Entrevista: Piso salarial dos advogados e abertura do mercado da advocacia

Segunda, 11 de junho de 2012

Recentemente (24/05) dei uma entrevista para o site Minha Voz na OAB, da campanha para a OAB/SP do advogado Roberto Podval. Falei um pouco sobre o mercado da advocacia, abertura para bancas internacionais e piso salarial.

Confiram:

Abertura do mercado não é assunto só de advogados

O advogado e editor do blog Exame da Ordem, Maurício Gieseler, concedeu entrevista ao site Minha Voz na OAB. Para ele, a abertura do mercado brasileiro a escritórios internacionais vai abrir oportunidades só para uma minoria. Maurício prevê que a chegada das grandes bancas estrangeiras deve provocar o que chamou de uma agitação de intensidade ainda desconhecida. ?A massa de advogados vai ficar de fora?, resume.

Maurício defende, no entanto, que se faça estudos e discussões sobre o impacto desse modelo para a sociedade brasileira. ?Hoje o debate só ocorre dentro da OAB. A maioria dos profissionais está alheia ao que acontece?, destaca. ?É certo que uma reserva de mercado gera uma estagnação ou mesmo uma involução para o próprio mercado fechado, pois seus atores, sem uma concorrência externa, acabam se acomodando e não sentem a necessidade de se aprimorarem?, pondera o editor.

Advogado com atuação em Brasília e pós-graduando em Direito do Trabalho, Maurício entende que a abertura de mercado será interessante houver benefícios claros para o país, que extrapolem até mesmo os interesses exclusivos da classe dos advogados. ?Mas depende de estudos. Por que depois que se abrir o mercado, dificilmente ele será fechado e seus efeitos terão de ser suportados, sejam eles bons ou ruins?, alerta.

Ainda de acordo com Maurício Gieseler, o problema do mercado de trabalho se dá pelo grande número de profissionais disponíveis no mercado, fenômeno que responde pelos baixos salários pagos à categoria. ?Hoje o Brasil tem aproximadamente 6 milhões de estudantes universitários. Em 2020 eles serão, segundo estimativas do governo, 10 milhões. Se os salários caem em função do excesso de profissionais no mercado, em 2023 ou 2025 os jovens advogados vão receber, se muito, um salário mínimo?, estima o advogado.

Leia a entrevista:

MVO: A remuneração dos advogados está em pauta. Qual sua opinião?

Maurício: Vamos assumir que os baixos salários decorrem diretamente do excesso de profissionais hoje disponíveis no mercado, permitindo que os empregadores ofereçam pouco por terem a certeza do preenchimento das vagas ofertadas, sejam os valores razoáveis ou não. Hoje o Brasil tem aproximadamente 6 milhões de estudantes universitários. Em 2020 eles serão, segundo estimativas do governo, 10 milhões. Se os salários caem em função do excesso de profissionais no mercado, em 2023 ou 2025 os jovens advogados vão receber, se muito, um salário mínimo.

Atualmente a carreira do advogado é construída exigindo-se um esforço muito maior por parte do jovem advogado. Em sua maioria, o recém-aprovado no Exame de Ordem pensa, e muito, nas carreiras públicas, pois as condições hoje ofertadas pela iniciativa privada são muito mais áridas e as perspectivas envoltas em incertezas.

MVO: Que soluções você aponta para mitigar os problemas enfrentados pela massa de jovens advogados, que brigam para ingressar e se manter no mercado de trabalho?

Maurício: Não existe nenhuma solução simples ou rápida para a questão da remuneração dos jovens advogados. Na realidade, creio que o problema é verdadeiramente insolúvel. Digo isso porque estamos falando de um problema estrutural na educação brasileira. No início da década de 90 foi decidido que o ensino superior passaria a ser majoritariamente conduzido pela iniciativa privada. Tal movimento teria consequências previsíveis e foi antecipado pela OAB à época. Tanto é que o projeto da atual Lei 8.906/94 foi apresentado em 1992 já com a previsão do Exame de Ordem nos atuais moldes. Em 1991 o Brasil tinha 165 faculdades de Direito, hoje são 1.240. Na última conferência nacional dos advogados, ocorrida em novembro do ano passado, foi passada a impressionante informação de que existem hoje 694 mil alunos matriculados em cursos de Direito. Eis a questão: a mitigação da concorrência entre os jovens advogados, aqui considerando o todo, só pode ocorrer se houve uma redução no número de faculdades e, consequentemente, no atual número de estudantes.

Isso, evidentemente, exigiria uma flexão de músculos muito além da capacidade da OAB. Os grupos educacionais não só são grandes empresas, alguns até cotados em bolsa, como possuem um sem-número de ramificações na sociedade (e nos poderes do Estado), sem contar um imenso número de trabalhadores envolvidos. Como então reduzir a verdadeira causa da explosão do número de advogados e sua consequência no mercado mais funesta, a redução da massa salarial? Não vejo como.

MVO: Você postou no seu blog ?Exame da Ordem? comentário sobre o Projeto de Lei n° 2774/11, em tramitação na Câmara dos Deputados, que trata da regulamentação da profissão de pedreiro e fixa o piso salarial da profissão em R$ 1,5 mil. Esse valor é maior do que o piso salarial dos advogados do Distrito Federal?

Maurício: Esse valor é igual ao piso salarial sancionado em fevereiro pelo Governo do Distrito Federal. A reflexão gira em torno do seguinte raciocínio: o investimento de tempo, dinheiro e intelecto para se formar um advogado é muito maior do que para formar um pedreiro. Soa estranho que profissionais cuja discrepância de investimento educacional ao final resulte em uma precificação, determinada pelo mercado, que seja muito assemelhada.

