Quarta, 27 de julho de 2011
O Instituto dos Advogados Brasileiros - http://www.iabnacional.org.br/ - elaborou um parecer, divulgado agora de noite, sobre o posicionamento do no Recurso Extraordinário 603.583 - RE 603583 - da Relatoria do Ministro Marco Aurélio, no qual será explicitado o entendimento do STF quanto a constitucionalidade do Exame de Ordem.
O parecer do MPF é fortemente atacado pelo IAB, que diferentemente da OAB não tem um interesse direto no Exame.
Confiram o parecer:
INDICAÇÃO no. 147/2011
Exmo. Sr. Presidente e ilustres Consócios,
EMENTA: O inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal admite o ?princípio da reserva legal proporcional, que pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, como também a adequação desses meios para a consecução dos objetivos pretendidos e a necessidade de sua utilização?, uma vez que a Advocacia ?reclama qualificações profissionais específicas, indispensáveis à proteção da coletividade, de modo que ela ? a Sociedade - não seja exposta a riscos?, pois ?a utilidade do juízo de proporcionalidade ou de razoabilidade, no exame da norma restritiva de direito fundamental, deve passar pelo crivo dos critérios de adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito?, especialmente ?nos casos em que se exige um saber científico especializado, aí sim, a lei pode atuar, porque não se pode conceber? um advogado, que exerce munus publico, posto que indispensável à administração de Justiça nos termos do artigo 133 da Constituição Federal, não se submeta, para aferição de uma das ?qualificações profissionais? estabelecidas em lei, ao Exame de Ordem previsto no inciso IV do artigo 8º da Lei no. 8.906, de 1994, sobretudo quando se trata de atividade decorrente de conhecimentos técnico-científicos específicos, cuja prática, se mal executada, pode ocasionar danos ou prejuízos à Sociedade em geral. É a interpretação da Lei, conforme a Constituição.
Honrou-me o Exmo. Sr. Presidente do Sodalício com a relatoria sobre a matéria apresentada na Indicação do eminente Consócio Dr. Rodrigo Falk Fragoso, relativa à posição institucional da Casa de Montezuma a respeito da constitucionalidade do Exame de Ordem, agora atacada, conforme a petição inicial, por ?AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO c/c IMISSÃO DE POSSE? (sic), ora em sede de Recurso Extraordinário, cujo julgamento resultará em decisium de Repercussão Geral. O Indicante pretende saber se os termos do Parecer do Subprocurador-Geral da República, de 19.07.2011, no Recurso Extraordinário no. 603.583/RS, são próprios e adequados para caracterizar a argüição de suposta inconstitucionalidade do inciso IV, do artigo 8º, da Lei Federal no. 8.906, de 1994, em face do disposto no inciso XIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, de 1988.
O aludido Parecer está recheado com algumas citações de ilustrados juristas e indicações de certos julgados, para reclamar, desafortunadamente ? diz o Subprocurador - contra a ampla discricionariedade legal, facultada à OAB, pois o Exame de Ordem proporciona perigosa tendência de influências de interesses corporativos (reserva de mercado), dada a possibilidade de desvirtuamento do exame, pela elevação do grau de exigência da prova, a ponto de se limitar o número de aprovados a percentuais mínimos, ocasionando restrição, tudo a violar o direito fundamental à liberdade de escolha da profissão.
Convém dizer, desde logo, que o aludido Parecer é desprovido de maior conhecimento histórico acerca da profissão de advogado e sobre a Ordem dos Advogados do Brasil, certamente por ser um assunto não ministrado no atual Ensino Jurídico, cujas 1.250 (um mil duzentos e cinqüenta) Faculdades de Direito[1], que estão sob o controle exclusivo do MEC ? Ministério da Educação, demonstram a pobreza cultural na formação ministrada ao bacharel.
