Mas afinal, o Exame de Ordem avalia mesmo alguma coisa?

Terça, 1 de novembro de 2016

Mais cedo publiquei a história de João Artur e sua aprovação, ainda no 1º semestre, no Exame de Ordem. Foi o bastante para fazer soar as trombetas do apocalipse jurídico e as previsões da implosão do sistema. E, claro, os gritos de que o Exame de Ordem não avalia nada!

Vamos encarar essa questão de frente! Afinal, o Exame de Ordem efetivamente avalia alguma coisa?

Antes de começar a responder precisamos excluir da linha de argumentação um sofisma manifesto: o de que o desempenho excepcional de apenas um candidato tem a força de servir como diagnóstico do Exame de Ordem ou mesmo do ensino jurídico.

Não tem!

O desempenho de uma pessoa não tem validade para se avaliar o sistema como um todo, partindo do método indutivo. Se muitos candidatos fossem aprovados sob as mesmas circunstâncias, essa linha de raciocínio passaria a ganhar relevância. Como foi apenas um, não dá para partir desta premissa.

Uma verdade: o Exame de Ordem NÃO serve mesmo para avaliar o ensino jurídico.

E não serve porque é uma prova limitada, eminentemente dogmática, com baixa exploração do raciocínio jurídico e mais afeita a cobrar a letra da lei e jurisprudências, em esepcial na segunda fase.

O Exame de Ordem é, essencialmente, mapeável! E tanto é que o João Artur foi aprovado seguindo uma metodologia muito batida: cronograma de estudos, leitura da lei seca e resolução de muitos exercícios, somados a sua bagagem como concurseiro. Deu certo!

A OAB entrega a cada 3 anos o famoso Selo OAB para faculdades que tenham ido bem tanto no Exame de Ordem como em outros critérios de avaliação. Uma imensa distorção!

Se o Selo OAB tivesse como parâmetro tão somente o Exame de Ordem, sem outras métricas, nem metade das instituições seriam agraciadas. Pior! Como o Exame é uma prova dogmática, presa à letra da lei, ignorando as disciplinas propedêuticas e tendo seu lado prática extremamente esquematizável, o Selo OAB sequer deveria existir, pois o Exame não se presta a abordar a multiplicidade e complexidade do Direito visto dentro da graduação.

Das boas graduações, para ser justo.

O Exame é tão somente uma prova de seleção, com critérios próprios, apra atender às necessidades da própria OAB. Não é parâmetro de avaliação do ensino, e nem tem força para isto, exceto a midiática.

E o Exame é como é por razões muito práticas: é uma prova de massa, que existe uma logística imensa a um custo altíssimo. É dogmática porque essa é a forma mais fácil de se avaliar 120 mil candidatos a cada edição, três vezes ao ano. Modifiquem o conteúdo do Exame e ele não poderá ser aplicado.

Aliás, talvez possa, a um custo muito maior do que os chorados R$ 240,00. E ninguém quer pagar mais do que isto...

Tomo ciência de inúmeras propostas que visam aprimorar o Exame. Em dezembro de 2015 participei de uma reunião na sede do CFOAB com dezenas de representantes de faculdades, todos cheios de boa vontade e com interesse em fazer uma prova melhor, mas quase todos ignorando o lado operacional do Exame de Ordem.

Qualquer proposta precisa passar pelo crivo da logística, do custo e da operacionalidade. Não ponderar sobre estes fatores é pedir para ter o pleito recusado.

E aí entra o lado mais visível da necessidade do Exame: são muitos os postulantes a uma carteira da OAB. São 120 mil candidatos por prova, toda prova. É muita gente!

Agora em novembro chegaremos finalmente a 1 milhão de advogados. Se continuarmos neste ritmo, chegaremos a 2 milhões em 14 anos, isso com Exame de Ordem e tudo. Sem a prova da OAB chegaríamos a 3 milhões de "coleguinhas" da noite para o dia, sem contar com os mais de 600 mil estudantes de Direito hoje nas faculdades, que em breve também passariam a fazer partes dos quadros da entidade.

A prova é um filtro diante do descontrole do número de graduações.

Ela avalia mal, não prova nada e é indispensável para a manutenção do sistema. Seu fim significaria a implosão do Poder Judiciário em razão de uma inevitável hiperlitigação fomentada por advogados fazendo qualquer coisa pra sobreviver.

Bom...isso já acontece hoje mesmo.

O MEC botou todo o sistema em cheque ao permitir que tenhamos hoje 1308 faculdades de Direito despejando bacharéis no mercado, e não vejo como esse quadro possa ser mudado. Afinal, quem vai ter peito (e força política) para contrariar os grandes grupos econômicos que controlam hoje a máquina de fazer dinheiro chamada "faculdade particular?"

Ninguém tem peito e, a bem da verdade, ninguém efetivamente quer.

Ao contrário! A ideia é expandir ainda mais!

Não faz muitos meses e denunciei aqui a proposta do CNE, que ainda tramita nas sombras, de reduzir a duração do curso de Direito de 5 para 3 anos. A OAB sabe disto e está lutando contra essa abominação, mas será que ela terá força para barrar essa proposta?

Isso porque ela ainda terá também de lutar diante da perspectiva de ver seu acordo com o MEC ruir, e novas faculdades serem autorizadas. Isso está prestes a acontecer.

Será que o Exame de Ordem avalia mesmo alguma coisa? Talvez sim, talvez não, mas seu formato atende ao gigantismo da graduação em Direito e sua existência impede o colapso do Poder Judiciário.

Todos querem um Exame de Ordem melhor, inclusive eu, mas cadê os elementos para implementar essas melhorias? A OAB vive sob várias pressões neste campo, vítima do MEC e de  vários governos, a partir de FHC, que acharam que quantidade é melhor do que qualidade.

A receita deste bolo falhou. E agora, faz o quê?