Exame do Cremesp reprova 60% dos candidatos. Por que então TODOS poderão exercer a medicina?

Quinta, 23 de janeiro de 2014

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Dos 2.843 recém-formados em escolas médicas do Estado de São Paulo que participaram do Exame do Cremesp em 2013, um total de 1.684 - ou 59,2% deles - não atingiu o critério mínimo definido pelo Cremesp, ou seja, acertaram menos de 60% do conteúdo da prova. Esses resultados foram apresentados pelo Conselho na tarde desta quarta-feira (22/01/2014), durante coletiva de imprensa, que contou com a presença do presidente da entidade, João Ladislau Rosa, e dos coordenadores do exame, o primeiro-secretário, Bráulio Luna Filho, e o diretor do Centro de Bioética, Reynaldo Ayer.

?Nesses dois anos de exame obrigatório, quase a totalidade de alunos participaram, e os resultados vêm mostrando alto índice de reprovação, sendo que o Exame do Cremesp é muito semelhante ao Revalida ?  realizado pelo Ministério da Saúde ? cujo índice de reprovação também é alto. Chegamos à conclusão, então, que existem problemas tanto na formação do médico no exterior como no Brasil. Por isso, nosso objetivo é divulgar amplamente esses resultados para discutir a qualidade das escolas, e lutar pela implantação do exame nacional obrigatório para ambos os casos, que habilite o exercício da Medicina no país?, afirmou Ladislau, na abertura da coletiva.

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Luna Filho ressaltou que o Exame do Cremesp avalia o conhecimento cognitivo e isso é extremamente complexo. Segundo ele, no mundo inteiro se discute a melhor maneira de avaliar os egressos de Medicina, e a conclusão a que se chega é que a prova de múltipla escolha ainda é a melhor opção. ?A parte prática apenas encarece o exame e não acrescenta nada?, disse, rebatendo as críticas dos que a consideram necessária.

?Nossa prova avalia se existe conhecimento técnico, como o aluno coordena a informação e qual a melhor conduta a ser adotada, com alto grau de correlação ao exame prático, portanto as críticas que recebemos não têm fundamento?, acrescentou.

Maioria das questões teve índice fácil e médio

De acordo com os resultados da 9ª edição, o índice de facilidade do Exame do Cremesp foi avaliado como ?fácil? para 33% das questões e ?médio? para 37,5% delas. O índice de discriminação foi classificado como ?muito bom? para 41,1% das perguntas e ?bom? para 32,1%. O índice de facilidade equivale à proporção de questões corretas dadas pelo conjunto de egressos em cada pergunta. Já o índice de discriminação corresponde ao poder da questão em separar os candidatos que sabem daqueles que não sabem. É obtido pela diferença na proporção de acertos entre os dois grupos extremos de desempenho, o superior e o inferior.

?Considerando esses resultados, a prova do Cremesp não pode ser considerada ?difícil?, apenas exige o conhecimento mínimo que se espera de um recém-formado em Medicina?, avaliou Luna Filho.

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Escolas privadas têm maior reprovação

Outro ponto para o qual chamou a atenção foi a diferença nos índices de aprovação entre escolas públicas e privadas. No Exame do Cremesp de 2013, entre os participantes das escolas paulistas, a reprovação foi maior entre os egressos de instituições de ensino privadas: 71,0% foram reprovados. Já entre os participantes formados em escolas médicas públicas, 33,9% foram reprovados.  ?Quando se analisa os resultados, vê-se que as escolas privadas praticamente reprovam o dobro que as públicas. Não há novidade, mas isso vem se mantendo há 9 anos e o governo insiste na política de permitir a abertura de novas escolas?, criticou Luna Filho. Para ele, as escolas brasileiras avaliam mal seus alunos. ?Hoje a condição para ser médico é poder pagar uma mensalidade de R$ 4 a 6 mil, e as novas escolas contribuem para esse índice desastroso de reprovação?, acrescentou.

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Recorde de participantes, também de outros Estados

Com abstenção de apenas 2,8%, o número de participantes em 2013 é o maior ao longo dos nove anos da aplicação do Exame do Cremesp. O percentual de reprovados ficou 4,7 pontos acima de 2012. No ano anterior, foram 2.411 participantes, com 54,5% de reprovação.

A prova foi aplicada no dia 3 de novembro de 2013 em nove cidades paulistas, além da capital do Estado. É o segundo exame realizado depois que se tornou obrigatório para quem deseja inscrever-se no Conselho Regional de Medicina de São Paulo e atuar no Estado. O registro no CRM, entretanto, não depende do desempenho ou da aprovação nas provas.

No total, 3.328 recém-graduados de Medicina fizeram a prova do Cremesp em 2013. Desse conjunto, 485 participantes vieram de 78 instituições de ensino de outros Estados. Os demais 2.843 formaram-se nas 30 escolas paulistas que já têm turmas graduadas.  ?Vem aumentando a participação de alunos de outros Estados, e o índice de aprovação desse grupo é alto (71%), o que sugere que a qualidade das escolas fora do Estado não é melhor?.

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Segundo Ayer, ?a avaliação do Conselho é seguramente a maior aplicada a alunos egressos de Medicina no Brasil, e o preocupante é que o índice de reprovação vem se mantendo ou aumentando, revelando um grande déficit de qualidade no ensino médico no país?, alertou.

Fonte: Cremesp

A grande pergunta que não quer calar: por que, sendo a medicina, tal como o exercício da advocacia, uma profissão que oferece "risco social", ou seja, o erro do profissional pode causar graves danos ao indivíduos como à sociedade, os reprovados podem depois exercer normalmente a profissão?

Onde estaria o tratamento isonômico?

A resposta é fácil: porque o legislador NÃO QUER instituir um "exame de ordem" real para medicina.

Simples assim!

Deveriam, mas por uma série de lobbys e pressões, não há vontade real de se garantir que a prova do Cremesp (São Paulo) reprove de fato, e muito menos existe uma vontade para instituir uma de âmbito nacional.

Em um país que precisa de um programa como o "mais Médicos", evidenciando a falta de políticas públicas consistentes para a área, a falta de profissionais e infraestrutura de atendimento em regiões mais afastadas (e nem tão afastadas assim), o contingente de recém-formados presumidamente inaptos não poderia ser impedido de exercer o ofício dadas as carências no setor.

Uma situação de risco para toda a sociedade e uma fórmula perigosa: carência de mão-de-obra e carência de formação adequada.

Que lado privilegiar?

O legislador prefere mais médicos (sem trocadilho) do que mais qualidade. E é por isso que o Exame do Cremesp não reprova e é por isso que nem tão cedo iremos ter um verdadeiro "Exame de Ordem" para a área médica.

Aliás, traçando um paralelo, podemos visualizar, e bem, a razões para o Exame da OAB reprovar: excesso de bacharéis em Direito e saturação no mercado da advocacia.

Percebem como os números, e o contexto, influenciam no sentido de se estabelecer políticas públicas divergentes? Uns reprovam e nada acontece; outros, ficam à míngua.

Tudo resultado da falta de planejamento e de políticas públicas sérias na área educacional.

Isonomia é um conceito. Na prática, é outra coisa.