Sexta, 23 de outubro de 2020
Ao ler o acórdão do Habeas Corpus (HC) 143.641, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu substituir a prisão preventiva pela domiciliar para todas as gestantes e mães de crianças com até 12 anos ou de pessoas com deficiência, o estudante de Direito Julio Cesar Carminati Simões, de 23 anos, sentiu um desconforto.
?Notei que a decisão era omissa na questão dos outros responsáveis. Eu prezo os direitos fundamentais, e naquele momento vi uma possibilidade jurídica da ampliação dos efeitos da ordem?, disse.
O estudante decidiu ele próprio impetrar o HC 165.704, em se requeria a ampliação dos efeitos para que todo responsável, seja homem ou mulher, pai ou outro, possa ter a mesma possibilidade de substituição da preventiva pela domiciliar. Na última terça-feira (20/10), a 2ª Turma do STF, por unanimidade, decidiu que o estudante tinha razão.
No Brasil, são 31.841 presos que têm como dependentes crianças ou pessoas com deficiência, segundo dados extraídos do Sistema Audiência de Custódia (Sistac), mas nem todos devem cumprir as condicionantes elencadas na decisão. No caso de homens pais, eles devem demonstrar que são os únicos responsáveis pelos cuidados de menor de 12 anos ou de pessoa com deficiência. Já no caso de outros responsáveis que não sejam a mãe ou pai, deve-se comprovar que se trata de pessoa imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência
Quando impetrou o HC, em novembro de 2018, Simões estava no 5º período da graduação na Faculdade Doctum de Guarapari, no Espírito Santo. ?Meus colegas não levaram muito em consideração, porque, em regra, a maioria dos HCs não são reconhecidos pelo STF. Mas após os primeiros despachos dos ministros e a manifestação da PGR, aquilo realmente se tornou algo notório na faculdade?, afirma Simões.
Em 2019, o ministro Gilmar Mendes, relator decidiu que o estudante não tinha legitimidade ativa para impetrar um habeas corpus coletivo. Mas, ?considerando a relevância do tema discutido, entendo ser o caso de se intimar a Defensoria Pública da União (DPU), a fim de que informe se há interesse em integrar o polo ativo da causa, podendo ainda apresentar subsídios fáticos relativos à demanda deduzida?.
A DPU então passou a integrar o processo. ?Fiquei honrado porque a DPU possui uma importante atuação na defesa dos direitos difusos e coletivos?, conta Simões.
No dia 3 de setembro de 2019, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou favorável ao HC impetrado pelo estudante. Ela apontou que o ?cenário de desrespeito aos direitos humanos das pessoas encarceradas atinge, indistintamente, homens e mulheres, conforme reconheceu a Suprema Corte nos autos da ADPF 347/DF, ao declarar o ?estado de coisas inconstitucional? do sistema penitenciário nacional?.
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, argumentou, durante seu voto, que apesar de beneficiar os presos, ?é preciso entender que, antes de qualquer coisa, o dispositivo tutela os nascituros, as crianças e os portadores de deficiência que, em detrimento da proteção integral e da prioridade absoluta que lhes confere a ordem jurídica brasileira e internacional, são afastados do convívio de seus pais ou entes queridos, logo em uma fase da vida em que se definem importantes traços de personalidade?. Destacou, também, a situação de risco e urgência causada pela pandemia da Covid-19.
Simões acredita que ainda há muito a fazer no sistema penal. ?O Estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro é muito maior do que a solução que foi dada neste momento. Mas, é um início para começar a render essa política prisional beneficiária?. De qualquer maneira, o desconforto sentido por Simões em 2018 irá impactar centenas ou milhares de famílias.
Fonte: Jota