Quinta, 4 de dezembro de 2014
Qual é o futuro do ensino jurídico no Brasil diante do atual contexto do ensino superior no Brasil? Quando a carreira de advogado é visto como uma espécie de "empecilho econômico" para o crescimento do país, em função do excesso de profissionais?
Uma visão que coloca o advogado como "custo" para a sociedade por não ser capaz de "produzir nada"?
"Advogado é custo, engenheiro é produtividade? diz Dilma Rousseff hoje, em Nova York
O presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015, Dr. Renato Nalini, tratou deste tema em um interessante texto sobre o atual momento do ensino jurídico no país.
Choque de discernimento
O Brasil está precisando de um urgente choque de discernimento. Além das notícias preocupantes da estagflação, estagnação, retrocesso econômico, paralisação e outros fantasmas que pareciam arredados desta ufanista 6ª economia global, os índices da educação conseguem superar as expectativas mais pessimistas.
A inconsistência da escola fundamental fica para outro dia. Hoje pensemos na realidade universitária. Pela primeira vez, em uma década, o número de concluintes das Faculdades caiu. 30% apenas de quem iniciou um curso universitário consegue terminar. O maior problema é a inadimplência. E 40% das vagas nas escolas superiores são sustentadas pelo Prouni. Abatida essa percentagem, a situação é ainda pior.
A maior parte dos portadores de diploma de nível superior ganha até 4 salários mínimos. Ou seja: nem sempre a formação universitária significa ascensão social. A juventude precisaria ser alertada disso.
Fiquemos no ensino do Direito. O Brasil possui mais Faculdades de Direito do que a soma de todas as demais existentes no restante do planeta. A formação anacrônica produziu um demandismo patológico: os tribunais têm mais de 100 milhões de processos em curso. O Ministro Luis Roberto Barroso outro dia afirmou que a oração dos juízes é ?livrai-nos de tantas ações?? em lugar do clássico ?livrai-nos das tentações?.
O empresário Jorge Gerdau disse num encontro recente que uma das receitas para melhorar o País seria fechar 2/3 das escolas de Direito e substituí-las por escolas de engenharia. Sua explicação:
?O engenheiro faz o Brasil ganhar dinheiro; o advogado faz o Brasil perder dinheiro?.
Outra pesquisa comprovou que a Engenharia teve 52% de aumento na disputa de vagas em vestibulares nos últimos anos. Por isso é que a lucidez precisa alertar a juventude: se quiser vencer na vida deve procurar cursos do futuro, não necessariamente universitários. O Brasil precisa de técnicos. De profissionais que alavanquem a produtividade, daqueles que consigam sobreviver fazendo aquilo que gostem.
Até mesmo advogados podem continuar a se formar. Mas terão outro perfil: serão os arquitetos das soluções, não os peticionários da Justiça. Esse o discurso do novo Presidente do STF, ancorado na realidade alarmante de um Judiciário caótico, insustentável, diante de tantas demandas que não precisariam ter sido confiados à sua apreciação.
O Direito, pelo visto, não se encontra no rol de "cursos do futuro", apesar da ultra litigiosidade hoje existente em nossa sociedade, com mais de 100 milhões de processo em trâmite.
O demandismo patológico seria reflexo da existência de um número elevado de advogados?
Seria melhor para o país formar mais engenheiros visando um aumento da produção, ao invés de investir tanto para formar advogados, especialistas em intermediar a solução de conflitos?
Porque tantos advogados?
Futuro da advocacia: Brasil deverá ter 1 milhão de advogados em 2018
Não seriam resultado de um aumento desproporcional de faculdades de Direito ao longo das 2 últimas décadas?
Na XXII Conferência Nacional da OAB o ex-presidente da Ordem, Dr. Ophir Cavalcante, tratou desta expansão com dados específicos. A evolução do número de faculdades foi assim exposta:
1995 ? 165 faculdades de Direito
2001 ? 505 faculdades de Direito
2014 ? 1284 faculdades de Direito
Isso representou um crescimento de 778,18% no período.
XXII Conferência Nacional da OAB: em 19 anos número de faculdades de Direito no Brasil cresceu 778%
Advogado é custo?
Engenheiro é produtividade?
Não e sim, nesta ordem.
Engenheiro é produtividade, evidentemente. O Brasil tem uma das piores taxas de formação de engenheiros do mundo, conforme dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico:
A deficiência é crônica e revela uma faceta da nossa economia: nossa balança comercial é formada principalmente por produtos derivados do 1ª setor (agricultura e mineração) em detrimento de produtos manufaturados.
E vem governo, vai governo, não conseguimos mudar essa lógica.
Advogado é custo?
Talvez a lógica por detrás dessa assertiva seja direcionada pela visão de que o advogado "não produz", não cria manufaturados, agregando valor a algum material para poder depois vendê-lo na forma de produto industrializado.
Curiosamente, por outro lado muitos acham que o Brasil tem um déficit de advogados, em especial por conta da imensa parcela de pessoas incapazes de custear um para a defesa de seus interesses, além das deficiências notórias das defensorias públicas e dos núcleos de assistência dos mais carentes patrocinados por faculdades de Direito.
Talvez o cerne da questão esteja em uma economia cambaleante, que não cresce, absolutamente incapaz de absorver a mão-de-obra que chega ao mercado todos os anos mas não encontra uma atividade econômica forte o bastante para absorvê-la.
Todos pagam!
Diante do atual contexto, o raciocínio do Dr. Renato Nalini faz sentido: hoje ter um diploma na mão não é garantia de subsistência digna. Talvez um curso técnico seja uma opção melhor.
E talvez faça mais sentido ainda quando o governo força a aprovação de uma lei para mudar os parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal para não ser enquadrado em criem de responsabilidade. Ou seja: gasto o que me conv~em e está tudo certo.
Receita pronta e acabada para a desmoralização das contas públicas e, em especial, fórmula certa para o retorno da inflação.
Se a economia não crescer, nem os engenheiros, tão incensados por Dilma e Jorge Gerdau, irão retirar o país do atoleiro econômico.
Os advogados são apenas vítimas dentro deste contexto. Mas como é preciso achar bodes expiatórios para se atribuir culpas, é mais fácil culpar quem não tem nada com os problemas estruturais do país.
O problema no mercado da advocacia, para quem não sabe, não está só na advocacia: ele está em quase todos os segmentos profissionais de nível superior, com a mesma lógica perversa de salários achatados e poucas oportunidades.
Infelizmente a perspectiva para os próximos anos não é nada animadora, seja para técnicos, advogados ou mesmo engenheiros.