O deputado, o sommelier e o advogado

Terça, 30 de agosto de 2011

Ontem foi sancionada a Lei 12.467/11 que regulamenta a profissão de sommelier.

Para quem não sabe, sommelier é aquele profissional encarregado em conhecer os vinhos e assuntos relacionados. Também cuida da compra, armazenamento, rotação de adegas e elabora cartas de vinho em restaurantes.

É um profissão bem sofisticada e certamente muito agradável. Afinal, viver de conhecer o vinho só pode ser bom...

A regulamentação da profissões é o assunto da moda, principalmente em função da questão do Exame de Ordem. Deve existir o Exame ou o exercício profissional tem de ser livre?

Assunto polêmico.

A aprovação da Lei 12.467/11 não foi em conformidade com o projeto original. A presidenta da república VETOU o art. 2º da lei. Vejamos a redação sancionada ontem:

""Art. 1º Considera-se sommelier, para efeitos desta Lei, aquele que executa o serviço especializado de vinhos em empresas de eventos gastronômicos, hotelaria, restaurantes, supermercados e enotecas e em comissariaria de companhias aéreas e marítimas.

Parágrafo único. (VETADO).

Art. 2º (VETADO).

Art. 3º São atividades específicas do sommelier: (...)""

Vejamos agora a redação original:

""Art. 1º (...)

"Parágrafo único. É opcional aos estabelecimentos referidos no caput deste artigo a oferta da atividade exercida pelo provador de vinho ou degustador."

Art. 2º Somente poderão exercer a profissão de ?Sommelier? os portadores de comprovantes de habilitação em cursos ministrados por instituições oficiais ou privadas, nacionais ou estrangeiras, ou aqueles, que à data de promulgação desta Lei, estejam exercendo efetivamente a profissão há mais de 3 (três) anos. (...)""

E agora, a mensagem de veto:

""Mensagem de Veto nº 340, de 26.08.2011 - DOU 1 de 29.08.2011

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei nº 17, de 2011 (no 4.495/2008 na Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre a regulamentação do exercício da profissão de Sommelier".

Ouvidos, os Ministérios da Justiça, da Educação e a Advocacia-Geral da União manifestaram-se pelo veto aos seguintes dispositivos:

Parágrafo único. do art. 1º

"Parágrafo único. É opcional aos estabelecimentos referidos no caput deste artigo a oferta da atividade exercida pelo provador de vinho ou degustador."

Art. 2º

"Art. 2º Somente podem exercer a profissão de Sommelier os portadores de certificado de habilitação em cursos ministrados por instituições oficiais públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, ou aqueles que, à data de promulgação desta Lei, estejam exercendo efetivamente a profissão há mais de 3 (três) anos."

Razões dos vetos

"A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XIII, assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, cabendo a imposição de restrições apenas quando houver a possibilidade de ocorrer algum dano à sociedade com a necessidade de proteção ao interesse público. Ademais, a redação conferida pelo parágrafo único do art. 1º poderia sugerir a obrigatoriedade da contratação de Sommelier pelos estabelecimentos citados no caput, violando o princípio da livre iniciativa."

Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.""

Mas que interessante!

O art. 5º, XIII, da Constituição Federal, que trata EXATAMENTE da liberdade de profissão, não é visto de forma absoluta. De acordo com a mensagem de veto, cabe a imposição de restrições apenas quando houver a possibilidade de ocorrer algum dano à sociedade com a necessidade de proteção ao interesse público.

Logo, exigir dos sommeliers certificados de habilitação em cursos ministrados por instituições oficiais públicas ou privadas não faz sentido. Um sommelier não tão bom assim poderá causar, no máximo, um gosto ruim no paladar.

Aliás, essa lógica foi também observada pelo STF no julgamento do RE 414426, que tratou do registro dos músicos - Registro de músico em entidade de classe não é obrigatório.

Para a então Ministra Hellen Gracie, ?A liberdade de exercício profissional ? inciso XIII, do artigo 5º, da CF ? é quase absoluta?, ao negar provimento ao recurso. Segundo ela, qualquer restrição a esta liberdade ?só se justifica se houver necessidade de proteção do interesse público, por exemplo, pelo mau exercício de atividades para as quais seja necessário um conhecimento específico altamente técnico ou, ainda, alguma habilidade já demonstrada, como é o caso dos condutores de veículos?.

A ministra considerou que as restrições ao exercício de qualquer profissão devem obedecer ao princípio da mínima intervenção, a qual deve ser ponderada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Para a ministra, o exercício da profissão de músico não não implica em qualquer risco de dano social. ?Não se trata de uma atividade como o exercício da profissão médica ou da profissão de engenheiro ou de advogado?

A ministra foi seguida de forma unânime pelos demais ministros.

Então vejam só: o veto da presidência e o posicionamento do STF são rigorosamente os mesmos. Só cabe restrição ao exercício profissional na hipótese de risco social ou um conhecimento específico altamente técnico.

Por isso o art. 2º da lei do sommelier foi vetado.

Sabem o que é mais curioso? O autor do Projeto de lei 12.467/11 é o deputado Eduardo Cunha. Sim, aquele que na semana passada surgiu como o novo inimigo do Exame de Ordem - O calcanhar de Aquiles da OAB

Sua indignação teria nascido por ter sido retirado da relatoria do novo CPC a pedido da OAB. A Ordem entendeu que um parlamentar sem conhecimentos jurídicos não poderia ser o relator da matéria. Vejam a declaração do deputado registrada pela Folha.com:

""Cunha também criticou a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que pediu a sua saída pelo fato de ele não ser advogado. Ele disse que criaria uma Frente Parlamentar em defesa do fim do exame da Ordem.

"A profissão de médico que é muito mais grave a consequência do erro, pois pode ceifar vidas, não exige exame do CRM porque tem de ter da OAB? O melhor que a gente pode fazer e debater esse exame da Ordem que é um dos maiores absurdos que existem", diz ele."" (Fonte: Folha.com)

Eis então o inexplicável! A qualificação para ser advogado é considerada absurda, segundo o deputado, mas a qualificação para o exercício da profissão de sommelier não é!

O parlamentar é contrário ao Exame (cliquem AQUI para ver a proposta original da lei 12.467/11) mas em sua lógica, o sommelier tem de ser qualificado.

Claro, o deputado não chegou ao ponto de exigir um "exame para sommeliers", mas foi longe o bastante para exigir qualificação em um ofício que prescinde, absolutamente, desse tipo de "graduação", na mesma medida que os músicos também prescindem desse controle.

Em suma, o parlamentar quer lançar um frente contra o Exame de Ordem e prometeu inclusive apresentar um projeto de lei contra a prova da OAB. Um projeto idêntico a esse já foi arquivado (PLS 186/06) e antes mesmo de arquivado foi desfigurado por seus relatores.

E a PEC 01/2010 foi praticamente sepultada pela maioria dos senadores no começo deste ano - Por unanimidade, a CCJ do Senado aprova manutenção do Exame da OAB ? Vejam os vídeos!

Não sei quais são as motivações do deputado Cunha, mas me parece que ele entrou de cabeça em um jogo que desconhece por completo. Talvez por isso, para ele, os sommeliers tenham de apresentar qualificação, e os advogados, não.

Um dia saberemos!

Tim-tim!