O risco da ?concurseirização? das faculdades de Direito

Terça, 5 de julho de 2011

Dizem que providências só são tomadas depois que a porteira é arrombada.

No caso do ensino jurídico a porteira está arrombada faz tempo.

Mas, não é o fato em si responsável por mudanças, e sim a notícia: afinal, o que os olhos não veem, o coração não sente.

Raras vezes vi uma movimentação na web de uma notícia relativa ao Exame tal como a publicada hoje pela OAB sobre as faculdades que não aprovaram nenhum de seus egressos - OAB divulga lista com as 90 faculdades com índice zero no Exame de Ordem

Assim como também repercutiu muito a lista de aprovados por IES no último Exame, e o desempenho trágico das faculdades, em especial as privadas - O fracasso do ensino jurídico brasileiro: Desempenho das faculdades no Exame de Ordem é catastrófico

Essas notícias ganharam um imenso efeito viral: saíram em tudo quanto é mídia, desde jornais, televisão, sites, rádios e a internet. Um frisson só.

E quando isso acontece, vem a sensação da porteira arrombada.

É óbvio que as faculdades irão reagir, em especial porque a exposição negativa é terrível, afora o medo de eventuais ações prometidas pela OAB para coibir o descalabro da reprovação e da péssima qualidade do ensino:

OAB requer que cursos com aprovação zero no Exame fiquem sob supervisão do MEC

Faculdades privadas na berlinda: OAB mostra a discrepância entre o Ensino Público e o Particular

Hoje muitas faculdades, mas muitas mesmo, oferecem aos seus alunos, dentro de suas instalações, cursos para o Exame de Ordem. Ou gratuitamente ou vinculado a algum curso preparatório.

Incluindo aí a própria Faculdade de Direito da FGV, elaboradora do Exame. Para seus alunos, fazer o curso é disciplina obrigatória.

Tudo isso porque o Exame de Ordem, quando seus dados estatísticos são públicos, gera uma enorme visibilidade para qualquer instituição, seja para o bem, seja para o mal.

E a regra, pelo visto, é para o mal: a maioria apresenta um desempenho medíocre.

E como o ensino hoje se confunde muito com "business" (assim mesmo, em inglês), providências precisam ser tomadas, afinal, a propaganda é a alma do negócio, e se a propaganda é ruim, a alma tende a ir para o inferno.

Ninguém quer isso.

Hoje o Exame de Ordem já pontua a graduação, mas com tamanha exposição negativa, e, com o medo que ela gera, a graduação em Direito no Brasil corre o sério risco de virar um cursão para o Exame de Ordem.

E o abismo entre as instituições públicas, que ainda têm pesquisa e extensão sérias, em relação as privadas, tenderá a aumentar.

Os "cursões" serão ao melhor estilo "esquematizado", fáceis de digerir, focados no resultado e na IMAGEM que o resultado propicia, e, ao fim, nos $$$ que ingressam no caixa.

Aí todo mundo fica feliz.

Menos a qualidade do ensino.

A situação do ensino jurídico no Brasil é precária, e o Exame de Ordem não é responsável por isso. Na realidade, ele revela o estado das coisas, assim com o recente exame de suficiência em Contabilidade também revelou:

O Exame da OAB fazendo escola: Exame de Suficiência da classe contábil tem alto índice de reprovação em todo o Brasil

O problema é conjuntural, não é só do Direito ou da Contabilidade.

E o futuro do ensino superior no Brasil, assim como do ensino jurídico, mobilizado em função de resultados e não do ensino de qualidade, do aprendizado e da pesquisa, é muito preocupante.

Ou, como já escrevi anteriormente, sinistro.

Falta debate, falta planejamento e faltam metas nessa área.

O plano de expansão do ensino superior é uma conversa de comadres envolvendo o MEC, a ABMES e as instituições financeiras. Que outros segmentos da sociedade participaram dos debates?

Quando o diálogo ganhou projeção nacional?

Não ganhou.

Não existe um planejamento mínimo entre o que o Brasil quer ser no futuro e os rumos que a educação precisa tomar para que esse futuro seja viabilizado. Será que o Brasil, como nação, quer continuar sendo um grande exportador de commodities?

Daqui uns 10 anos nós vamos descobrir...