Aqui, claro, faço um parênteses: quando se legisla e impõe um teto salarial, estamos falando de um mercado imperfeito, que necessita de uma regulamentação para que possa funcionar com um mínimo de regularidade, adequando os interesses antagônicos de seus atores, empregadores e empregados, e os desequilíbrios resultantes dos fatores do mercado considerados como um todo. O salário do jovem advogado, no Brasil, varia entre R$ 900,00 a 1.300,00 na média. Temos exceções, mas a lógica é essa. Aqui no Distrito Federal, por convenção coletiva, os pedreiros tem assegurado um salário inicial de aproximadamente R$ 1.000,00. Curiosamente, as construtoras pagam bem mais do que isso, pois o mercado da construção civil passa por uma crise de mão-de-obra em função do aquecimento da demanda e explosão dos preços: estão faltando pedreiros no mercado.

O salário necessariamente sobe. É a simples lógica da oferta e da procura. O piso dos advogados foi criado em função do imenso número de jovens advogados, bem acima do número de empregos oferecidos, jogando o valor dos salários para baixo e obrigando a intervenção estatal. Exatamente o contrário ocorre no universo da construção civil. Apesar do piso de R$ 1.500,00 ter sido proposto para a categoria dos pedreiros, eu acho esse projeto desnecessário ao menos na atual conjuntura. O parlamentar autor do projeto deveria ter pensando nos jovens advogados e na criação de um piso nacional para a categoria, e isso por uma simples questão de necessidade. Os empregados da construção civil dentro da lógica do mercado hoje vão bem, os jovens advogados, não.

MVO: São Paulo é um dos dez Estados que fixou piso. A regra existe porque há distorção no mercado. Aqui os advogados não devem receber menos de R$ 2.002,99? O que acha desse valor?

Maurício: Valor é sempre um conceito subjetivo. O piso proposto em São Paulo certamente extrapola a média salarial do país, mas uma série de fatores devem ser sopesados para se avaliar se tal piso é justo ou não. Custo de vida, complexidade das tarefas, nível de responsabilidade entram no cálculo e isso é difícil de mensurar a priori. Ademais, precisamos considerar que se o piso é estabelecido acima do que o mercado está disposto a pagar alternativas serão criadas pelos empregadores.

Hoje um jovem advogado pode ser contratado como advogado associado e assim elidir as preocupações do seu empregador sem que este burle a legislação. O advogado associado não é sócio tampouco é empregado, participa dos resultados, tal como previsto no art. 39 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia, na medida determinada pelo contratante. É um atalho fácil para os escritórios fugirem de pisos salariais. Tendo isto em vista, a criação dos pisos até parecem uma piada, ou, uma peça de retórica visando campanhas eleitorais. O mercado precisa estar sanado para seus atores poderem livremente negociar em bases razoáveis. A implementação de um piso se justifica quando a porteira já está arrombada. É remédio e não solução.

MVO: O que está na raiz do problema da remuneração dos advogados?

Maurício: Excesso de faculdades de Direito. Essa é a única raiz do problema. Aqui o Exame de Ordem aparece como a última salvaguarda da OAB. Se o Exame cair o sistema todo entra em colapso.

MVO: Qual sua opinião sobre a entrada dos grandes escritórios estrangeiros no Brasil? Eles podem alavancar o mercado de trabalho?

Maurício: É certo que uma reserva de mercado gera uma estagnação ou mesmo uma involução para o próprio mercado fechado, pois seus atores, sem uma concorrência externa, acabam se acomodando e não sentem a necessidade de se aprimorarem. Essa é a realidade atual da nossa advocacia e uma abertura irrestrita (apenas como suposição), de imediato, iria impactar em alguma medida no mercado. O problema é projetar tal impacto. Se hoje as faculdades de Direito são chamadas pelos próprios membros da OAB de ?estelionatárias? por entregarem um ensino medíocre. Como estes profissionais (a maioria) vão se adaptar às demandas de escritórios internacionais? Não vão! Haverá uma agitação no mercado, de intensidade desconhecida, mas ela vai abrir oportunidades, mais uma vez, para uma minoria. A massa dos advogados vai ficar de fora.

MVO: E melhorar os salários?

Maurício: A abertura do mercado da advocacia vai ser bom para alguém. Disso não tenho dúvidas, pois se fosse ruim para todos o debate estaria natimorto. Tenho a impressão de que será uma minoria bem elitizada a se beneficiar em uma eventual abertura. O advogado, na essência, não gera valor. Ele é um intermediário em situações de atrito ou negociais, mitigando prejuízos, evitando-os ou sendo um agente para se criar lucros em função da intermediação. Não é fonte imediata de geração de riqueza, apesar de ser um personagem indispensável. É visto como um custo para quem gera valor, como uma empresa, por exemplo. Um custo necessário, obviamente. A abertura do mercado pode viabilizar muitos negócios tanto para escritórios como para seus representados, abrir mais portas para o comércio internacional e isso ser um fator de desenvolvimento a mais para o país como um todo.

Mas esse ?custo?, os honorários, não ficará somente aqui: vai alimentar alguma conta no exterior. Não podemos falar em abertura de mercado sem um estudo sobre seu impacto. Hoje o debate só ocorre dentro da OAB. A maioria dos profissionais está alheia ao que acontece. Não só o debate deve ser ampliado como também estudos devem ser feitos. Se houver benefícios claros para o país, que extrapolem até mesmo os interesses exclusivos da classe dos advogados, a abertura é interessante. Isso, de uma forma direta ou não, impactará na massa salarial dos advogados. Mas, com eu disse, depende de estudos. Por que depois que se abrir o mercado, dificilmente ele será fechado e seus efeitos terão de ser suportados, sejam eles bons ou ruins.

Fonte: Minha Voz na OAB