Faltam-lhe, ainda, alguns verdadeiros fundamentos jurídicos, doutrinários e judiciais, incidentes sobre a matéria, apresentando argumentos impertinentes, tudo no intuito de concluir ao seu exclusivo e tendencioso modo de pensar, ao invés de observar outras normas constitucionais aplicáveis e, como também, outros argumentos constantes de julgado da Corte Suprema, em matéria semelhante, como foi o caso relativo à profissão de jornalista, diversa da do advogado. Aliás, do mesmo julgado do Excelso Pretório, apontado pelo Subprocurador, são extraídas as citações constantes da Ementa acima.
Registre-se que ao mencionar na aludida peça nobres juristas, inclusive o eminente Consócio, Professor Paulo Roberto de Gouvêa Medina, ilustrado Conselheiro Federal da OAB pelo Estado de Minas Gerais, um ferrenho defensor do Exame de Ordem, encontra-se uma situação que, data maxima venia, haveria de ser examinada nas transcrições ? não apenas destacadamente ? a interpretação extraída de um contexto mais amplo de tais considerações, pessoais ou doutrinarias, que foram exaradas nos respectivos trabalhos dos autores apontados no Parecer em tela.
O Parecer invoca a inconstitucionalidade do Exame de Ordem e presta, na verdade, um serviço ao mais completo desconhecimento que campeia no País a respeito da atividade do advogado e sobre a Ordem dos Advogados do Brasil. É mera demonstração de que o papel aceita qualquer tinta, bastando dar-lhe contornos e matizes que melhor retratem uma suposta realidade.
O inciso XIII, do artigo 5º [2], da Constituição Federal, diz que ?é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão?. Também determina que devam ser ?atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer?. E a lei, no que tange aos advogados, estabelece que, para o exercício da atividade privativa, há ?qualificações profissionais? (sic) específicas. A Lei Federal no. 8.906, de 1994, no artigo 1º [3], indica que as atividades privativas da advocacia são a postulação a órgão do Poder Judiciário e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
Para obter as ?qualificações profissionais? (sic), o artigo 8º [4] e seu parágrafo 1º, da mesma norma jurídica, indicam que para inscrição na OAB é necessário: condições civis e morais; Diploma ou Certidão de graduação em Direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada; aprovação em Exame de Ordem; não exercer atividade incompatível com a advocacia; prestar compromisso perante o Conselho da OAB; e, que o Exame da Ordem é regulamentado em Provimento do Conselho Federal da OAB.
As ?qualificações profissionais? (sic) necessárias para ser advogado são deveras importantes para a Sociedade em geral e, sobretudo, para o Poder Judiciário, sob pena de a inépcia profissional proporcionar enormes prejuízos a ambos. O uso privativo da ?qualidade? de advogado só é admitido aos inscritos na OAB, sob pena de, ainda que bacharel em Direito, ao intitular-se ou atuar como advogado, responder pela contravenção penal da falsa qualidade (art. 47, Dec-Lei no. 3.688/1941) [5]. Todas as Sociedades livres e democráticas têm Ordens, Colégios ou Barras de Advogados, especialmente para atuação judicial, como são os casos dos Estados Unidos e da Inglaterra - de Direito Consuetudinário; e, como também, dos países de origem latina - de Direito Positivo, v.g.: Itália, França, Espanha e Portugal, desse País, nossa origem jurídica.
Impressiona as considerações do Subprocurador, quando a milenar história da Ordo Advocatorum foi por ele esquecida, talvez por desconhecida, como foi esquecida também outra norma constitucional, aquela prevista no artigo 133 [6], que diz ser o advogado indispensável à administração da justiça, ou seja: para a representação judicial, as partes devem estar acompanhadas de advogado (l. ad=para + vocatus=chamado, advocatus, aquele que é chamado para junto). A confiança constitucional depositada na Advocacia decerto agrada o Poder Judiciário, para evitar os ineptos profissionais. Inepto é aquele que desconhece a técnica e a ciência, as normas e os fundamentos jurídicos das questões.
