O estudo pela legislação seca e as questões objetivas da prova da OAB/FGV

Terça, 12 de abril de 2011

Qual a natureza das questões objetivas do Exame de Ordem?

Tal questionamento surgiu ao me questionar sobre a possibilidade de se utilizar apenas a lei seca como fonte de estudo.

Em um post da semana passada escrevi que a melhor forma seria assistindo aulas ou lendo a doutrina, e em ambas o candidato deve efetivar uma consulta ao ordenamento jurídico correlato ao tema - Exame de Ordem 2011.1 ? Como se preparar para a próxima prova da OAB?

O estudo com a utilização da doutrina, lei seca, aulas e resolução de exercícios parece ser o mais adequado, principalmente em função do ordenamento do conteúdo de forma lógica e sistematizada, o que a leitura da lei seca, usada de forma exclusiva, por vezes não permite.

Ademais, já está bem claro que o estilo de formulação das questões pela FGV vai além do sistema empregado pelo CESPE, exigindo do candidato a compreensão de conceitos jurídicos de forma mais abrangente do que os obtidos com a simples leitura da lei.

Ou seja: o candidato não pode ficar adstrito aos códigos, sob pena de enfrentar sérias dificuldades na prova objetiva.

Existem duas modalidades de elaboração de questões. A primeira é a conceitual, e a segunda é a problematizadora.

A modalidade conceitual (conteudista) envolve a compreensão de um conceito e sua identificação dentro da questão, atendendo-se ao enunciado. O candidato precisa conhecer o conteúdo e identificar a assertiva correta em função do enunciado.

A utilização da memória e a percepção do certo e do errado são as chaves para a solução.

Na modalidade problematizadora (operatória) o candidato precisa não só conhecer o conceito como também estabelecer um raciocínio para identificar qual a solução mais adequada para o problema. Neste caso, será necessário o uso do raciocínio para estabelecer a adequação entre o conceito, o problema hipotético e a solução adequada. Ou seja, é preciso raciocinar.

O Dr. Rogério Neiva escreveu um post muito interessante em seu blog em que trata com mais detalhes sobre essa distinção - Como estudar para Concursos: Lei Seca x Doutrina

E como é no Exame de Ordem sob a égide da FGV?

A resposta a essa pergunta determina, de forma inexorável, o melhor sistema de estudo a ser usado pela candidato.

Vamos primeiro identificar questões de natureza conceitual cobradas nas duas últimas prova da FGV. Todas elas não exigem raciocínio do candidato, somente a compreensão do tema e o estabelecimento de uma correlação entre o lei e a resposta adequada.

(OAB/FGV 2010.2) A respeito do Conselho Nacional de Justiça é correto a?rmar que:

(A) é órgão integrante do Poder Judiciário com competência administrai va e jurisdicional.

(B) pode rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de Tribunais julgados há menos de um ano.

(C) seus atos sujeitam-se ao controle do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

(D) a presidência é exercida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal que o integra e que exerce o direito de voto em todas as deliberações submetidas àquele órgão.

O enunciado "A respeito do Conselho Nacional de Justiça é correto a?rmar que:" é extremamente sucinto, remetendo a atenção do candidato para as alternativas e exigindo deste o conhecimento estrito da letra da lei. O enuciado simples é quase vazio de informações, apenas remetendo ao tema de interesse da banca, informando tão somente o tema jurídico alvo e o tipo de resposta a ser escolhida, no caso, a correta.

A alternativa correta, B, decorre da letra da lei: Art. 103-B, § 4º, V, da Constituição Federal.

É fácil perceber que tal questão exige apenas o uso da memória, sem nenhum raciocínio extra.

Esse tipo de questão é propicia para a inclusão das chamadas "pegadinhas", fartas no tempo da FGV. A pegadinha consiste em uma tentativa da banca em confundir o candidato com soluções muito parecidas, sendo que uma das alternativas apresenta a modificação de um ou dois termos que a invalida como resposta correta.

A pegadinha gera dúvida e reduz a probabilidade de acerto.

Vejam alguns  enunciados (sem as alternativas), todos do Exame 2010.2 do caderno de prova tipo 01, que seguem a mesmíssima lógica da questão acima:

04 - Em relação aos Ministros de Estado, a Constituição do Brasil estabelece que:

22 - Com relação ao regime da solidariedade passiva, é correto a?rmar que:

33 - Com relação ao procedimento da execução por quani a certa, contra devedor solvente, fundado em título extrajudicial, é correto a?rmar que:

37 - Acerca da revelia é correto afirmar que:

42 - No contexto da teoria das nulidades do contrato de trabalho, assinale a alternativa correta.

