Quarta, 18 de agosto de 2010
Segue um interessante artigo do Dr. Fabrício Mota, advogado em Brasília e especialista em Direito Constitucional, sobre o recurso administrativo no Exame de Ordem. E-mail: fabricio.mota@degrazia.com.br
O recurso administrativo no Exame de Ordem e sua importância procedimental
Faltam pouco menos de 12 horas para o término do prazo recursal previsto no Edital de Abertura do Exame de Ordem 2010.1. É possível que um grande número de candidatos não se contentem com a reprovação e lancem mão desse instrumento administrativo, plantando, assim, a semente da persistência em seus espíritos, a qual um dia poderá dar os frutos de uma advocacia plenamente exercida. Não há nada de errado, nem obscuro, tampouco vergonhoso, em exercer o direito à segunda opinião. Essa insatisfação, típica do ser humano, é a matriz do princípio constitucional do duplo grau de jurisdição: um direito tão nobre (e humano) que foi alçado à categoria de norma fundamental pelo constituinte originário. Por isso, recorrer é medida que se impõe a todos aqueles que se sintam injustiçados ou que acreditem em opiniões divergentes daquelas ditas ?oficiais?.
A esse respeito, inclusive, não é demais advertir que o recurso administrativo de que tratamos não repercute apenas no processo seletivo em si. Esse instrumento vai além: sua interposição e análise em definitivo preenchem, por exemplo, condições de procedibilidade para impetração de mandado de segurança, segundo entendimento majoritário. Veja-se que a Lei nº 12.016, de 2009, em seu art. 5º, inc. I, veda expressamente o cabimento da ação mandamental quando se tratar de ?ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução?.
Além disso, a fase recursal do processo seletivo público é a única oportunidade que tem o candidato ? nos estritos limites do Provimento nº 136, de 2009, da Resolução nº 11, de 2010, e do próprio Edital ? em provocar a revisão do entendimento das Bancas Examinadora e Revisora acerca das questões a que foram submetidos e respectivas correções. Isso porque o Poder Judiciário já pacificou entendimento repudiando o controle jurisdicional das decisões admistrativas públicas de mérito, em um gesto de fortalecimento do poder de discricionariedade. No entanto, exceções (raríssimas) são feitas: quando há inequívoca violação de direitos, flagrante transgressão de normas constitucionais ou legais ou, ainda, erros grosseiros por parte do administrador público.
Ora, somente em julho deste ano, foram ajuizadas mais de 80 ações na Justiça Federal do Distrito Federal ? que, desde esse Exame 2010.1, passou a ser competente para processá-las, conforme artigo publicado recentemente neste Portal ?, tendo havido a impressionante estatística no deferimento de medidas liminares inferior a 10% (dez por cento), sem um único caso de reforma pela via do agravo de instrumento ou retido no TRF da Primeira Região.
E o que sustentam os juízes e desembargadores federais que indeferem 90% dos pedidos liminares? A impossibilidade de ?interferência judicial no mérito administrativo? e de ?substituição da Banca Examinadora pelo Poder Judiciário?, pois isso implicaria ?usurpação da função administrativa? e ?violação do princípio da separação dos Poderes?. E sempre consignam as seguintes exceções a esse rígido entendimento: ?situações manifestamente ilegais, desarrazoadas e em confronto com o edital? (TRF1, AGA 2004.01.00.059561-5/BA; Relator Juiz Federal Manoel José Ferreira Nunes, 5ª Turma, DJ 28/04/2005). De fato, quando verificadas essas situações, as medidas são prontamente concedidas.
Por certo, não se pode sustentar o mérito administrativo e a atuação política da administração pública em seus próprios negócios quando há afronta à Constituição Federal ou às leis regentes. Vivemos em um Estado Democrático de Direito, o que pressupõe respeito e submissão às normas vigentes. Além disso, o administrador público somente pode agir se autorizado pelo legislador, o que também significa que somente deva agir em conformidade com as leis.
Em vista disso, fica aqui uma sugestão: a criação de um banco de dados público e voluntário com os espelhos de correções dos candidatos bem-sucedidos. Essa prática ocorre de forma ainda muito embrionária na Comunidade do Orkut deste Portal. Ora, a internet e a mobilização social dela decorrente, que permitem o sucesso de blogs e portais como este, servem como estímulos para uma medida espontânea dessa natureza. E tal sugestão é especialmente válida quando se leva em consideração que uma das poucas possibilidades de intervenção do Judiciário está na violação do princípio constitucional da isonomia entre candidatos: não raro, a mesma questão do mesmo certame é respondida da mesma forma por dois ou mais candidatos, que logram pontuações distintas. Ainda que o administrador público possa, dentro de seu poder de discricionariedade, considerar as questões e respostas como certas ou erradas, segundo sua conveniência, tal não se pode esperar do critério de correção, que deve ser igual para todos os candidatos. Por isso, estando os espelhos disponibilizados pelos próprios candidatos para consulta pública e para serem utilizados como paradigmas, fatalmente as chances de sucesso tanto nos recursos administrativos previstos no Edital como nas medidas liminares pleiteadas aumentariam consideravelmente.
No mais, é sempre recomendável aos candidatos irresignados elaborarem seus recursos com máxima atenção e zelo, além, claro, de sólida fundamentação. Não façam recursos ?copiados?, nem lancem mão de respostas padronizadas ou manifestamente infundadas e incoerentes. Essa é uma excelente oportunidade para darem início à carreira que pretendem exercer: agindo como advogados de seus próprios interesses. E o fato de haver limitação de 1.000 caracteres não facilita em nada sua tarefa. Pelo contrário, escrever toda sua insatisfação em um curto parágrafo poderá revelar-se tarefa hercúlea para muitos.
Enfim, possivelmente o ditado popular segundo o qual ?a união faz a força? pode ganhar um novo contorno, se os próprios candidatos assim o quiserem.