Entende o Subprocurador-Geral que ?as restrições legais ao exercício profissional somente podem ser levadas a efeito no tocante às qualificações profissionais. De certo que o exame de ordem não se afigura como qualificação profissional, mas, sim, mera aferição desta: o exame não qualifica, ele se propõe a atestar a qualificação?. Urge, por oportuno, transcrever o mais puro vernáculo, com as palavras do consagrado Professor Cândido de Figueiredo [7], in verbis:
?Qualidade, f. Aquilo que caracteriza uma coisa. Modo de ser. Disposição moral. Predicado. Nobreza. Casta, espécie. Gravidade. Aptidão. (Lat. qualitas).
Qualificação, f. Acto ou efeito de qualificar.
Qualificado, adj. Que tem certas qualidades. Distinto. Que está em posição elevada. Nobre.
Qualificador, m. e adj. O que qualifica.
Qualificar, v. t. Indicar a qualidade de. Atribuir um título a. Tornar ilustre. (B. lat. qualificare)?
Convém lembrar que no Brasil o advogado exerce sua atividade profissional de forma privada e, ao mesmo tempo, pública[8], sobretudo quando em Juízo. Diversamente, em outros países há certa estratificação na profissão, distinguindo os que podem atuar de maneira exclusivamente privada daqueles que podem atuar em Juízo. Na França, a estratificação existe para atuação em cada tribunal; na Itália há lei (Lei no. 27/1997) que exige 12 (doze) anos de prática da advocacia, para postulação perante a Corte de Cassação (Corte di Cassazione) e noutros tribunais superiores; e, na Inglaterra, há os barristers, que atuam na Corte, enquanto os solicitors, exercem atividades privadas e algumas poucas ações judiciais. Aqui, não estratificamos os advogados, pois somos todos iguais e podemos atuar de forma privada ou na esfera judicial, sem embargos.
Mas, o mau intérprete apenas aponta seu olhar para uma situação específica, quando é de sabença comezinha que o bom hermeneuta examina as normas jurídicas em conjunto com as demais disposições constantes, justamente para não cometer impropriedades. Ora, se a ?qualidade? de advogado é, exclusivamente, daquele que está inscrito na OAB, nítidas, pois, quais as ?qualificações profissionais? (sic) que o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil determina para o exercício da profissão. Distinga-se, por óbvio, a ?qualificação profissional? (sic) do bacharel em Direito da do advogado.
Diz, ainda, que ?Em tese deveria atestar a qualificação profissional. Mas não é o que exsurge do contexto atual da prova. O Edital regulador do exame para o ano de 2011 admitiu, como clientela para a prova, além dos bacharéis em Direito concludentes de curso reconhecido pelo MEC, também os bacharelandos matriculados no último ano da graduação. E não se pode falar aqui em apurar a qualificação profissional daqueles que nem mesmo obtiveram o grau respectivo. Parece ser, no mínimo, uma disfuncionalidade do sistema?. Observa-se, aqui, que o Subprocurador ora fala em ?atestar a qualificação? (sic), rejeitando-a, ora fala em ?atestar? como sendo, ?em tese?, um dever. Incoerente e contraditório. Ademais, a expressão chave não é ?atestar? (sic), é ?qualificar?, palavra expressa na Constituição, que representa especificação, pela capacitação técnica, científica e moral, como requisitos essenciais para se ?qualificar? e ostentar a ?qualidade? de advogado.
A ?disfuncionalidade? (sic) apontada pelo Subprocurador deve ser atribuída à incompetência do mencionado MEC ? Ministério da Educação, na ?disfuncionalidade? (sic) do registro de Diplomas dos bacharéis em Direito, necessário, também, para a qualificação do advogado. Parece desconhecer a demora na expedição do aludido registro, daí a possibilidade do bacharelando realizar o Exame de Ordem prestes à colação de Grau. Também deve ser lembrada a luta secular contra o mau Ensino Jurídico no País e, especialmente, a ?disfuncionalidade? (sic) do mesmo MEC quanto à concessão de autorização para funcionamento de Faculdades de Direito, inclusive rejeitadas pela OAB, conforme lhe autoriza opinar o inciso XV, do artigo 54, da Lei no. 8.906/94[9].