58 - A respeito do regime legal da prescrição no Código Penal, tendo por base ocorrência do fato na data de hoje, assinale a alternativa correta.

68 - Relativamente  às regras sobre ação civil  ?xadas no Código de Processo Penal, assinale a alternativa correta.

96 - Tendo por substrato  legal as alterações promovidas pela Lei n. 12.010, de 2009 no tocante à adoção, assinale a a?rmativa correta.

100 - Nas ações coletivas, o efeito da coisa julgada material será:

Entretanto, é bom ressaltar que tal tipo de questão não se presta somente a medir conhecimentos relativos à letra da lei, sendo que conceitos jurídicos-doutrinários também podem ser exigidos. Confiram:

(OAB/FGV 2010.2) Assinale a alternativa que apresente requisitos intrínsecos genéricos de admissibilidade recursal.

(A) Capacidade, legitimidade e interesse.

(B) Preparo, interesse e representação processual.

(C) Representação processual, preparo e tempestividade.

(D) Legitimidade, tempestividade e preparo.

Claro que capacidade, legitimidade e interesse são requisitos legais de admissibilidade recursal, mas a abordagem feita na questão é nitidamente doutrinária-conceitual, sendo muito mais adequado estudar pela doutrina neste caso.

Vejam agora um outro tipo de questão de natureza operativa em que a resposta correta COMPLEMENTA o enunciado:

No Direito Público brasileiro, o grau de autonomia das Agências Reguladoras é de?nido por uma independência

(A) administrativa total e absoluta, uma vez que a Constituição da República de 1988 não lhes exige qualquer liame, submissão ou controle administrativo dos órgãos de cúpula do Poder Executivo.

(B) administrativa mitigada, uma vez que a própria lei que cria cada uma das Agências Reguladoras de?ne e regulamenta as relações de submissão e controle, fundado no poder de supervisão dos Ministérios a que cada uma se encontra vinculada, em razão da matéria, e na superintendência atribuída ao chefe do Poder Executivo, como chefe superior da Administração Pública.

(C) legislativa total e absoluta, visto que gozam de poder normativo regulamentar, não se sujeitando assim às leis emanadas pelos respectivos Poderes legislativos de cada ente da federação brasileira.

(D) política decisória, pois não estão obrigadas a seguir as decisões de políticas públicas adotadas pelos Poderes do Estado (executivo e legislativo).

A questão acima é nitidamente conceitual-doutrinária, e o estudo deve ser pautado na leitura de um livro.

Há também o estilo de questão tal como mostrada abaixo, em que palavras que complementem o sentido do texto devem ser escolhidas. Esse tipo de questão apresenta, ao meu ver, uma alta probabilidade de confundir o candidato, se aproximando muito do propósito de um "peguinha".

(OAB/FGV 2010.2) Assinale a alternativa que preencha corretamente as lacunas do texto:

?para a ocorrência de __________, não basta a imputação falsa de crime, mas é indispensável que em decorrência de tal imputação seja instaurada, por exemplo, invesigação policial ou processo judicial. A simples imputação falsa de fato de?nido como crime pode constituir __________, que, constui infração penal contra a honra, enquanto a __________ é crime contra a Administração da Justiça?.

(A) denunciação caluniosa, calúnia, denunciação caluniosa.

(B) denunciação caluniosa, difamação, denunciação caluniosa.

(C) comunicação falsa de crime ou de contravenção, calúnia, comunicação falsa de crime ou de contravenção.

(D) comunicação falsa de crime ou de contravenção, difamação, comunicação falsa de crime ou de contravenção.

Vamos analisar agora questões de natureza problematizadoras.

As questões que exigem o raciocínio do candidato são mais trabalhosas, exigem não só o conhecimento da norma e da doutrina como exige sua adaptação ao problema. Ou seja, não sbasta conhecer, é preciso compreender e adaptar.

Vejam uma típica de situação-problema na qual o candidato precisa refletir para encontrar a alternativa adequada. O enunciado é bem mais extenso e conta uma caso, uma história (a que chamamos de situação-problema) exigindo uma leitura bem mais atenta para a correta compreensão do enunciado. Aqui temos uma primeira e forte distinção das questões operativas:

(OAB/FGV 2010.2) Em determinado procedimento administrai vo disciplinar, a Administração federal impôs, ao servidor, a pena de advertência, tendo em vista a comprovação de ato de improbidade. Inconformado, o servidor recorre, vindo a Administração, após lhe conferir o direito de manifestação, a lhe impor a pena de demissão, nos termos da Lei nº 8112/90 e da Lei 9784/98.

