Não faz muito tempo que escrevi sobre a realidade salarial dos advogados, comparando-a com a dos predreiros - O pedreiro, o advogado, o Exame da OAB e o mercado de trabalho. O grande número de formandos e a saturação do mercado da advocacia, apesar do Exame de Ordem, criaram um achatamento radical dos salários pagos aos jovens advogados. Por ano o Brasil forma mais de 80 mil bacharéis em Direito, sem contar os atuais 650 mil estudantes e quase 690 mil advogados cadastrados na OAB.
Em outra oportunidade publiquei aqui um post sobre um anúncio nos classificados do Correio Braziliense, reproduzindo uma oferta de emprego para advogado assistente:
"ADVOGADO ASSISTENTE PARA AÇÕES de cobrança salário R$ 850 + vt + va"
No começo de 2010 publiquei outra postagem, ainda no antigo Blog, sobre um outro anúncio nos classificados online do Correio Braziliense, com um conteúdo chocante:
"Oferta de emprego Oferta publicada em 12/07
Nível Superior
Produto/Serviço: MOTOBOYCOMOAB Preço:
ESCRITÓRIO ADVOCACIA MOTOBOY COM OAB contratamos. Interessados enviar curriculo para XXXXXXXXXXXX@gmail.com"
Essa postagem inclusive foi usada por outras mídias, porquanto ela, por si só, causava um impacto de estranhamento nas pessoas: ""Motoboy com OAB". Não é algo bonito de se ver; verdadeira depreciação da classe e da profissão.
Um amigo meu, Dr. Fabrício Mota, uma vez fez algumas considerações em um debate sobre a remuneração dos jovens advogados na antiga comunidade da OAB/DF no Orkut:
"é a "lex mercatoria" que impera... O sistema remuneratório da iniciativa privada segue um princípio básico do capitalismo: o valor está na raridade. A regra é simples até... Muitos advogados no mercado = remunerações mais baixas."
"muitos dos membros de qualquer administração (passada e presente) são donos de escritórios. Portanto, somente a pressão "popular" (no caso aqui, do eleitorado da OAB) é que pode mudar essa situação."
"sempre que a remuneração é regulada por atos normativos, o mercado também se adapta a essa intervenção no domínio econômico: piso salarial, logo que implementado, fatalmente gera mais demissões, maior enxugamento de estrutura, condições de trabalho mais cruéis para os que "sobrevivem" no emprego"
Essas observações, feitas com propriedade, demonstram um embate entre o "sistema" (o mercado) e as necessidades dos jovens advogados. Criar um piso, por força de normatização, necessariamente gerará um impacto no orçamento dos escritórios, dos empregadores, e isso implicará, muito possivelmente, em demissões, geradas como reflexo de ajustes para se equilibrar a balança contábil.
Remuneração baixa é a regra em um mercado saturado.
Além disso, como profissionais liberais, os advogados competem entre si pelo jurisdicionado, acarretando nas implicações naturais de qualquer competição: concentração / exclusão de mercado.
O questionamento que faço é: qual é o limite para o piso salarial do advogado?
Propor um valor mais elevado, tal como fez a OAB/CE, vai gerar demissões naquela seccional?
Como precificar o valor mínimo merecido por um advogado?
A pergunta é pertinente. Confesso que achei o valor proposto pela OAB/CE elevado. Naturalmente aspectos da economia regional devem ser considerados e aqui confesso que ignoro a realidade econômica atual do Ceará, mas ao menos tomando a média do DF, PA e PE, o piso proposto no CE está um ponto fora da curva.
Claro! Quem dera se fosse possível estabelecer um piso de R$ 4 mil. Mas a discussão não orbita o justo, e sim o possível, o factível.
Um piso acima da realidade dos escritórios necessariamente gerará uma reação. O mercado é um jogo dinâmico de várias e infindáveis etapas. A aprovação do piso seria uma etapa, a reação dos escritórios a etapa seguinte. Caso aprovado neste patamar, os escritórios, caso o piso revele-se elevado, irão demitir, ou converter os advogados empregados em advogados associados numa tentativa de manter o achatamento e o equilíbrio do fluxo de caixa.
Em suma: vão promover uma reação.
Como será a reação ninguém pode antever com precisão, mas é possível projetá-la com algum grau de acerto. No centro da questão a realidade econômica dos advogados de cada seccional.
Provavelmente daqui até o meio do ano quase todas as seccionais irão apresentar projetos idênticos, uns mais pragmáticos, outros menos.
No ultimo sábado conversei com alguns conselheiros da atual gestão da OAB/DF e eles contaram como foi o processo de definição do piso. Foram feitas pesquisas e realizados vários debates para se chegar a um valor factível. Mesmo assim, muitas críticas de jovens advogados surgiram, pois o piso na ótica de muitos foi considerado irrisório. E aqui, mais uma vez, esbarramos na dicotomia entre o justo e o possível.
Essa é uma questão importante e todo jovem advogado (e futuro jovem advogado) precisa se inteirar, pois ela se apresentará logo após a aprovação no Exame de Ordem. Será a base do início da carreira de todos vocês.
Um piso muito elevado pode gerar demissões e mais desemprego na classe, um piso baixo não resolve integralmente a questão da remuneração aviltante.
O que vocês acham? Quais são suas expectativas salariais no início da carreira?