Ora, para aferir a capacidade técnico-científica, o bacharel em Direito deve ser submetido ao Exame de Ordem, a fim de serem verificados os conhecimentos a respeito da atividade privativa. Somente a aferição da capacidade técnico-científica do bacharel em Direito pode revelar a plena condição e aptidão para o exercício da função pública. Para alcançar o grau de bacharel em Direito, o interessado submete-se aos constantes Exames de Faculdade, até ser declarado apto para o exercício profissional de atividades que exijam tal diplomação; ao passo que para ser advogado é necessário que o bacharel em Direito se submeta ao Exame de Ordem, situação distinta daquela meramente acadêmica. Pedindo vênia a V.Exas.: - A Faculdade é de Direito, não de Advocacia !
Acontece que, para a caracterização de determinado emprego, cargo ou função pública, como sendo técnico ou científico, ou técnico-científico, em seu exercício é essencial haver uma conjugação de fatores, sobretudo o da necessidade de formação específica, de nível superior ou técnica, aliada às atribuições conferidas e praticadas pelo agente, a constituir a aplicação dos conhecimentos científicos, técnicos, ou de ambos, adquiridos por formação teórica e prática. O advogado exerce atividade técnico-científica e a atividade privativa não se trata de mero exercício burocrático de conhecimentos, teóricos e práticos, regulamentados pela própria Administração Pública sem qualquer outra complexidade [10].
?Cargo técnico ou científico é aqueles para cujo exercício seja indispensável e predomine a aplicação de conhecimentos científicos ou artísticos de nível superior de ensino? [11]; e, de igual modo, ?exerce cargo técnico-científico aquele que, pela natureza do cargo, nele põe em prática métodos organizados, que se apóiam em conhecimentos científicos correspondentes? [12]. Não há, portanto, controvérsia acerca da caracterização, como técnico-científica, das profissões que exercem funções públicas, como as de Advogado, Juiz, Promotor de Justiça, Procurador e, também, de Subprocurador ? et pour cause! ? e daquelas que exercem funções de saúde e sociais, como as de Médico e Engenheiro, todas essas atividades que dependem de formação específica, em cursos superiores de Direito, Medicina e Engenharia, respectivamente. Para os advogados, a lei determina mais uma ?qualificação?, além daquela representada pelo Diploma de bacharel em Direito: a aprovação no Exame de Ordem.
Relembrando o filólogo, ?qualidade? e ?qualificação? decorrem da mesma expressão do latim qualitas (qualitate, qualificare). Assim diz a etimologia! As ?qualificações profissionais? (sic) exigidas pela Constituição, portanto, para a obtenção da ?qualidade? de advogado, são aquelas ?que a lei estabelecer? (sic). E, na lei há previsão para as ?qualificações?. Vejamos: uma ?qualificação? é a apresentação do Diploma de bacharel em Direito; e, outra, a submissão e aprovação no Exame de Ordem para ser inscrito na OAB, a fim de poder exercer as atividades privativas da profissão e se intitular advogado. ?Qualificação? tem, portanto, o sentido de especificação, a qual - ou, às quais - o interessado deve obter para ostentar a ?qualidade? de advogado, tudo conforme determinado em lei, o que parece simples, lógico e incontroverso.
A luta pelo Exame de Ordem é antiga. No passado, para melhorar a atuação na esfera judicial, o Poder Judiciário passou a autorizar o exercício da atividade mediante provisão da Corte [13]. O Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, criado em 1843, teve por objeto constituir a Ordem dos Advogados, situação que aconteceu quase um século depois. Os advogados formados em Ciências Sociais e graduados em Ciências Jurídicas disputavam a profissão com os rábulas, aqueles que, sem formação técnico-científica também militavam na Justiça, em razão de conhecerem a praxis judicial adotada.
