Exame da OAB, bacharéis e faculdades: a dinâmica de uma disputa por poder

Quinta, 12 de maio de 2011

O Exame de Ordem é inconstitucional? Depende. É justo e necessário? Depende também.

Tudo depende.

Hoje a audiência pública sobre o Exame de Ordem mostrou de forma bem explícita uma série de antagonismos que todos, pela primeira vez, vimos de forma bem dinâmica com a tramsmissão ao vivo da audiência pública pela web.

O uso da retórica foi levado aos extremos, o que surpreendeu o jornalista Rodrigo Haidar, do Conjur, que sentou ao meu lado, e que certamente escreverá uma matéria bem completa e detalhada sobre o evento amanhã.

Mas não quero tratar aqui de retórica, dados ou discursos.

E não quero porque o debate em torno do Exame não mostra, de fato, a realidade. E isso porque estamos diante de uma luta entre poderes econômicos, e por força desses poderes que toda a conjuntura atual é articulada e mantida.

O que é o Exame de Ordem? É um sistema (ou processo) de restrição ao mercado da advocacia. Tenham em mente que quando falo restrição não me refiro exatamente ao conceito de reserva de mercado. Chamo de restrição porque o Exame, efetivamente, impede que todos os bacharéis em Direito sejam advogados, ou seja, restringe.

E por que restringe? Restringe não em nome ou em função da Ordem dos Advogados do Brasil em si. Pouco importa para a Ordem faturar mais ou menos com o valor de inscrição, assim como pouco importa receber mais ou menos anuidades com o fim ou manutenção deste.

A OAB não é uma instituição cujos os propósitos encerram-se em si mesma!

O Exame de Ordem, em primeiro plano, protege o mercado da advocacia do excesso de players, do excesso de advogados. O Exame é instrumento de controle. O fator econômico aqui guarda correlação com os interesses dos representados pela OAB e não da OAB em si.

Lógica simples: + advogados = - clientes.

O papel da OAB é evitar saturação do sistema.

O que é o movimento dos bacharéis?

Simplesmente gente que quer trabalhar, ingressar no mercado de trabalho. E isso conflitua com os interesses da classe dos advogados (o interesse da classe não é exatamente o interesse da OAB, mas pela OAB é representado).

Lógica simples: - advogados = + reprovados no Exame = + clientes

Claro! Mais clientes dentro de uma lógica sistêmica e não específica para este ou aquele advogado.

Qual é o papel das faculdades?

Perceberam, no debate, a absoluta falta de opinião do representante do MEC quanto ao Exame em si?

Não é por acaso. Não interessa ao MEC controle ou não de mercado.

Ao MEC compete aplicar políticas públicas para o ensino, e neste ponto o ministério está abraçado até a alma com as instituições de ensino superior.

Hoje temos 4 milhões de universitários. Querem incluir mais 10 milhões até 2010. Serão 14 milhões até lá.

Quem ganha com isso?

1 - Os bancos, pois são os financiadores do FIES. Emprestarão uma fortuna imensa para os milhões de futuros beneficiários, na casa de dezenas de bilhões, e receberão esse dinheiro de volta mais juros.

2 - As instituições de ensino, que vão aumentar sensivelmente seus lucros com a inclusão maciça de novos universitários.

Mais universitários corresponde a um aumento no número de vagas, e isso vai ocorrer independente da ação de qualquer outra força econômica ou política. Nem a OAB, com seu parecer opiniativo, vai suportar a pressão.

Lógica simples: + universitários = + universidades = + $

Percebem então a dialética do Exame?

A expansão do ensino superior contrasta com os interesses da classe dos advogados. Por isso a OAB brada contra o estelionato educacional.

Os universitários querem adentrar no ensino superior para terem uma profissão e uma renumeração compatível com o grau de escolaridade, e contam com o apoio das faculdades, independente da qualidade destas. ambas entram em choque com a OAB.

O MEC lava as mãos, até porque sofre pesada influência do lobby das instituições de ensino. Ou vocês realmente acham que a fiscalização deficitária decorre de negligência pura e simples?

Quem tem razão então?

Eu não sei...

A OAB e os advogados, pelo ponto de vista deles, têm razão.

As faculdades, na defesa de seus interesses, também.

Os bacharéis reprovados no Exame, também têm razão.

Não é uma questão de certo ou errado, é uma questão de papel social.

Tudo o mais, sem exceção, gira em torno disso: defesa dos interesses da sociedade com a seleção de melhores advogados, inconstitucionalidade do Exame, aumento da escolaridade da população brasileira, etc, etc, etc.

Toda a dinâmica é definida em razão da FORÇA  que cada agente social consegue projetar na defesa dos seus interesses: O Exame de Ordem está aí. E a OAB articula muito para mantê-lo. A expansão do ensino superior vai acontecer, e em breve, e o discurso em torno dela é todo favorável. E os bacharéis, lado fraco do processo, porquanto têm um poder econômico e de mobilização muito menor, saem como perdedores dentro dessa lógica.

E essa lógica só vai mudar se o jogo de poder sofrer alterações. Se não sofrer, o Exame de Ordem continuará como está, independente de teses, brigas e bravatas.

Justo ou não, é assim que funciona a democracia, e é assim que funciona o Congresso Nacional.

Viram ontem o debate sobre o novo código ambiental? É a mesma coisa.

Viram o julgamento dos direitos dos homoafetivos no STF? É a mesma coisa.

Viram o julgamento da lei da ficha limpa? Idem...

E assim vai.

O Estado é Democrático de Direito, somos uma República e  tudo o mais que imaginarem ou definirem. Mas a lógica ainda é a do poder econômico, e as leis, princípios e discursos são construídos para legitimar as estruturas de poder.

Em suma: todos nós somos iguais, mas alguns são mais iguais ainda.

E a população? Onde entra o interesse da população?

Meus caros, isso também depende...