Editorial da Folha de São Paulo: Aferir a capacidade dos novos médicos deveria ser uma questão de Estado

Sexta, 7 de dezembro de 2012

Há algo de muito errado em um país quando mais da metade dos alunos que estão concluindo o curso de medicina, no Estado mais rico e populoso da nação, não tem domínio de áreas básicas para exercer a profissão.

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Não que os resultados divulgados ontem pelo Cremesp sejam surpreendentes. Desde que a prova foi criada, há sete anos, os índices de reprovação estiveram entre 32% (2005) e 61% (2008).

Agora, porém, o impacto é maior porque todos os formandos foram avaliados.

Ainda que se pesem as críticas em relação à metodologia do exame, intriga o fato de não haver nenhuma mobilização dos ministérios da Saúde e da Educação para melhorar esse cenário. Aferir a competência técnica dos futuros médicos antes de soltá-los no mercado deveria ser uma questão de Estado, de interesse público.

Isso se torna evidente quando os resultados do "provão" revelam que as áreas de maior reprovação são as de saúde mental (41% de acertos) e pública (46%).

Em um país em que 90% da população é usuária de alguma forma do SUS, o Estado deveria tomar para si a responsabilidade de um modelo de avaliação que conferisse a qualificação ao médico antes que ele chegasse ao mercado, a exemplo do que fazem os EUA e o Canadá.

A Inglaterra deu um passo além. Neste mês, o governo britânico instituiu um sistema que obrigará todos os médicos já formados a passarem por avaliações periódicas.

Os testes serão feitos por entidades médicas, mas tudo supervisionado pelo Ministério da Saúde britânico.

Os médicos terão de comprovar (por meio de cursos, por exemplo) que estão aptos para continuar na profissão. A palavra do paciente também contará pontos.

Levando em conta que o SUS foi inspirado no modelo britânico, é uma boa hora para o governo brasileiro aprender algumas lições de como oferecer uma saúde de melhor qualidade à população.

Fonte:

Vi que algumas pessoas comentando que os percentuais de reprovação na prova do Cremesp não foram tão ruins quanto aos percentuais de reprovação verificados no Exame de Ordem, hoje na casa dos 80%.

Obviamente há uma explicação para isto.

O processo vestibular para os cursos medicina AINDA existe (incluindo as particulares), diferentemente do vestibular para o curso de Direito (em especial nas particulares), que simplesmente virou uma peça de museu. Hoje qualquer um, sem esforço, entra em uma faculdade de Direito, em especial por conta da elevadíssima oferta de cursos (1.280 em todo o Brasil).

Ademais, o número de faculdades e estudantes de medicina é bem menor, não só por conta dos vestibulares (poderoso filtro nas instituições públicas) como também do elevado custo das faculdades particulares.

O resultado do Cremesp só pode, dentro deste contexto, ser visto como catastrófico: mais da metade não sabe o mínimo para o exercício da profissão.

E é isso que tem, há anos, ido para o mercado.

Infelizmente no Brasil o movimento pelo fim do Exame da OAB, que pode ser visto também como um movimento contra os exames de proficiência em geral, tem muitos adeptos no parlamento.

Com o sistema de ensino falido como o nosso, os exames deveriam ser obrigatórios para TODAS as profissões, visando em especial salvaguardar os interesses da população.

Mas o populismo de uns não se importa com esses pequenos detalhes. Nesse meio tempo, o incauto, desavisado e humilde corre o risco de pagar com a vida por conta do populismo de alguns.

Durma-se com um barulho desses.

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