Já em novembro de 1926, um século após o estabelecimento dos Cursos Jurídicos no País (11 de agosto de 1827), o futuro Presidente do Sodalício, entre 1928 e 1931, ao qual debitamos os esforços para a criação da OAB, Levi Carneiro dizia que: ?entre nós, a profusão de bacharéis em Direito, não há de ser um mal ? ou não será um mal sem compensação. Por maior que seja a incultura de tantos deles, ou o mal amanhado de noções absorvidas às pressas, muitos e muitos apreendem, ao menos, um vago sentimento de respeito por alguns grandes princípios jurídicos. O amor das discussões de palavra, da hermenêutica sutil, da rabularia, que estará em nossa índole, não permite que se reconheçam dotadas de maior autoridade os indivíduos revestidos daquela precária consagração acadêmica. De bacharel em Direito ? mais que de poeta, de médico, e de louco, ainda que não o diga o provérbio que só a estas qualidades se refere ? de bacharel em Direito ? com diploma ou sem diploma ? em todos os centros de nossa atividade tem apresentado resultados, nem sempre de todo em todo maléficos. Muitas e muitas repartições administrativas atenuaram o velho zelo regalista da burocracia, sob o influxo de alguns amanuenses dotados do clássico pergaminho? [14].
Antes do Regulamento de 1930, que criou a Ordem dos Advogados do Brasil, não havia no País uma norma jurídica específica sobre a profissão de advogado. Os que militavam no Forum eram provisionados pelo tribunal e, de resto, os graduados e rábulas, prestavam serviços privados. Assim, em virtude na então novel norma jurídica, os provisionados e solicitadores foram obrigados à inscrição na OAB, em quadro distinto, até ser extinto e, bem assim, extinta qualquer estratificação na profissão.
Em 1933, quando da consolidação do Regulamento e da instalação do Conselho Federal da OAB, Levi Carneiro dizia a respeito da burla do título acadêmico, diante do Ensino Jurídico ministrado naquela época, e a respeito da íntima relação existente entre o advogado e o Poder Judiciário no exercício do munus publico: - ?Através das facilidades, e dos abusos de certas épocas, abrolharam, ainda, magníficos autodidatas, sequiosos de saber e capazes de assimilar a alta cultura jurídica. Estamos, porem, chegando a um momento, em que a continuidade, a freqüência, a multiplicidade dessas transgressões ameaçam formar, nas escolas superiores, um ambiente que se caracterize, apenas, pela indisciplina e pela vadiagem, em que hão de desanimar e perverter-se os capazes e os estudiosos. Cada professor se pode tornar um céptico ? sentir, intimamente, a improficuidade do seu esforço, da sua resistência. E que ficará valendo um ensino superior, cuja finalidade fora sempre meramente profissional, se a mesma profissão, a que ele deve conduzir, está acessível a todos os audaciosos, ou incompetentes ? As escolas superiores de Direito e o foro são vasos comunicantes. O descalabro do ensino
jurídico repercute no foro; a anarquia forense reflete-se no ensino jurídico. Nos dois vasos comunicantes, o nível vai baixando simultaneamente...? [15].
Conforme se verifica, desde o estabelecimento legal da profissão de advogado, a atividade está destinada, por óbvio, ao contato direto com o Poder Judiciário, razão pela qual eclodiu a imperiosa necessidade de serem aferidos conhecimentos técnico-científicos para o exercício da função pública. Daí o surgimento do Exame de Ordem com o advento da Lei no. 4.215, de 1973 [16], norma jurídica editada, justamente, para ?qualificar? o advogado, atividade privativa de inscrito na OAB.
Na verdade, não durou muito a obrigação ao Exame de Ordem, editada em 1963, uma vez que o lobby das Faculdades de Direito privadas, no Parlamento, fez surgir a Lei no. 5.842, de1972, a Lei do Estágio, possibilitando, até1994, a inscrição daqueles que tivessem cumprido estágio profissional em escritório modelo de entidade de ensino, ou órgão público, ou em escritório de advocacia assim autorizado pela OAB. A partir de1972, a quantidade de inscritos aumentou bastante, ciente a OAB que havia falsidade praticada nos estágios, que ofertavam certificados sem que as atividades tivessem sido exercidas.
Quando fui examinador em Banca de Exame de Ordem da OAB-RJ não me recordo ? na época havia prova oral ? ter examinado, numa prova, mais de 100 (cem) candidatos que não fizeram o estágio, dos quais eram aprovados, em média, talvez 5% (cinco por cento). Há muito tempo, na OAB-RJ, ingressam mais de 4.000 (quatro mil) advogados por ano. Os resultados atuais do Exame de Ordem não surpreendem os que conhecem os problemas relativos ao Ensino Jurídico.
