Quinta, 26 de julho de 2012
"Pessoal, atendendo a pedidos, gostaria de tecer breves considerações sobre a primeira questão da prova da segunda fase da OAB, VII exame, mais especificamente sobre a aplicação do princípio da especialidade e o princípio da consunção.
Aplica-se o princípio da especialidade quando temos uma única conduta e um conflito aparente de normas penais manifesto no momento da tipificação. Nesta hipótese, o conflito deve ser resolvido aplicando-se a regra mais específica em detrimento da mais genérica.
Ex: João, por imprudência, na condução de veículo automotor, avança um sinal vermelho e atinge um pedestre, provocando-lhe fratura de membros inferiores. (conduta)
Conflito aparente de normas jurídicas para a tipificação: lesão corporal culposa (art. 129, § 6° do CP) e lesão corporal de trânsito (art. 303 do CTB ? Lei 950397)
Solução ? Princípio da especialidade ? O CTB, no caso concreto é específico em detrimento da generalidade do CP, logo o crime será tipificado como lesão corporal de trânsito.
Aplica-se o princípio da consunção, quando temos duas ou mais condutas delituosas, em um contexto onde a conduta antecedente funciona como mecanismo de execução da conduta consequente, nela se exaurindo. Ou seja, temos um ou alguns crimes meios que se exaurem no crime fim, sendo por este absorvido(s).
Ex: João falsifica documento exclusivamente para a prática do crime de estelionato. Falsificação é crime meio, que se exaure no estelionato, o crime fim, sendo por este absorvido, de acordo com a regra da consunção. Neste caso, a responsabilização do agente delituoso deve ser apenas pelo estelionato.
Temos inclusive um julgado do STF que trata de situação muito semelhante ao que foi arguido na questão, onde o entendimento foi no sentido de aplicação do princípio da consunção. Transcrevo trecho:
HC 101900/SP, rel. Min. Celso de Mello, 21.9.2010. Princípio da Consunção: Crime contra a Ordem Tributária e Falsidade Ideológica - ... Ademais, determinou-se que, o reconhecimento da configuração do crime contra a ordem tributária, afastada a caracterização do delito de falsidade ideológica, tornaria pertinente a invocação, na espécie, da Súmula Vinculante 24. Destacou-se que, enquanto não encerrada, na instância fiscal, o respectivo procedimento administrativo, não se mostraria possível a instauração da persecução penal nos delitos contra a ordem tributária, tais como tipificados no art. 1º da Lei 8.137/90. Esclareceu-se ser juridicamente inviável a instauração de persecução penal, mesmo na fase investigatória, enquanto não se concluir, perante órgão competente da administração tributária, o procedimento fiscal tendente a constituir, de modo definitivo, o crédito tributário. Asseverou-se, por fim, que se estaria diante de comportamento desvestido de tipicidade penal, a evidenciar, portanto, a impossibilidade jurídica de se adotar, validamente, contra o suposto devedor, qualquer ato de persecução penal, seja na fase pré-processual (inquérito policial), seja na fase processual (?persecutio criminis in judicio?), pois comportamentos atípicos não justificariam a utilização pelo Estado de medidas de repressão criminal.
Gostaria de salientar que sou defensor da ideia que a FGV deveria beneficiar os alunos que colocaram princípio da especialidade, atribuindo também a estes, os pontos pertinentes a questão, pois muitos doutrinadores e principalmente, diversos julgados tomam os termos especialidade e consunção como sinônimos. Sou abertamente contrário à adoção de gabarito único em questões que versem sobre temas que não gozam de uniformidade de entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Como o objetivo do exame de ordem deve ser aferir um mínimo de conhecimento jurídico dos bacharéis, aqueles que por terem tido contato com doutrinadores ou julgados que defendem ser possível a solução do conflito de normas apresentado na questão pela via do princípio da especialidade, adotaram tal tese, demonstraram conhecimento jurídico e não podem ser prejudicados.
Qual solução que julgo ser mais viável e justa nesse momento? Pontuar todos que responderam com base na consunção ou na especialidade. Infelizmente, não acredito que a justiça será feita neste ponto.
Vamos juntos e misturados.
Um cheiro para quem for de cheiro e um abraço para quem for de abraço. Geovane Moraes"