Com base no fragmento acima, é correto a? rmar que a Administração Federal

(A) agiu em desrespeito aos princípios da e?ciência e da instrumentalidade, autorizativos da reforma em prejuízo do recorrente, desde que não imponha pena grave.

(B) agiu em respeito aos princípios da legalidade e autotutela, autorizativos da reforma em prejuízo do recorrente.

(C) não observou o princípio da dignidade da pessoa humana, trazendo equivocada reforma em prejuízo do recorrente.

(D) não observou o princípio do devido processo legal, trazendo equivocada reforma em prejuízo do recorrente.

Vejamos outra questão problematizadora, nos mesmos moldes da anterior:

(OAB/FGV 2010.2) Mauro Ricardo decidiu não pagar o imposto de renda do último ano, pois sua esposa Ana, servidora pública, sofreu acidente de carro e foi declarada absolutamente incapaz, em virtude de traumatismo craniano gravíssimo. Ocorre  que a Receita Federal efetuou o lançamento e notificou Mauro, nos termos da lei, acerca do crédito tributário em aberto. Quando Mauro recebeu a notificação, ele se dirigiu  à Receita e confessou a infração, pronti?cando-se a pagar, de imediato, o tributo devido, sem multa ou juros de mora.

A partir do exposto acima, assinale a a?rmativa correta.

(A) A con?ssão de Mauro tem o condão de excluir a sua responsabilidade, sem a imposição de qualquer penalidade. Entretanto, ele deve pagar o tributo devido acrescido dos juros de mora.

(B) Mauro somente se apresentou à Receita após a notificação, o que exclui qualquer benefício oriundo da denúncia espontânea, devendo ele recolher o tributo devido, a penalidade imposta e os juros de mora.

(C) A incapacidade civil de Ana tem re?exo direto na sua capacidade tributária, o que signi?ca dizer que, após a sentença judicial de interdição, Ana perdeu, igualmente, a sua capacidade tributária, estando livre de quaisquer obrigações perante o ?sco.

(D) Caso Mauro  tivesse procedido com mera culpa, ou seja, se a sonegação  tivese ocorrido por mero esquecimento, ele poderia pagar somente o tributo e os juros de mora, excluindo o pagamento de multa.

Agora vejamos questões do Exame de Ordem 2010.3, cuja prova objetiva estava repleta de questões problematizadoras:

(OAB/FGV 2010.3) O prefeito de um determinado município resolve, por decreto municipal, alterar unilateralmente as vias de transporte de ônibus municipais, modificando o que estava previsto nos contratos de concessão pública de transportes municipais válidos por vinte anos. O objetivo do prefeito foi favorecer duas empresas concessionárias específicas, com que mantém ligações políticas e familiares, ao lhes conceder os trajetos e linhas mais rentáveis. As demais três empresas concessionárias que também exploram os serviços de transporte de ônibus no município por meio de contratos de concessão sentem-se prejudicadas.

Na qualidade de advogado dessas últimas três empresas, qual deve ser a providência tomada?

(A) Ingressar com ação judicial, com pedido de liminar para que o Poder Judiciário exerça o controle do ato administrativo expedido pelo prefeito e decrete a sua nulidade ou suspensão imediata, já que eivado de vício

e nulidade, por configurar ato fraudulento e atentatório aos princípios que regem a Administração Pública.

(B) Ingressar com ação judicial, com pedido de indenização em face do Município pelos prejuízos de ordem financeira causados.

(C) Nenhuma medida merece ser tomada na hipótese, tendo em vista que um dos poderes conferidos à Administração Pública nos contratos de concessão é a modificação unilateral das suas cláusulas.

(D) Ingressar com ação judicial, com pedido para que os benefícios concedidos às duas primeiras empresas também sejam extensivos às três empresas clientes.

(OAB/FGV 2010.3) A sociedade empresária denominada KLM Fábrica de Móveis Ltda. teve a sua falência decretada. No curso do processo, restou apurado que a sociedade, pouco antes do ajuizamento do requerimento que resultou na decretação de sua quebra, havia promovido a venda de seu estabelecimento, independentemente do pagamento de todos os credores ao tempo existentes, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, e sem que lhe restassem bens suficientes para solver o seu passivo.

Diante desse quadro, é correto afirmar que a alienação é

(A) revogável por iniciativa do administrador judicial.

(B) ineficaz em relação à massa falida.

(C) nula de pleno direito.

(D) anulável por iniciativa do administrador judicial.

(OAB/FGV 2010.3) Em 7 de fevereiro de 2010, Ana, utilizando-se do emprego de grave ameaça, constrange seu amigo Lucas, bem-sucedido advogado, a com ela praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Em 7 de agosto de 2010, Lucas comparece à delegacia policial para noticiar o crime, tendo sido instaurado inquérito a fim de apurar as circunstâncias do delito.