A questão travada entre a liberdade do exercício profissional, sob a ótica constitucional, e o Exame de Ordem já foi debatida inúmeras vezes no passado, especialmente quando foi editada a malfadada Lei do Estágio. ?Exame de Ordem. A sua existência pelo Estatuto da Ordem não fere o princípio da isonomia e nem impede a liberdade do exercício profissional de trabalho, ofício ou profissão. Declara-se a constitucionalidade.? (TRF. MS 69.970, em 03.03.1973).
Com o advento da Lei no. 8.906, de 1994, foi restabelecido o Exame de Ordem, luta demandada pela OAB e, muito especialmente, pelo Poder Judiciário, interessado direto nas ?qualificações profissionais? (sic) do advogado que ingressaem Juízo. Somente a diminuição percentual de Processos Ético-disciplinares na OAB, em virtude do restabelecimento do Exame de Ordem em 1994, é um fato que bem demonstra a imperiosa necessidade da mantença do expediente.
Na verdade, não é de agora que alguns desafetos da Advocacia pretendem alterar a história e a realidade dos fatos. O Subprocurador está esquecendo o munus publico desempenhado pelo advogado. Está esquecendo que entre os Advogados, Magistrados e membros do Ministério Público não há hierarquia (EAOAB, art. 6º, § único), e que os Procuradores da República, dos Estados, dos Municípios e de órgãos da Administração Pública são Advogados[17].
O Subprocurador esquece, ainda, a liberdade e independência, ex-vi direitos e prerrogativas, da Instituição sui generis, a OAB, e de seus membros, os advogados. A independência da Advocacia, do advogado e da OAB, está, mais uma vez, agredida e, como também, sofrerá amargamente o Poder Judiciário - que haverá de decidir sobre a questão - prestes a receber um contingente de ?desqualificados profissionais? se, porventura, o Exame de Ordem for extinto. Trabalhos jurídicos prolixos, de cunho supostamente verdadeiro, surgirão repletos de argumentos pinçados daqui e dali, dando-lhes conotação diversa da realidade, para concluir ao modo tendenciosamente pretendido, mas sem observar, ao redor, os demais efeitos incidentes sobre a mesma matéria. Hermeneutas de ocasião e adversários da razão estarão causando enormes prejuízos à Sociedade em geral, utilizando-se de argumentos falaciosos, desprovidos de amparo fático-jurídico cabíveis à matéria sub judice.
Observa-se, ademais disso, que no Parecer em tela o Subprocurador se utiliza de decisão do Supremo Tribunal Federal, no RE no. 511.961, julgada no Plenário daquela Corte, sendo Relator o ilustrado ministro Gilmar Mendes [18]. Mas, a referida peça não verifica outros argumentos e fundamentos utilizados nos votos do mesmo decisium, que tratava, aliás, da profissão de jornalista, e não da de advogado. Disse o Relator, acompanhado por outros ministros, a respeito da possibilidade de haver restrições, ou melhor, reservas, que se sobrepõem às literais expressões constitucionais relativas ao livre exercício de trabalho, ofício ou profissão:
?Essa orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, como também a adequação desses meios para a consecução dos objetivos pretendidos (Goeignethit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit).?
No julgamento, também se manifestou, esclarecedoramente, o ministro Eros Grau, dizendo:
?A resposta é óbvia: evidentemente, a profissão de jornalista não reclama qualificações profissionais específicas, indispensáveis à proteção da coletividade, de modo que ela não seja exposta a riscos; ou, em outros termos, o exercício da profissão de jornalista não se dá de modo a poder causar danos irreparáveis ou prejudicar diretamente direitos alheios, sem culpa das vítimas.?
Por sua vez, a ministra Ellen Grace afirmou:
?Daí a utilidade do juízo de proporcionalidade ou de razoabilidade no exame da norma restritiva de direito fundamental, que deve passar pelo crivo dos critérios de adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.?
