Sexta, 20 de dezembro de 2019
Entre os 78 formandos do curso de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) deste semestre, uma não imaginava estar neste grupo quando ingressou na mesma instituição, há sete anos, para trabalhar como auxiliar de serviços gerais.
No próximo dia 21, ao lado dos colegas, no Teatro do Sesi, em Porto Alegre, Leana Chaves de Alcantara, 60 anos, cumprirá uma promessa feita em abril de 2012, enquanto varria uma das salas de aula: receberá o diploma de bacharel.
O nervosismo pela contagem regressiva da data está latente até ao atender o próprio celular: em vez de dizer alô fala o nome completo da FMP.
? Foi um semestre enlouquecedor, com entrega do trabalho de conclusão, finalização das quatro disciplinas que faltava, responsabilidades no trabalho e a formatura. Aliás, só consigo pensar nisso até o dia 21 ? comenta a formanda.
Ela deparou com o trecho de um texto sobre direito de família, escrito no quadro de uma das salas. Naquele momento, recorda, pensou que poderia aprender mais sobre o tema para discuti-lo em qualquer roda de conversa. Para isso, era preciso voltar a estudar.
Mulher se torna advogada e consegue condenação do assassino do pai após 23 anos
Pesquisando, descobriu que poderia ter incentivo educacional da instituição se fizesse a graduação ? ela concluíra o Ensino Médio quase quatro décadas antes. Como ainda estava no período de contrato de experiência, Leana esperou passar os três meses e prestou o vestibular no inverno daquele ano. A decisão foi compartilhada apenas com o marido, Jorge Augusto Bandeira Lang.
Mesmo distante dos livros por tantos anos, a então auxiliar de serviços gerais aproveitou as horas vagas para revisar testes da própria faculdade e estudar com a ajuda de canais do YouTube. Por gostar de ler e de estar sempre informada, acredita, não sentiu dificuldades para escrever sobre a importância de sorrir.
A única entre seis irmãos a chegar à universidade recebeu da FMP uma bolsa de 100% para estudar à noite. Nos períodos de descanso do trabalho e de estudo, a biblioteca se tornou o espaço mais frequentado. Devido à rotina pesada, foi reprovada em algumas disciplinas nos primeiros semestres e o curso, previsto para ser concluído em 10 semestres, será finalizado em 15.
Para o presidente da FMP, Fábio Roque Sbardellotto, o surgimento de Leana na FMP pode parecer uma feliz coincidência da vida. Mas para ele não é isso. A dedicação ao trabalho, o carisma e a humildade dela coincidiram, acredita Sbardelloto, com o perfil da instituição.
? Quando surgiu a dona Leana, houve um casamento de ideais. Ela, uma idealista, um grande exemplo de humanidade e superação, estava ajudando à FMP, e nada mais justo do que a FMP se voltar para ela e oferecer espaços. Por seus méritos absolutos, ela é um exemplo daquilo que as pessoas devem buscar de dedicação, de competência, de humildade e de muita auto-confiança e esperança em melhoria de vida. Não se trata de um episódio, mas de uma postura da instituição de valorizar o ser humano e a relação entre as pessoas ? destaca.
Dois anos e meio depois de ingressar na limpeza da instituição, Leana foi promovida a recepcionista. Na mesma época, ficou viúva, e os estudos a ajudaram a ter a força necessária para enfrentar a perda do marido. Há um mês, a formanda se tornou secretária de Sbardellotto.
? Depois de tantos anos estudando, quero descansar a mente e o corpo pelos próximos seis meses. Depois, começarei a pensar na pós-graduação. Estou muito feliz com as oportunidades que estão surgindo ? projeta a formanda.
Leana costuma listar as datas em que viveu as emoções mais intensas. O próximo dia 21, pelo jeito, deverá ganhar o topo da lista. Até hoje, ela considerava como o dia mais importante da vida aquele em que viu o próprio nome da lista dos aprovados do vestibular.
Fonte: Zero Hora