A esse respeito, é correto afirmar que o promotor de justiça

(A) deverá oferecer denúncia contra Ana pela prática do crime de atentado violento ao pudor, haja vista que, por se tratar de crime hediondo, a ação penal é pública incondicionada.

(B) nada poderá fazer, haja vista que os crimes sexuais, que atingem bens jurídicos personalíssimos da vítima, só são persequíveis mediante queixa-crime.

(C) deverá pedir o arquivamento do inquérito por ausência de condição de procedibilidade para a instauração de processo criminal, haja vista que a ação penal é pública condicionada à  representação, não tendo a vítima se manifestado dentro do prazo legalmente previsto para tanto.

(D) deverá oferecer denúncia contra Ana pela prática do crime de estupro, haja vista que, com a alteração do Código Penal, passou-se a admitir que pessoa do sexo masculino seja vítima de tal delito, sendo a ação penal pública incondicionada

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Ao se comparar a prova do Exame de Ordem 2010.2 com a do Exame 2010.3, é nítida, muito nítida a distinção entre os tipos de questões cobradas. Os enunciados da prova 2010.3, e também as assertivas, são na média muito mais extensas que do Exame anterior, além de utilizarem com muito mais frequência questões problematizadoras.

Não por acaso, o percentual de reprovação da última prova foi bem maior do que a prova 2010.2...

Na 1ª fase do 2010.3 0 percentual de aprovados foi de 24,83%, e na 1ª fase do Exame 2010.2 o percentual de aprovados na 1ª fase foi de 44,80% dos candidatos inscritos.

Enunciados mais extensos demandam mais tempo, cansam mais e aumentam a probabilidade de distrações e perda de foco, afora o fato das questões serem mais intrincadas dificultam mais a escolha da assertiva correta

Que lição tirar disso?

Primeiro que não existe, após se analisar os tipos de questões, um "esquema" ou "macete" para resolver as provas: ou o candidato sabe ou não sabe!

Desconfiem de soluções milagrosas para a resolução das questões, de técnicas de chute e assemelhados. O Examinando tem de estudar! E tem porque a natureza da prova, que aparentemente vai privilegiar questões problematizadoras, pois estas asseguram ou percentual de reprovação maior, exigem uma compreensão mais abrangente do Direito.

Tal como escrevi na postagem Exame de Ordem 2011.1 ? Como se preparar para a próxima prova da OAB? o estudo para o Exame de Ordem deve ser estruturado da seguinte forma:

1 - Leitura da doutrina ou acompanhamento de uma aula acompanhado da leitura SIMULTÂNEA ou logo POSTERIOR da legislação correlata na medida da evolução da leitura ou aula (na aula online o aluno pode parar a aula, ler o que quiser, e depois continuar do ponto onde parou. Isso representa uma imensa vantagem em termos de estudo que a aula presencial ou satelitária não podem acompanhar). Aqui o candidato estabelece os vínculos entre os conceitos, as teorias e a norma;

2 - Elaboração pequenos resumos ao término de cada tópico do livro que está sendo estudado. A elaboração de resumos, feitos DE CABEÇA, não só ajuda a delimitar o que não foi apreendido com a leitura inicial como é uma importantíssima etapa de fixação do conteúdo. Se você lembra, o conteúdo, ao menos naquele momento está fixado;

3 - Revisão do conteúdo estudado dentro de um período em específico, uma vez por semana, por exemplo. Essa medida atende à preocupação em se avançar no estudo do conteúdo sem perder a informações previamente estudadas. Ou seja, avançar nos estudos sem esquecer o que ficou para trás. Esta medida é basilar.

Por quê?

Por que a compreensão do Direito precisa ser mais abrangente, e a utilização de fontes distintas de estudo (aulas, doutrina, legislação) combinadas com a resolução de exercícios é a metodologia que, hoje, atende ao que a FGV está propondo como prova.

Tenham em mente que o tempo do Cespe passou e esta prova É diferente! Antes se vendia a ideia de que o estudo exclusivo da lei seca atendia às necessidades dos candidatos. Eu acho que nunca atendeu, e agora eu tenho essa certeza.

Faço aqui uma sugestão de leitura muito relevante para quem quer estudar com qualidade. Dois posts do Dr. Rogério Neiva, hoje a maior autoridade em preparação para concursos públicos no Brasil:

Leitura e Estudo: existe diferença?

Como fazer Provas Objetivas de Concursos Públicos e Exames

Bons estudos!