Quinta, 22 de outubro de 2020
O relator da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Independência do Judiciário, Diego Garcia-Sayan, enviou ao governo brasileiro carta cobrando explicações sobre as operações de busca e apreensão que miraram advogados e escritórios de advocacia.
A carta foi enviada na segunda-feira (19/10), mas até agora não houve resposta por parte do governo brasileiro. No documento, Garcia-Sayan questiona a imparcialidade do juiz Marcelo Bretas, responsável por ordenar as operações, e a proximidade do magistrado com o presidente Jair Bolsonaro.
"Estou alarmado com uma aparente estratégia de alguns promotores e juízes de intimidar advogados por fazerem seu trabalho, particularmente quando estes defendem políticos. Parece que os advogados Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins foram visados como parte desta estratégia coordenada", diz a carta, em referência aos defensores do ex-presidente Lula.
Ainda de acordo com o documento, "a forma espetacular como a polícia realizou as buscas ? com ampla cobertura de jornalistas que haviam sido avisados previamente ? parece ser parte de uma estratégia destinada a desacreditar os advogados diante de seus pares, clientes e o público em geral".
"Juízes não deveriam se colocar em uma posição em que sua independência ou imparcialidade possa ser questionada. A fim de preservar a confiança pública no sistema judicial, é necessário que os juízes se abstenham de qualquer atividade política que possa comprometer sua independência ou comprometer a aparência de imparcialidade. A imparcialidade é essencial para o bom desempenho da função judicial", prossegue.
O documento lembra, por fim, que o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por 12 a 1, que o apoio aberto demonstrado por Bretas ao presidente Bolsonaro é incompatível com suas obrigações profissionais.
Intimidação
A carta foi enviada poucos dias depois de Roberto Teixeira e Cristiano Zanin relatarem à ONU a operação desencadeada por ordem de Bretas. No texto, eles informam sobre "a tentativa de intimidar" a advocacia.
"Para poderem desempenhar eficazmente os seus deveres profissionais, os advogados não só devem dispor de todas as garantias do devido processo garantido pelos direitos nacional e internacional, como também devem estar livres de pressões em relação aos juízes, procuradores e policiais. Uma administração justa e eficiente da Justiça exige que os advogados possam trabalhar sem serem submetidos a qualquer tipo de intimidação", afirmam os advogados.
O texto também informa que em 14 de setembro a OAB-SP chegou a emitir um relatório apontando que computadores, mídias e materiais do Teixeira, Zanin, Martins Advogados foram manipulados durante a operação de busca, inclusive nas salas de profissionais que sequer estavam indicados no mandado de Bretas.
"Há inúmeras publicações na imprensa brasileira e estrangeira sobre as medidas invasivas tomadas contra os reclamantes e sobre informações relacionadas à atuação de ambos como advogados, que deveriam estar protegidas pelo sigilo. É uma prática da operação 'lava jato' divulgar e vazar toda a investigação para a imprensa para que seus alvos sejam previamente condenados e demonizados pela opinião pública".
A operação
Em 9 de setembro, o juiz Marcelo Bretas ordenou o cumprimento de 75 mandados de busca e apreensão em endereços de empresas, escritórios e residência de advogados.
Os profissionais começaram a ser investigados a partir da delação premiada de Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio do Rio. O empresário foi preso duas vezes e tentava negociar acordo de delação premiada com o Ministério Público desde 2018.
Abuso sobre abuso
Em cobertura extensiva, a ConJur vem apontando abusos e ilegalidades flagrantes no ataque comandado por Bretas contra advogados. Com mandados genéricos e sem a devida especificação e individualização, foram ordenadas buscas em 33 endereços residenciais de advogados, com claro intuito de intimidação dos profissionais.
Além disso, Bretas invadiu a competência do Superior Tribunal de Justiça ao determinar o cumprimento de mandados na casa de três desembargadores: um deles com mandato no TRE de Alagoas; outro, do TRF-2, casado com uma advogada; e ainda uma terceira, do TRF-3, também casada com um advogado. O bote motivou manifestações de repúdio no meio jurídico.
O bote ainda tem erros de competência, já que a Fecomércio é uma entidade privada e deveria ser investigada pela Justiça Estadual; e de imputação de crimes, já que seus dirigentes não podem ser acusados de corrupção nem peculato. Em outra vertente há quem entenda que, por pretender investigar ministros do STJ e do Tribunal de Contas da União, a competência seria do STF.
Causou estranheza também o fato de Bretas ter aceitado a denúncia contra parte dos alvos praticamente ao mesmo tempo em que ordenou o cumprimento de mandados de busca e apreensão. Segundo especialistas, ou a denúncia estava bem fundamentada, dispensando a busca, ou ainda precisava de elementos comprobatórios, e não deveria ter sido acatada. O Ministério Público Federal do Rio alega que as duas frentes foram abertas porque a investigação ainda está em curso.
O ataque se baseia na delação do ex-presidente da Fecomércio do Rio de Janeiro Orlando Diniz. O empresário já foi preso duas vezes e vinha tentando acordo de delação desde 2018 ? que só foi homologado, segundo a revista Época, depois que ele concordou acusar grandes escritórios de advocacia. Em troca da delação, Diniz ganha a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 250 mil depositados no exterior, de acordo com o MPF do Rio.
Trechos vazados da delação de Diniz ainda mostram que o empresário foi dirigido pelo Ministério Público Federal do Rio no processo. Em muitos momentos, é uma procuradora quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.
Por fim, Bretas tentou bloquear quantias exorbitantes dos escritórios e dos advogados. Em investigação de supostos desvios de R$ 151 milhões, os bloqueios determinados pelo juiz ultrapassaram R$ 1 bilhão, e só não foram efetivados devido a um erro no sistema do Banco Central. Ele justificou os valores aplicando a cobrança de "danos morais coletivos" ao montante que teria sido recebido ilegalmente por escritório, o que não poderia ter sido feito em ação penal, segundo entendimento da 2ª Turma do Supremo.
Fonte: Conjur