Quarta, 23 de abril de 2014
A imagem acima é uma representação da fábula "A Raposa e as Uvas", atribuída a Esopo e reescrita por Jean de La Fontaine.
É basicamente a história de uma raposa que tenta, sem sucesso, comer um cacho uvas penduradas em uma vinha alta. Não conseguindo, afasta-se, dizendo que as uvas estariam verdes. A moral no final da fábula pode ser resumida assim: É fácil desprezar aquilo que não se pode obter.
E como fábula, foi pensada certamente após Esopo perceber algo da nossa natureza: o desprezo por aquilo que não temos.
Obviamente isso não ocorre com todos, mas é inegável como fenômeno da psicologia humana.
Agora leiam este depoimento. Vejam toda a indignação, raiva e frustração de uma candidata por ter sido injustiçada ao fazer a prova.
Prezado Maurício,
Não sei exatamente o motivo de estar escrevendo este e-mail. Talvez seja uma forma de desabafo, ou talvez, por acompanhar o blog a tanto tempo e ver sua dedicação com os assuntos do Exame e principalmente com os examinandos, já me sinto no direito de lhe tratar como um amigo.
Também não sei descrever exatamente o que estou sentindo neste momento. É um misto de raiva, tristeza, indignação, ódio e tantos sentimentos mais que não trazem nenhum benefício, exceto a vontade de sumir ou socar alguém até perder as forças.
Eu não consegui passar nesse Exame. Não porque não sabia a matéria, nem porque fiquei nervosa (como aconteceu na primeira vez que fiz a segunda fase), mas pura e simplesmente porque alguém achou que eu não merecia, resolveu não ler minhas questões, não gostou da minha letra ou qualquer outro motivo tão fútil e idiota que me faz passar mal só de tentar imaginar. Vale aqui contar que estou grávida de 4 meses do meu segundo filho, e quando tudo isso aconteceu, eu comecei a sentir dores e pequenas contrações.
Mas a minha maior dor, foi ver que tudo o que eu fiz, todo o meu empenho, as horas de estudo, os fins de semana perdidos, os passeios que deixei de fazer com meu filho, tudo isso, foi desperdiçado por alguém que sequer me conhece, não sabe das minhas condições e nem o quanto eu almejava a carteira vermelha. O pior de tudo: não foi só comigo.
Vendo o grupo no Facebook, em especial na área que eu fiz, percebi que MUITA gente passa pela mesma situação que eu, ou até pior. Eu consegui acertar a peça, respondi as questões (que estão de acordo com o gabarito) e mesmo assim, consegui pontuar apenas meia questão.
Veja, eu me formei por uma universidade católica, daquelas que a mensalidade custa R$900. Se me perguntarem se a minha formação foi boa, eu respondo que sim, que apesar dos problemas que enfrentei na faculdade, principalmente no que diz respeito a burocracia, os professores, em sua maioria, eram bons e atenciosos e realmente buscavam passar um conhecimento.
Mas de que vale os cinco anos de faculdade, todo o dinheiro investido e o tempo dedicado, se o meu diploma, mesmo lindo e dourado, não vale nada se não vier acompanhado de uma carteira vermelha? De que vale agradecer aos meus pais, que ralaram muito para que eu pudesse me formar por uma universidade reconhecida, se agora eu tenho que ligar pra eles e dizer: ?desculpa, mas eu não consegui, e a culpa nem é minha??
Nunca antes eu tinha sentido na pele o que é a injustiça. Já tinha visto acontecer, principalmente no estágio que fiz por mais de dois anos. Vi mães que lutavam para que seus filhos tivessem direito a receber remédios do Estado, enquanto os pequenos lutavam pela vida; militares que hoje sofrem com enfermidades incuráveis por conta da precariedade das estruturas nas Forças Armadas em alguns Estados, e buscam apenas o que lhes é de direito: um tratamento digno e a chance de deixar para suas famílias algo que nunca suprirá a sua falta, uma pensão, pois a morte para eles já tem data marcada.
Nada disso é justo. Se pudéssemos esquematizar um ?nível de injustiça?, eu não teria problema algum em admitir que eles estão muito piores do que eu. Pra mim, foi apenas uma prova, apenas um adiamento. Para eles, é a vida. É a chance de acordar no dia seguinte, e o sonho de ver o filho voltar a correr no parque.
E a injustiça dói. Dói muito mais do que assumir um fracasso. Dói principalmente por saber que não há nada que se possa fazer, pois a pessoa para quem se vai recorrer é a mesma que negou e se ainda assim ela quiser dizer não, só nos resta aceitar e engolir a seco. O que me consola é que, acima da injustiça dos homens, está a justiça de Deus, e essa nunca falha. Todo mundo um dia há de acertar suas contas, e na minha vida, eu faço o possível para que meu acerto seja pequeno, e que as bondades que eu fiz sejam muito maiores do que as maldades.
Escrevo tudo isso para tentar demonstrar um pouco da minha indignação não só com a OAB, mas com todas as instituições deste país. A OAB é só mais uma delas. É só mais uma que faz o que bem entende, com quem quiser, e absolutamente ninguém pode fazer nada para impedir ou modificar o que é decido por eles.
