Terça, 18 de junho de 2013
A professora Josiane Minardi elaborou cuidadosamente um manifesto pela ampla aceitação de peças na prova de Direito Tributário.
Esta prova sofre do mesmo mal que vitimou a prova de Direito Constitucional no Exame passado: péssima redação! Há notícias de várias interpretações e possibilidades de respostas vindas dos mais diferentes cursos e professores, evidência clara da ausência de qualidade do enunciado.
Não é justo que os candidatos paguem com a reprovação quando o problema não é de compreensão e interpretação, e sim de uma redação lacunosa e incompleta do problema.
Não pedimos a anulação da peça, mas sim uma flexibilização na quantidade de soluções processuais possíveis e lógicas para o problema proposto.
Confiram agora o posicionamento claro, objetivo e consistente elaborado pela professora Josiane:
Manifesto - Prova de Direito Tributário
1. Como já me manifestei anteriormente, entendo que a redação da peça prático-profissional foi mal elaborada e é lacunosa ao ponto de pairar várias dúvidas para a correta identificação da peça e para a sua elaboração.
Vou ser objetiva e direta nos meus comentários, sem maiores digressões. Afinal não estamos aqui para rediscutir o processo civil, mas apenas tentar compreender qual a intenção do examinador com a proposta e questionar as falhas de sua redação e as respectivas consequências.
Pois bem, a proposta elaborada pelo examinador leva à fase de cumprimento de sentença de uma ação de indenização, já iniciada e com o depósito do valor da condenação pela parte vencida. Não se pode falar em impugnação ao cumprimento de sentença, já que não há elementos para tal interpretação na proposta, ao contrário, deixa claro ao transcrever ?... já superada qualquer dúvida sobre o teor da decisão?. Aqui, em que pese também a má expressão do pensamento do examinador, mas transparece que não é para questionar qualquer discordância ao título executivo judicial formado nos termos do art.475-L do CPC.
Segue a proposta informando que o juiz ?... autorizou a liberação parcial do pagamento efetuado pelo executado e determinou a dedução do percentual de 27,5% a título de imposto de renda sobre os valores depositados. Determinou ainda a expedição do mandado de pagamento relativo ao depósito da condenação e a baixa e arquivamento dos Autos.?.
A questão de direito material é simples. Bastava alegar que não ocorreu o fato gerador do Imposto de Renda, nos termos do art. 43 do CTN, pois não houve ganho ou acréscimo patrimonial, eis que a indenização é mera recomposição de patrimônio, que não está sujeita à incidência do imposto de renda. Nesse sentido a Súmula 498 do STJ:
?Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais.?
Mas a questão processual é dúbia.
Estamos na fase final do cumprimento de sentença, faltando apenas a liberação dos valores depositados ao exequente para o encerramento do processo. Contudo, o juiz da causa determinou retenção do imposto de renda sobre os valores depositados. Ou seja, sairia um alvará de levantamento parcial ao exequente (a totalidade dos valores depositados excluindo o imposto de renda) e outra guia em nome da União Federal (relativo ao imposto de renda retido na fonte).
Então a pergunta que se faz é: qual a natureza da decisão proferida pelo Juiz na forma da redação da proposta?
Eu digo que a decisão tem natureza jurídica de sentença, conforme prevê o §1º do art.162 do CPC, uma sentença extintiva do cumprimento de sentença, recorrível por apelação, ante a redação da proposta de que ?Determinou ... a baixa e arquivamento dos Autos?.
Nós podemos ter uma decisão determinando o arquivamento sem baixa nos Autos como uma decisão determinando o arquivamento com baixa nos Autos.
O arquivamento sem baixa dos Autos permite o processo ser reaberto por interesse da própria da parte, já que não há sentença extintiva. Caso, por exemplo, quando inexistem bens à penhora e o Juiz determina o arquivamento para ulterior manifestação do credor na indicação de bens passíveis de constrição judicial. Outro caso é o art. 20 da Lei n.º 10.522/02 que determina o arquivamento sem baixa na distribuição das execuções fiscais em razão de seu baixo valor.
Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004)
Mas a proposta foi clara que a decisão do magistrado foi de arquivamento com baixa na distribuição.
O processo arquivado com baixa na distribuição é processo extinto, morto, e não pode ser ressuscitado para prosseguimento. Então, a natureza da decisão posta na questão é sentença, recorrível por apelação. Nesse sentido o STJ:
PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - DECISÃO EM INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - EXTINÇÃO DO FEITO - RECURSO CABÍVEL: APELAÇÃO.
1. Da decisão de liquidação de sentença que fixa o quantum debeatur cabe agravo de instrumento. Precedentes.
2. O mesmo não ocorre com a decisão proferida em 1º grau que extingue o incidente de liquidação de sentença, inclusive determinando o arquivamento do feito com baixa na distribuição, pois tem natureza jurídica de sentença, conforme prevê o § 1º do art. 162 do CPC. Neste caso, o recurso cabível é a apelação (art. 513 do CPC). Precedentes.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1197267/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 30/08/2010)
2. Mas sabe-se que, nos termos do art.475-R e art.795, ambos do CPC, a decisão que põe fim ao cumprimento de sentença tem natureza jurídica de sentença, desde que declarada a sua extinção, o que não consta da proposta.
Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial.
Art. 795. A extinção só produz efeito quando declarada por sentença.
Nesse caso, por não constar expressamente a formalidade da declaração de extinção do processo, pode-se cogitar que a decisão é interlocutória desafiada por agravo de instrumento.
A melhor técnica processual ensina que quando a execução/cumprimento de sentença se encerra, o magistrado deve prolatar uma sentença de extinção e determinar sua baixa na distribuição com seu arquivamento, como se vê no modelo abaixo:
SENTENÇA
Vistos, etc.
Julgo, por sentença, extinta a presente execução, com fulcro no art.794, inciso I, do CPC.
Expeça-se o mandado de levantamento parcial da quantia correspondente ao valor do débito em favor do exeqüente, retendo-se sobre o mesmo o imposto de renda, liberando-se em favor da União o imposto retido.
Dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os presentes autos.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Local e data.
.............................
JUIZ DE DIREITO
Mas a proposta não consta a declaração da extinção do cumprimento de sentença, apenas deixa subentendido. Diante dessa lacuna na interpretação da redação da proposta, a banca deve aceitar tanto a apelação como o agravo de instrumento como peças cabíveis à solução da questão, dirigidas tanto à justiça comum quanto à justiça federal.
E não é o caso também de argumentação da fungibilidade recursal, para aceitar o agravo de instrumento como se apelação fosse, pois é pacífico no STJ que a decisão que extingue processo em fase de cumprimento de sentença é recorrível por meio do recurso de apelação, não sendo aplicável o princípio da fungibilidade recursal.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL. APELAÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. SÚMULA N. 83/STJ.
1. A decisão que extingue processo em fase de cumprimento de sentença é recorrível por meio do recurso de apelação, não sendo aplicável o princípio da fungibilidade recursal.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1376509/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/05/2011, DJe 12/05/2011)
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA. LIQUIDAÇÃO. EXTINÇÃO POR AUSÊNCIA DE VALOR A LIQUIDAR. RECURSO CABÍVEL.
1. O provimento judicial que resolve a liquidação de sentença via de regra não determina fim ao processo, permitindo apenas que se avance para a fase de cumprimento da sentença, sendo impugnável por agravo de instrumento, nos termos do art. 475-H do CPC.
2. Excepcionalmente, porém, a decisão prolatada em sede de liquidação pode efetivamente encerrar o processo, hipótese em que terá natureza de sentença, contra ela cabendo o recurso de apelação.
3. Recurso especial não provido.
(REsp 1291318/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 24/02/2012)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO E DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO VIOLADO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. ENUNCIADOS N. 282 E 284 DA SÚMULA DO STF. DECISÃO EXTINTIVA DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL. APELAÇÃO. ART. 475-M, § 3º, DO CPC, SEGUNDA PARTE.
- A ausência de prequestionamento e a falta de indicação do dispositivo de lei supostamente violado fazem incidir sobre a espécie os verbetes n. 282 e 284 da Súmula do STF.
- O recurso cabível da decisão que resolve a impugnação na execução de título judicial e conclui por sua extinção é a apelação, e não o agravo de instrumento (art. 475-M, § 3º, do CPC, segunda parte).
Impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 44.812/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe 07/03/2012)
Pois, a cerne da questão é saber qual a natureza da decisão prolatada pelo Juiz, se tem natureza jurídica de sentença ou de decisão interlocutória.
Aos que optaram pelo agravo de instrumento podem defender que a decisão prolatada pelo Juiz é interlocutória na medida em que não expressamente declarou a extinção do processo, conforme o art.475-R, 791, inc.I e 795, todos do CPC.
Pode-se imaginar que o juiz aguardaria a liberação dos pagamentos e a ulterior manifestação do exequente quanto à satisfação dos seus créditos para depois proferir finalmente a sentença de extinção do cumprimento de sentença.
Nesse sentido, plenamente aceitável a propositura de um agravo de instrumento diante dessa interpretação que a redação da peça processual permite.
3. Ainda, para aqueles que optaram pela adoção da ação de repetição de indébito, na prática, não estaria errado.
Na prática, como disse, porque cansei de ver colegas em situações como essa optarem por uma nova ação ao invés de recorrerem da decisão, seja por estratégia processual ou simplesmente para angariar honorários advocatícios de sucumbência.
Não há vedação para a propositura de uma nova ação de conhecimento. Mas para isso, teríamos que aguardar o trânsito em julgado da decisão, aguardar a liberação dos valores à União Federal e torcer para que o Juiz, no curso do processo, não avocasse os Autos e reconsiderasse sua decisão.
4. Por fim, outra lacuna na proposta, é que não é possível identificar o Juízo competente, se federal ou estadual.
Isso porque se ?determinada empresa?, em regra, for pessoa jurídica de direito privado, sabemos que a competência para conhecimento e julgamento da causa é da justiça comum. Mas se for uma empresa pública, como a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, por exemplo, a ação corre pela Justiça Federal. Mas não dá para saber.
Então o endereçamento da peça processual fica indefinido, devendo a banca da FGV aceitar peças processuais endereçadas tanto para a justiça comum como a para a justiça federal.
Josiane Minardi