Estágio obrigatório e a oficialização do ensino cartorial

Segunda, 18 de março de 2013

Na última terça-feira (13/3), o ministro da Educação anunciou que os estudantes do curso de Direito deverão fazer estágio obrigatório em órgãos públicos ? como, por exemplo, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública etc. ? para obterem o título de bacharel. Tal iniciativa conta com o apoio do presidente da comissão nacional de educação jurídica da OAB, Eid Badr, para quem a atividade prática é ?absolutamente essencial?. Esta seria apenas uma das mudanças planejadas juntamente com a OAB. Outras se referem ao processo de abertura de novos cursos e, igualmente, das grades curriculares.

Segundo Aloizio Mercadante, ?precisamos ter mais critérios para a expansão dos cursos de direito e uma das exigências que nós vamos fazer, entre outras, é o estágio obrigatório?. Em seguida, complementou o ministro: ?o Brasil tem quase 850 mil advogados e esse é o pior caminho: alguém estudar, pagar faculdade e depois não ter direito de exercer a profissão plenamente?.

Com efeito, a proposta ? no estilo ?residência obrigatória?, à semelhança do que ocorre nas ciências da saúde, porém concomitante ao curso ? é polêmica na medida em que envolve interesses distintos: uma coisa é a importância da prática jurídica, que parece indiscutível; outra, bem diversa, é a exigência de que o estágio seja realizado em órgãos públicos.

Neste contexto, em que pese o reconhecimento da importância da prática jurídica, merecem destaque as dúvidas levantadas por Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito da FGV-Rio, em coluna publicada na Folha de S.Paulo (14/3):

- ?O Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria seriam obrigados a abrir vagas e concursos aos milhares de alunos que se formam?? - ?Estes estágios em geral são pagos. Qual o impacto no orçamento destes órgãos? Haveria um aumento de pessoal fixo, ainda que com estagiários rotativos?? - ?Pode o ministério, um órgão do Poder Executivo, criar obrigações para o Poder Judiciário e o Ministério Público? Como fica a autonomia desses órgãos?? - ?A efetividade da regulamentação dependeria da adesão dos órgãos públicos?? - ?O estágio seria obrigatório apenas nos órgãos governamentais ou valeria para organizações de interesse público ou social, como ONGs, associações??

A estas questões, de caráter provocativo, acrescento outras que também colocam em xeque a proposta do MEC e da OAB:

- Quantas vagas seriam necessárias para absorver a horda de estagiários que habita os mais de 1.200 cursos em funcionamento atualmente em todo território nacional?

- Aproveitaríamos a experiência que adquirimos nos últimos anos com a profissionalização dos concursos públicos para a realização das seleções de estagiários?

- Como fariam os alunos que pretendem se dedicar à pesquisa jurídica desenvolvida junto às universidades e centros de pesquisa; ou, então, aqueles que trabalham e não dispõe de tempo para mais uma modalidade de estágio? E os alunos que não pretendem exercer a profissão?

- O que garante que o estágio obrigatório em órgãos públicos ? e não na iniciativa privada ? é uma solução para a baixa qualidade da formação dos juristas?

- Qual a proporção, atualmente, entre estudantes que realizam estágio e estudantes que não o realizam antes de concluírem o curso? O que assegura que os primeiros são mais qualificados que os segundos? Existe algum prognóstico?

- Quem será responsável por fiscalizar o cumprimento dos estágios e, sobretudo, garantir sua efetiva contribuição na formação dos estagiários?

Além disso, há uma série de indícios no sentido de que, na verdade, a obrigatoriedade do estágio em órgãos públicos decorre da preocupação com os altos índices de reprovação no Exame da Ordem, verificados especialmente nos últimos anos.

O paradoxo, entretanto, pode ser formulado do seguinte modo: por que forçar os estudantes a realizarem estágios obrigatórios em órgãos públicos e insistir no modelo tecnicista se é notório que o maior déficit dos estudantes está, precisamente, no plano do conhecimento teórico (isto para não falar da língua portuguesa)?

Uma pergunta final: por que não investir no ensino da dogmática jurídica, que ainda é a maior deficiência dos estudantes, como revelam os resultados da primeira fase de todos os concursos públicos, especialmente o Exame da Ordem, cuja última edição reprovou 83,33% dos candidatos na prova objetiva?

Em suma, tudo indica que a obrigatoriedade do estágio em órgãos públicos ? ou estágio ?social?, como alguns já o vem chamando ? aponta, definitivamente, na direção da institucionalização de um ensino jurídico não apenas profissionalizante, mas também cartorial. Será que é isto o que queremos?

Fonte: Conjur