Terça, 23 de dezembro de 2014

Por anos, muitos anos mesmo, a OAB sonhou, brigou e pleiteou junto ao MEC o direito de fazer com que seu parecer quanto a abertura de novas faculdades de Direito fosse vinculativo. Ou seja, caso a Ordem entendesse que o pedido de abertura de uma nova faculdade devesse ser indeferido, o MEC não poderia autorizar essa instituição (IES) a funcionar.
Seria então a instituição do chamado "Parecer Vinculativo" da OAB.
Em 2013 a OAB e o MEC acordaram em criar um grupo de trabalho para estabelecer alguns regras para o ensino superior jurídico:
1- o estabelecimento de nova política regulatória para o ensino jurídico;
2 - a definição de critérios para a autorização, o reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de Direito;
3 - a identificação periódica da demanda quantitativa e qualitativa de profissionais do Direito;
4 - identificação periódica da capacidade instalada de campo de prática para a realização de estágios supervisionados;
5 - a definição de critérios para acompanhamento e avaliação do atendimento à demanda social para fins de manutenção da quantidade de vagas e do próprio curso;
6 - a definição de diretrizes para avaliação do resultado de aprendizagem dos estudantes;
7 - e a definição de diretrizes para a elaboração do instrumento de avaliação dos cursos de Direito.
À época o então ministro da educação, Aloísio Mercadante, disse que "o Brasil não precisa de mais advogados":
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, disse que o Brasil não precisa de mais advogados. A frase foi dita em evento do Grupo de Líderes Empresariais (Lide) durante a apresentação do ministro sobre os indicadores de educação do Brasil e os projetos futuros de seu ministério. Mercadante comemorou o aumento do número de engenheiros formados no país. ?Nós temos um excesso de advogados."
Fonte: Felipe Patury
Tratei do tema amplamente aqui no Blog ano passado:
OAB e MEC estudam nova política regulatória de ensino jurídico
MEC decide limitar expansão de cursos de Direito em todo país
Fechou o balcão para os cursos de Direito, afirmam OAB e MEC
Essa era a esperança da OAB de limitar a expansão dos cursos de Direito e conter, na medida do possível, a expansão do número de advogados e bacharéis em Direito, número este muito acima da capacidade de assimilação do mercado de trabalho.
Ontem, em antecipação ao anteprojeto de marco regulatório do ensino jurídico, O MEC publicou no Diário Oficial da União uma portaria com novas regras para a criação de cursos de Direito.
Entre as inovações trazidas pela portaria, muitas em conformidade com o projeto enviado pela Ordem para o MEC, está a implementação da exigência de boas notas das faculdades frente ao Índice Geral de Cursos (IGC), a necessidade dos cursos terem seus projetos pedagógicos desenvolvidos por um ?núcleo docente estruturante?, com professores munidos de pós-graduação stricto sensu (mestrado ou doutorado) e experiência comprovada na própria instituição ou em outras.
Além disso os cursos deverão demonstrar sua relevância social com base na demanda social e sua relação com a ampliação do acesso à educação superior, observados parâmetros de qualidade e, caso o MEC entenda, o plano de estágio curricular supervisionado e eventuais convênios celebrados com órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria e Advocacia Públicas, escritórios de advocacia e/ou outros para a implementação de estágio curricular.
O Conjur publicou uma matéria hoje tratando deste tema, ressaltando especialmente a vitória da OAB em conseguir, finalmente, que seu parecer fosse vinculativo, para assim então fechar de vez as portas para a abertura indiscriminada de novas faculdades de Direito e estancar a notória expansão irrefreada de cursos e seu maior impacto: a saturação no mercado da advocacia:
"Além das notas objetivas, para passar a funcionar, as novas faculdades de Direito precisam ter parecer favorável do Conselho Federal da OAB. O parecer favorável da Ordem ganha papel importante no processo. Mesmo as faculdades que só tirarem 3 no CC, mas que tenham sido aprovadas pela OAB, podem ter sua instalação deferida pelo MEC.
No entanto, as faculdades que tirarem cinco no CC podem ser aprovadas pelo MEC sem o parecer da autarquia. (...)
O presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, comemorou a novidade. ?O balcão dos cursos de Direito está fechado. O trabalho conjunto entre OAB e MEC permitirá um avanço no ensino de direito no Brasil, com foco na qualidade, na infraestrutura e no futuro dos graduandos. A defesa dos direitos dos cidadãos deve ser feita por profissionais qualificados, formados em cursos com qualidade comprovada?, disse."
Fonte: Conjur
Legal né? Nem tanto! Em uma leitura atenta da nova regulamentação dá para vislumbrar o "atalho", a forma como uma IES pode se safar de uma negativa dada pela OAB. Reparem só:
O que isso significa?
Oras! Se a OAB vetar a abertura de um curso, este poderá recorrer para a SERES (Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior) e esta poderá decidir a questão em sede de parecer final (ou seja, sem precisar consultar novamente a OAB) e decidir a questão, quando a reclamação envolver questões de fato.
As questões de fato seriam todas aquelas que não envolvessem a parte formal do processo de abertura, como certidões e demais aspectos burocráticos. Isso significa que toda a parte estrutural das novas graduações, envolvendo aí corpo docente, demonstração de relevância social com base em demanda social (algo relativamente subjetivo), convênios, etc., exatamente os elementos mais difíceis de serem obtidos, poderão em sede recursal fugir da vigilância da OAB.
O MEC publicou uma regra em que o parecer da OAB é vinculativo, mas com uma instância recursal onde a Ordem não pode dar pitaco.
Moral da história: o parecer da OAB não é assim tão vinculativo.
Não tenho como não afirmar que seria ÓBVIA a vitória do lobby do empresariado da educação nesse processo todo. Se a OAB não participada revisão recursal junto com o SERES, seus pareceres denegatórios serão apenas para inglês ver.
Ontem publiquei o post Fábricas de diplomas: a má qualidade na educação superior, lucros exorbitantes, Exame de Ordem e o Prouni, onde o sociólogo Wilson Mesquita de Almeida, entre uma série de revelações, tratou do lobby do empresariado da educação:
"Nos anos 70, eram faculdades isoladas, pequenas (sobre os grupos educacionais). Hoje, são impérios, possuem o maior número de matrículas na graduação e as maiores faculdades já estão na Bolsa de Valores. O lobby das universidades lucrativas, que possuem articulações políticas em todos os partidos, conseguiu o fôlego necessário para hoje se dar ao luxo de entrar na Bolsa de Valores. A conta, a imensa maioria dos brasileiros paga. Ou seja, a transferência de dinheiro público continua a pleno vapor, agora fazendo novos milionários que vendem seus grupos a investidores estrangeiros e nacionais.
(...)
WMA: No Congresso, o lobby privatista é representado pela Frente Parlamentar de Apoio ao Ensino Superior Privado. Ela é composta por senadores e deputados, tanto da oposição quanto da situação, o que demonstra a força do segmento privatista incrustado também no Poder Legislativo. Em 2008, a frente era formada por 171 deputados e 36 senadores. Ela já chegou a pleitear, sem sucesso, mudanças na lei para inclusão do setor de Ensino Superior privado lucrativo entre as áreas de aplicação do FGTS."
Evidentemente, a OAB fez o que estava ao seu alcance e deu o seu melhor, em especial agora na gestão do presidente Marcus Vinícius, mas a força do lobby (e da grana) desses grandes conglomerados não iria ficar feliz com a imposição de limitações a qualquer projeto de expansão. Isso implicaria em prejuízos para o business, e o capital não tolera esse tipo de coisa.
A norma do artigo 9º pode não parecer nada demais em uma leitura rápida, mas, para mim, é o atalho para os pedidos de autorização denegados darem um balão na OAB. O parecer da Ordem seria EFETIVAMENTE vinculativo se, no âmbito administrativo, não fosse passível de revisão. Mas é! Logo, apenas tem cara de vinculativo. Na prática, ali, no mundo real, não vai impedir a continuidade do processo de expansão. Lamentável. Cliquem AQUI para acessarem a portaria.