E, o ministro Cezar Peluso consagrou:
?...foi por isso que insisti em ir à racionalidade última, para dizer que, nos casos em que se exige um saber científico especializado, aí sim, a lei pode atuar, porque não se pode conceber médico que clinique sem os conhecimentos científicos correspondentes, ou um engenheiro, etc. Agora, nas outra profissões, cujo exercício não é baseado em postulados ou verdades científicas, mas na sabedoria da pura intelectualidade, a intervenção do legislador é restritiva e contrária à Constituição.?
Certamente, com todas as vênias, no conjunto ?etc.?, apontado pelo ministro Peluso, está a Advocacia, profissão técnico-científica, haja vista que o Direito é uma Ciência, que deve ser exercida, sobretudo em Juízo, por aqueles que detêm a técnica e os conhecimentos científicos específicos. Preocupam-se o IAB, a OAB, o Poder Judiciário e os próprios advogados, eis que deflui dessas manifestações desairosas inverdades, sempre patrocinadas alguns adversários da profissão, que não a abraçaram por vontade própria e que talvez um dia dela venham participar. Tamanhas considerações descabidas apenas afloram sentimentos e pensamentos desprovidos de amparo fático-jurídico, a ensejar mais projetos legislativos, no intuito da extinção do Exame de Ordem. Mas, certamente os esclarecidos parlamentares haverão de combater ? como já o fizeram recentemente - tais atitudes [19], reveladoras do mais puro desconhecimento a respeito dos advogados e da OAB.
De sorte que, é dispensável o exame sobre as demais manifestações e considerações apresentadas pelo Subprocurador, em seu equivocado Parecer, haja vista que as interpretações por ele ofertadas ao assunto estão em descompasso com o escorreito pensamento jurídico acerca do exercício profissional da Advocacia no Brasil.
O Exame de Ordem, previsto no inciso IV, do artigo 8º, da Lei Federal no. 8.906, de 1994, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, não viola o direito fundamental ao livre exercício de profissão, previsto no inciso XIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, uma vez que se trata de uma das ?qualificações profissionais? (sic) a ser atendida pelo bacharel em Direito, mediante aferição técnico-científica organizada pela OAB, a fim de que ele possa ostentar a ?qualidade? de advogado e exercer o munus publico, especialmente em Juízo, porque a norma constitucional antes indicada, em conjunto com o artigo 133, da mesma Constituição, admite a possibilidade de reserva legal nos casos do exercício de atividade profissional que contém, ao menos em tese, risco de - se mal executada - causar enormes prejuízos ou danos à Sociedade em geral.
Destarte, em conclusão, utilizando os termos extraídos de julgado do Excelso Pretório (RE no. 511.961) apontado na referida peça, é possível afirmar que o ?princípio da reserva legal proporcional pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, como também a adequação desses meios para a consecução dos objetivos pretendidos e a necessidade de sua utilização?. A Advocacia ?reclama qualificações profissionais específicas, indispensáveis à proteção da coletividade, de modo que ela ? a Sociedade - não seja exposta a riscos?, pois ?a utilidade do juízo de proporcionalidade ou de razoabilidade no exame da norma restritiva de direito fundamental deve passar pelo crivo dos critérios de adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito?, especialmente ?nos casos em que se exige um saber científico especializado, aí sim, a lei pode atuar?, não havendo, portanto, qualquer inconstitucionalidade no inciso IV, do artigo 8º, da Lei Federal no. 8.906, de 1994, em face do inciso XIII, do artigo 5º, da Constituição Federal.
É, data maxima venia, a interpretação da Lei, conforme a Constituição !
Sala das Sessões, em 27 de julho de 2011.
OSCAR ARGOLLO
OAB-RJ 29.924
[19] A Comissão de Constituição e Justiça aprovou em março de 2011, por unanimidade, o Parecer do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), favorável ao Exame de Ordem e contrário ao mérito da PEC no. 01, de 2010, na época o único projeto em tramitação no Senado contra o expediente.