Metodologia de estudo para a OAB e as rotas de aprendizagem no cérebro

Terça, 3 de maio de 2016

É importante ler a legislação seca para estudar para o Exame de Ordem? Há 8 anos atrás, quando criei o Blog, vi um comentário que me motivou muito a escrever especificamente sobre metodologia de estudo.

Mais até, sobre uma metodologia específica para o Exame de Ordem, cujo conteúdo é mais restrito se comparado ao de concursos públicos e cujo lapso de tempo (em regra 4 meses) é bem restrito.

O comentário foi o seguinte: "para fazer a prova da OAB basta ler a lei seca."

Achei a afirmativa curiosa, pois só lei a norma crua e nua me pareceu algo exagerado, em especial porque eu estudei lendo resumos específicos para a OAB e acompanhando tudo com a lei seca.

A afirmativa, portanto, tomada ao pé da letra, não é válida: é preciso mais!

Mas ela não está errada quando falamos em estudar, não só para a OAB como também para qualquer concurso na área jurídica.

E por que é importante?

A importância deriva, em especial, do método utilizado pela FGV na formulação das questões.

Um estudo conduzido pelo doutor e professor do Departamento de Educação da UFSCar - Universidade Federal de São Carlos - João Virgílio Tagliavini, coordenador de um trabalho sobre a estruturação do Exame da OAB, definiu da seguinte forma a estrutura das questões da prova objetiva:

a) 75,75% das questões enfatizam a memorização das normas;

b) 13,75% são questões com foco na doutrina;

c) 1% abordam aspectos jurisprudenciais e;

d) 9,5% abordam mais de uma fonte do direito.

Ou seja, de forma preponderante o conhecimento da norma é importante para se responder as questões da 1ª fase.

Mas o estudo não pode ser conduzido só pela leitura da lei. E isso por dois motivos significativos:

1 - É preciso dar contexto à lei, compreendê-la através da explanação dos doutrinadores. Trata-se, na verdade, de expandir a compreensão da norma por meio da leitura de uma doutrina ou do acompanhamento de uma aula. A apreensão conceitual aumenta se uma leitura SIMULTÂNEA com a doutrina é feita, em especial porque os institutos jurídicos nem sempre são lineares, tal como apresentados na norma seca.

2 - Só, e somente só adotar um processo de compreensão reduz a capacidade de absorção do conteúdo. Ler é a forma primária como aprendemos, mas, digamos, é preciso fazer mais.

Aqui eu vou usar uma alegoria para explicar melhor o conceito.

Imaginem uma pista, com início e fim, onde o início é o livro e o fim é a apreensão do conteúdo no seu cérebro. Vamos usar a imagem abaixo como representação desta pista:

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Quando você lê, a informação sai do livro, transita pelos seus olhos, é decodificada pelo seu cérebro e vira memória. Quer dizer, vai para a memória e ficará lá por mais ou por menos tempo.

Se o processo de estudo só utilizar uma única pista, a fixação do conteúdo ocorre, é verdade, mas ocorre com limitações.

Agora imaginem uma outra pista, a pista abaixo:

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Essa é uma outra pista, usada quando vamos resolver exercícios, por exemplo. Aqui o processo é diferente! Ao invés da informação "entrar" pela primeira pista, na verdade o cérebro é que pega a informação, que está na memória, e faz o caminho inverso, saindo da memória até ir para o papel, quando o candidato marca uma alternativa correta por exemplo.

O processo neurofisiológico foi diferente, mas, ainda assim, a mesma informação colhida na primeira pista foi usada, só que transitando por uma outra pista.

O estudante leu, depois pegou a informação e respondeu uma pergunta. O uso de duas pistas diferentes ajudaram-no a fixar melhor o conteúdo, pois o cérebro teve que trabalhar com a mesma informação valendo-se de pistas distintas.

Agora imaginem uma terceira via:

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Aqui nesta pista o processo também é diferenciado.

Ao invés de responder uma pergunta, o estudante elabora um resumo valendo-se do que tem na memória e PENSA sobre o que estudou, explicando para si mesmo o que aprendeu.

Este já é um terceiro processo, diferente dos dois primeiros. Diferente, mas não desconexo, pois os dois primeiros são importantes para a apreensão do conteúdo.

A diferença está na forma como se trabalha a informação. Há evocação, como na segunda pista, mas este processo exige um pouco além do que meramente se resolver questões, pois aqui não há uma pergunta prévia a ser respondia, e sim a declinação pessoal dos conceitos já anteriormente apreendidos.

Conclusão: o estudo NÃO pode ser um processo que siga por uma única pista, um processo de apreensão de conceitos de forma linear. É preciso usar várias "pistas" para consolidar o que está sendo estudado.

A base disto é neurofisiológica:

video-brain

Estão vendo o gif acima? Ele é um trecho de uma filmagem das mais importantes: cientistas capturaram visualmente a forma como o cérebro cria memórias, filmando MOLÉCULAS à medida em em elas se transformam em pensamentos.

E como é que um pensamento é formado?

Como vocês sabem, nosso cérebro é um gigantesco emaranhado de neurônios. Na realidade são aproximadamente 86 bilhões de neurônios, o que é algo impressionante. E essas células todas não correspondem ao total de células de compõem a massa encefálica, mas algo em torno de 50% do total, segundo a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da UFRJ, que há poucos anos conseguiu determinar com uma maior precisão o total dessas células no cérebro.