Não defendo aqui o fim do Exame de Ordem. Muito pelo contrário. Acho que todos os cursos deveriam ter um exame de classe. Mas defendo sim uma séria e radical modificação no EO. Começando com a possibilidade de controle pelo Judiciário. Onde já se viu uma instituição que faz o que bem quer, que está acima do bem e do mal e que não há NENHUM órgão para fiscalizar? Não há ninguém a quem recorrer, se não eles mesmos. E me parece que eles precisam manter um número X de aprovados, para garantir as anuidades, e um número Y de inscritos, para continuar lucrando.
Infelizmente, continuo, por enquanto, no grupo Y. Tentarei recorrer das questões que não foram corrigidas, pois na faculdade me ensinaram a não jogar a toalha nunca, e correr sempre atrás do melhor para o cliente. O cliente, neste caso, sou eu, e mais do que eu faria por qualquer pessoa, vou fazer o melhor por mim. Tenho fé em Deus, e acredito que tudo isso acontece por um motivo. Por mais que eu não possa entender, Ele sabe o que é melhor pra mim, e tudo acontece no seu devido momento.
Apesar de toda a raiva e o ódio que eu senti das pessoas que fazem essa prova, das pessoas que corrigem e de quem participa de toda essa tramóia, não desejo mal a eles. Minha vontade de socar até perder as forças, como disse no começo do texto, está indo embora. Injustiças imensamente maiores são cometidas todos os dias e infelizmente elas continuarão. Continuarão até o dia em que quem as faz, perceba que nós somos todos iguais, que o que dói em mim, também dói em você, que o que me faz sorrir, também te faz sorrir. Mas principalmente, e acima de tudo, continuarão até que quem sofreu a injustiça perceba que tem o poder de fazer tudo isso parar. Tem o poder de agir diferente quando encontrar a mesma situação pelo seu caminho. Mais do que o poder, tem o dever, de não injustiçar ninguém. E é nisso que eu me pauto para seguir a vida. Se alguém me fizer algum mal, eu perdoo, sigo em frente, e peço a Deus que nunca me permita fazer aquilo com qualquer outra pessoa. Pois o que eu quero para os outros são somente as coisas boas que me aconteceram. As coisas ruins a gente esquece.
Vou tentar o recurso, mas sei que as possibilidades são mínimas, pois minha nota foi bem baixa. Se Deus quiser, há de dar certo. E se não der, DESISTIR JAMAIS.
Peço desculpas, Dr. Maurício, por tomar tanto do seu tempo, escrevendo praticamente um tratado. Mas como disse, a vontade de socar está indo embora, graças a isso tudo que eu escrevi, e principalmente por estar direcionado a alguém que entende bem o que eu estou passando e o que eu estou sentindo.
Agradeço a atenção.
A mensagem acima tem dois anos já. Foi escrita por ocasião do VIII Exame de Ordem e enviada a mim naquele período. Mas como sofro de uma overdose de informações, infelizmente ela passou batida.
Mas passou batida só até ontem, quando a mesma pessoa voltou a me escrever e "esbarrei" na mensagem. Perguntei como ela estava ela respondeu que estava tudo bem, que tinha largado a advocacia e agora era empresária.
"Largado a advocacia?" Sim...a mensagem acima foi escrita logo após a prova subjetiva do VIII Exame, e ela foi aprovada no Exame seguinte, o IX.
Imediatamente seu primeiro texto ganhou aos meus olhos uma nova dimensão, pois era um relato de um tempo pretérito, de uma condição não mais vivenciada por sua autora.
Ela, afinal, havia triunfado sobre o Exame.
E o texto, ao menos para mim, ganhou em significado porque ele é amargo, sofrido, carregada de indignação e frustração. A dor vivida pela candidata por ter, sob sua ótica, ter sido injustamente reprovada (o que eu não duvido nada) e, ainda assim, resoluta, em meio a sua dor, a conseguir vencer através do mérito, e provar para a OAB de que ela era capaz.
Ela foi capaz.
O interessante é ver esse mesmo tipo de discurso proferido por gente que já desistiu de passar na OAB ou que se encontra em vias de desistir. Não lhes tiro a razão de se sentirem frustrados ou com raiva, muito pelo contrário, mas a diferença neste caso foi que, independente do tamanho da injustiça ou da raiva, a nossa amiga correu e busca de resolver, por conta própria, o que aconteceria consigo mesma.
A culpa pode até ser dos outros, mas a solução é providenciada por nós.
O Exame de Ordem é marcado por uma série de injustiças, uma série de erros e abusos, mas ele está aí e provavelmente nunca vai deixar de estar. Vencê-lo é o melhor caminho, e isso demanda, em maior ou menor medida, um sacrifício pessoal e algumas dores.
Triunfar sobre a prova é algo possível. Por vezes não basta só estudar e aprender muito; pode ser necessário também uma dose extra de sacrifícios, angústias e renúncias, mas o final dessa história é sempre igual para quem se mantém firme na luta: a aprovação.
A nossa amiga da mensagem acima passou pelo liminar da frustração e não se deixou abater.
Que isso possa servir de inspiração para quem está amargando neste momento. É difícil, mas não é impossível.
E se ela conseguiu, vocês também conseguirão.