OAB/RJ quer tabelar o valor pago aos "advogados audiencistas" em no mínimo R$ 200,00: tem como isso dar certo?

Terça, 6 de setembro de 2016

Nós sabemos, e sabemos mutíssimo bem, como anda a situação do mercado de trabalho. Há 4 anos publiquei um texto que repercutiu muito, e ele tratava exatamente do valor pago aos advogados audiencistas: R$ 20,00.

Sim! Tão somente vinte reais por audiência. Uma vergonha!

Ao longo destes anos já denunciei uma série de contextos sobre a realidade da advocacia, em uma clara demonstração da precarização da profissão e das dificuldades enfrentadas por quem está no mercado, especialmente os jovens advogados.

Em uma tentativa de modificar parcela desta realidade, a OAB/RJ vai tentar tabelar o valor pago por audiência, fixando-o em no mínimo R$ 200,00.

Será que isso tem como dar certo?

Vamos conferir primeiro a notícia do site da seccional; depois teceremos algumas considerações:

Colégio de Presidentes propõe valor mínimo para audiências avulsas

Depois de uma manhã de discussões nesta segunda-feira, dia 5, o Colégio de Presidentes de Subseção elaborou uma proposta de valores escalonados para audiências avulsas nos juizados especiais. A sugestão será votada na próxima sessão do Conselho Pleno, em 15 de setembro. Antes disso, a Seccional sediará, no dia 12, uma audiência pública para debater o tema.

A proposta aprovada pelo colegiado foi organizada pelo procurador da Seccional, Fábio Nogueira, e prevê que o valor pago aos profissionais em audiências de conciliação seja de R$ 200. Para audiências de instrução e julgamento, o valor varia de acordo com o número de salários mínimos da ação: até 20 salários mínimos, o valor da audiência é de R$ 200; entre 20 e 30 salários, o valor é de R$ 270; e para ações entre 30 e 40 salários, R$ 350.

Em caso de convolação, quando uma audiência de conciliação se torna de instrução e julgamento, o custo será o da audiência de instrução e julgamento correspondente ao número de salários mínimos da ação, acrescido de 50% do valor da audiência de conciliação.

“Os presidentes estão sendo procurados nas subseções para falar sobre esse assunto e a Ordem quer fazer algo concreto, que não venha complicar um cenário que já é muito complicado”, explicou o presidente da Seccional, Felipe Santa Cruz, na abertura do Colégio de Presidentes. Mais de cinquenta presidentes participaram do Colégio.

O colegiado discutiu a situação dos chamados advogados correspondentes, que são contratados por grandes escritórios e empresas para realizar audiências avulsas nos juizados especiais. Muitos presidentes levantaram a necessidade de estabelecer um piso para o valor das audiências, já que, atualmente, são pagos valores muitas vezes irrisórios para os advogados.

Debate

Segundo o presidente da subseção de Bangu, Ronaldo Barros, que propôs o debate, a maioria dos colegas que trabalham como correspondentes está no começo da carreira. “São jovens advogados, recém-formados, que não têm o mínimo de estrutura para trabalhar. Almoçam uma marmita entre uma audiência e outra”, disse.

Antes do colégio, os presidentes conversaram com os advogados em suas subseções e levantaram as principais demandas e necessidades de cada um deles. De acordo com o presidente da OAB/Petrópolis, Marcelo Schaefer, os correspondentes da cidade explicaram que, além dos valores muito baixos que recebem por audiência, existe uma grande dificuldade de atuação graças ao alto número de audiências que precisam realizar todos os dias. “É uma massificação das demandas. Os escritórios não estão preocupados com a atuação do advogado”.

O volume alto de audiências também foi lembrado pelo presidente da subseção de Piraí, Gustavo Abreu. “É humanamente impossível ter conhecimento pleno dos autos dos processos quando se realiza vinte audiências por dia. O advogado acaba se tornando um entregador de contestação e isso contribui para a desvalorização da profissão”. O presidente da subseção de Duque de Caxias, Vagner Sant’Anna lembrou que o tema foi amplamente discutido no Colégio de Presidentes realizado em Resende, em maio. “Estamos dando um passo no que foi iniciado em Resende”.

A necessidade de fiscalização e de promover uma campanha de valorização da advocacia foi levantada por vários presidentes durante o debate. Para o presidente da OAB/Resende, Samuel Carreiro, não se pode punir os colegas, que já são prejudicados. “Quem recebe esses valores aviltantes pelo trabalho está fazendo o suficiente para viver”, disse. A presidente da subseção da Leopoldina, Talita Menezes, concordou que é importante estabelecer uma fiscalização e promover campanhas de valorização da advocacia.

Felipe ponderou que não existe uma solução mágica para a situação dos advogados correspondentes. “O problema começa com a desvalorização dos juizados. Nós temos uma Justiça voltada ao consumidor que não atinge o consumidor e não faz o papel de punir essas empresas. Nós somos os porta-vozes da sociedade. Falar de remuneração dos advogados é falar de respeito da Justiça pela sociedade”, defendeu.

Fonte: OAB/RJ

Não queria ser chato, mas este tipo de iniciativa tende inexoravelmente ao fracasso, da mesma forma que as tabelas de honorários Brasil afora se transformaram em uma peça de ficção para a uma significativa parcela da classe.

A necessidade, ou percepção, de se tabelar a prestação de um serviço mostra, de forma inequívoca, que a relação entre oferta e demanda está desequilibrada. Existe um grande número de advogados oferecendo seus serviços para fazer audiências. Como se trata de um trabalho de baixa complexidade jurídica - especificamente nos juizados - praticamente qualquer advogado recém-formado pode lidar com essa atividade. Como a "mão-de-obra" é abundante e homogênea, os contratantes (escritórios que lidam com causas de massa) podem oferecer valores ínfimos que ainda assim encontrarão advogados dispostos a lidar com o serviço.

A causa por detrás do problema está na quantidade de advogados, muito superior ao demandado pelo mercado.

Caso a tabela da OAB/RJ seja aprovada, ela vai ser simplesmente ignorada. Quem paga R$ 20,00 em uma audiência JAMAIS vai pagar R$ 200,00. E quem depende dos R$ 20,00 muito provavelmente não vai denunciar quem se recusa a cumprir a tabela, pois dali em diante corre o sério risco de não conseguir mais nenhum trabalho.

Lutar contra as relações de oferta e procura, sem ter ao seu lado nenhuma força coercitiva para impor eventual tabelamento, simplesmente não vai funcionar.

A raiz do problema, de todo ele, está na expansão irrefreada de faculdades de Direito, fenômeno que começou lá em 1993. De 260 faculdades passamos para 1308. O sistema não aguentou a expansão, pois a economia do país não cresceu na mesma proporção. 

Como fechar faculdades de Direito não está na pauta de ninguém, solução de verdade não irá surgir. E mesmo que fechassem 2/3 das faculdades hoje, levaríamos uns 15 anos para a pressão da concorrência nessa área sentir uma redução verdadeira.

E, para quem não sabe, o MEC em breve irá liberar a abertura de mais instituições, redundando em um futuro aumento da pressão no sistema.

Não se iludam: a situação não vai melhorar...