Imaginem então o número de sinapses que interligam tudo isso aí. Será que dá para fazer ao menos uma estimativa? Dá, e parece que são aproximadamente 100 trilhões delas, formando o órgão mais complexo da natureza: o nosso cérebro. 

Curiosamente, enquanto o genoma humano possui 3 bilhões de bases nitrogenadas (as ?letras? do DNA), o cérebro possui 85 bilhões de neurônios. Cada célula humana abriga cerca de 20 mil genes, mas o número de sinapses em um cérebro beira os 100 trilhões. Poderíamos dizer que é uma mágica tudo isso funcionar tão perfeitamente.

Pois bem, os neurônios comunicam-se entre si através das sinapses. Na ponta de cada sinapse nós temos os dentritos, que agarram-se uns aos outros, mais ou menos da mesma forma que uma mão agarra outra.

Aí vem o ponto: há uma forte crença entre os cientistas (crenças, e não fato cientificamente comprovado....ainda)  que as memórias surgem quando são formadas conexões estáveis e DURADOURAS na sinapse, quando um neurônio fica em contato um com os outros.

O gif acima é resultado de uma filmagem feita por cientistas da Universidade Yeshiva (EUA). Eles colocaram marcadores fluorescentes em algumas moléculas envolvidas no processo de criação de memórias. Com isto, conseguiram vê-las "viajando" no cérebro de uma cobaia, em tempo real e em neurônios vivos.

Dois vídeos abaixo mostram isso:

First-Ever Footage of a Brain Thinking

The Molecular Basis of Memory: Tracking mRNA in Brain Cells in Real Time

Tem um texto explicando o processo com um pouco mais de propriedade sobre o tema:

Molecular Basis of Memory - Watching Molecules Morph into Memories - Breakthrough Allows Einstein Scientists to Probe How Memories Form in Nerve Cells

E como foi feito o experimento?

Os cientistas estimularam, primeiramente, os neurônios do hipocampo da cobaia, local onde são feitas e armazenadas as memórias nos animais superiores (aves, peixes, anfíbios, répteis e mamíferos), para depois acompanhar as moléculas fluorecentes (marcadas), identificáveis como os pontos fluorecentes do vídeo (mRNA de beta-actina). Ao final do processo, as moléculas viajam pelas ramificações do neurônio, os dendritos ? e lá se formam as memórias.

O Dr. Robert Singer comentou sobre o experimento:

"Fizemos a observação de que os neurônios ativam seletivamente a síntese de proteínas e, em seguida, a desativam. Isso se encaixa perfeitamente em como acreditamos que as memórias são formadas. Estímulos frequentes ao neurônio tornariam o mRNA disponível em fluxos frequentes e controlados, fazendo com que a proteína beta-actina se acumule precisamente onde ela é necessária para fortalecer a sinapse."

Todo o processo foi documentado em dois artigos da Science.

Existem variadas formas de estudo, e todas são customizáveis em função do perfil do estudante. O objetivo de toda elas, evidentemente, é o de SEDIMENTAR o conhecimento de forma perene no cérebro. Umas são mais ou menos eficientes do que outras.

Certas técnicas favorecem a memorização, outras, a compreensão do conteúdo.

Até onde sei, um maior domínio sobre um determinado objeto de estudo demanda um tempo MAIOR de estudo, exatamente para que as moléculas possam formar conexões nos dentritos mais estáveis. Estou falando da formação da memória profunda.

A memória superficial, ou de curto prazo, se estabelece porque a sedimentação das moléculas formadoras da memória não é intensa e duradoura o suficiente. Simples assim.

Seguindo essa premissa, por analogia, o uso das fontes de estudo também, em certa medida, obedecem essa lógica. A limitação a uma única fonte de estudo não permite que o estudante apreenda por inteiro a complexidade de conceitos entremeados no universo jurídico, incluindo aí o Exame de Ordem. 

Eis o ponto: não permitem porque não favorecem exatamente a deposição das moléculas que forma a memória. Quando se utiliza mais de uma "via" de estudo, essa deposição passa a ser mais consistente, auxiliando na fomração da memória profunda,.

Não é só a leitura da Lei, mas também da doutrina, a resolução de exercícios, a jurisprudência. Com mais fontes de estudos, maior a amplitude da reflexão sobre o objeto de estudo, sobre o conteúdo jurídico alvo do interesse do estudante. Tudo isso embasado na sedimentação de moléculas e fortalecimento das conexões entre as sinapses.

Temos livros, aulas e a lei para serem trabalhados, por  diversas formas de apreensão de conteúdo, para enfim forma uma "pista" complexa e fluida, repleta de conhecimentos:

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O cérebro é um órgão notável. Ele, em alguma medida, maleável, capaz de se adaptar a uma série de distintos processos. Evidentemente ele possui limites, mas, aqui para o nosso objetivo, quanto mais demandarmos dele, mais ele irá responder. Não é algo que ocorra da noite para o dia, mas isso acontece sim.

Não existem "mágicas" quando falamos em estudar. Estudar toma tempo, cansa e demanda até aspectos de ordem emocional. Mas com o tempo, com as metodologias certas, com a percepção de que o conteúdo está sendo devidamente apreendido, o estudante se adapta e torna a aprendizagem um processo bem assimilável.

Tudo depende, em larga medida, de disciplina. O resto vem por consequência.