É possível antever os temas a serem cobrados na prova da OAB a partir dos nomes dos membros da banca?

Quarta, 11 de dezembro de 2013

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Em concursos públicos, em especial os mais difíceis, os candidatos olham os nomes dos membros das bancas para balizar os estudos, pois sabem que as questões tendem a refletir o pensamento destes.

Ontem a OAB adotou essa medida pela 1ª vez, divulgando os nomes dos coordenadores de cada disciplina da prova subjetiva, tal como vocês podem ver no link a seguir: OAB publica comunicado com a lista de coordenadores das disciplinas da 1ª fase do Exame de Ordem

Dessa lista surge, naturalmente, a pergunta: é possível estudar esses professores e tentar ver como eles pensam e, em princípio, tentar apreender de forma antecipada eventuais tendências para a prova objetiva?

Ontem em mesmo escrevi que isso era uma possibilidade, mas, depois de refletir um pouco, mudei de ideia. Não me parece algo tão óbvio assim. Talvez seja mesmo improvável.

Por quê?

Não levei em conta, naquele momento, uma série de características do Exame de Ordem, características essas que mitigam eventuais influências doutrinárias dos coordenadores.

Vamos entender o porquê disto!

1 - A forma de construção da prova

A de se ressaltar que os professores da lista foram divididos em dois grupos: um de coordenadores por disciplina e outro de avaliadores do banco de questões.

Não sabemos, evidentemente, como é feita a coordenação e quais são as diretrizes passadas. Talvez, neste ponto, eles indiquem os temas a serem abordados e que farão parte do banco de dados; ou, eles escolhem quais temas do banco de dados devam fazer parte da prova. Ou ambas as coisas. Não sabemos.

Já os professores avaliadores devem, por óbvio, verificar a logicidade e coerência das questões.

Então, quem faz as questões? Funciona mais ou menos assim:

1 - A prova do VII Exame de Ordem, por exemplo, foi constituída por 18 questões difíceis, 39 de média dificuldade e 23 consideradas fáceis, sob o ponto de vista dos professores responsáveis pela prova.

2 - Existe uma média de 5 a 10 professores elaboradores de questões por especialidade. Uma questão é formulada e os professores daquela especialidade avaliam se ela está bem constituída, aprovando-a ou não.

3 - Após a elaboração a questão passa por uma revisão técnica: língua portuguesa e logicidade da questão.

4 - Após a revisão técnica a questão vai para um "banco de questões". Para cada disciplina a FGV arquiva algo em torno de 300 a 400 questões.

5 - Quando as questões estão prontas, acontece uma primeira reunião com especialistas da OAB responsáveis por avaliar as questões feitas pela FGV, aceitando-as integralmente, aceitando com restrições, recusando-as ou propondo alternativas.

6 - Após a reunião, a FGV remodela as questões em razão das sugestões feitas pelos especialistas da OAB.

7 - Feita essa revisão, o banco de questões é considerado pronto e então inicia-se o processo de escolha das questões que comporão a prova.

8 - Outros professores, não envolvidos na criação das questões, irão selecionar as questões que irão compor a prova.

9 - Essa primeira seleção de questões passa mais uma vez por uma revisão de língua portuguesa, há uma busca em um banco de dados para verificar se a questão não foi usada em um outro concurso, garantindo a sua originalidade.

10 - A FGV não aceita questões que representem uma transcrição literal do código para evitar repetições com outras questões de concursos. Hoje em dia é muito difícil elaborar um enunciado sem repetir problemas semelhantes já usados em outros certames.

11 - Dificilmente a FGV trabalha com questões que envolvam prazo, em função da facilidade da consulta. Ela tenta priorizar questões que exijam mais logicidade e criatividade.

12 - Após a definição das 80 questões que irão compor a prova, uma pessoa, alheia a todo o processo de elaboração da prova, faz uma última leitura de revisão.

Fonte: Blog Exame de Ordem

Como vocês podem ver, a construção das questões é um processo complexo e que envolve muita gente. Nada é fruto de uma só cabeça. Afora isso, há uma nítida distribuição de competências. Há os elaboradores, os revisores e os coordenadores. Evidentemente existem diretrizes gerais, mas quem as dá e como elas são seguidas ninguém exatamente, ao menos no mercado, sabe.

Isso mitiga certezas.

2 - A prova é essencialmente dogmática

Um fato! A prova objetiva do Exame de Ordem é, em sua essência, reprodução do texto da lei. O espaço destinado à doutrina não é grande, e questões de ordem doutrinária, ao menos na 1ª fase, encontram pouco eco.

A própria natureza da prova afastaria eventual "tendência" advinda da percepção jurídica dos professores coordenadores.

A estrutura da prova "favorece mais a memorização de conteúdos e enunciados normativos que os raciocínios problematizantes e propriamente jurídicos", nas palavras do doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito (USP), Murilo Duarte Costa Corrêa. Isos é, exatamente, a adoção de uma estrutura dogmatizante.

Neste ponto é interessante reproduzir a manifestação do doutor e professor do Departamento de Educação da UFSCar - Universidade Federal de São Carlos, João Virgílio Tagliavini, responsável por um consistente trabalho sobre a natureza da prova objetiva da OAB, em uma entrevista para o UOL:

"Em média, 85% das questões são respondidas com memorização da lei. Esse tipo de teste hoje já é inútil", disse. "Queremos uma avaliação que verifique mais a capacidade de pensamento, compreensão e espirito crítico."

Sem sombra de dúvida um grande percentual das questões são meras reproduções do conteúdo das leis.

O professor João Virgílio, em sua obra Exame de Ordem, uma visão crítica, editado pela UfsCar (2010), abordou bem o tema. No estudo, a equipe teve o cuidado de analisar o conteúdo e a formulação da prova sob a taxonomia de Bloom.

taxonomia de Bloom é uma estrutura de organização hierárquica de objetivos educacionais. A classificação proposta por Bloom dividiu as possibilidades de aprendizagem em três grandes domínios:

- o cognitivo, abrangendo a aprendizagem intelectual;

- o afetivo, abrangendo os aspectos de sensibilização e gradação de valores;

- o psicomotor, abrangendo as habilidades de execução de tarefas que envolvem o organismo muscular.

Cada um destes domínios tem diversos níveis de profundidade de aprendizado. Por isso a classificação de Bloom é denominada hierarquia: cada nível é mais complexo e mais específico que o anterior. O terceiro domínio não foi terminado, e apenas o primeiro foi implementado em sua totalidade.

Vejamos o escalonamento do grau de dificuldade da taxonomia, em um gráfico retirado do livro do Dr.  João Virgílio Tagliavini:

bloom taxonomia

A equipe da UfsCar, em seu trabalho, fez o seguinte raio-x do Exame:

Em relação às fontes do direito:

a) 75,75% das questões enfatizam a memorização das normas;

b) 13,75% são questões com foco na doutrina;

c) 1% abordam aspectos jurisprudenciais e;

d) 9,5% abordam mais de uma fonte do direito.

Em relação às exigências de cognição:

a) 57,25% das questões estão no 1º de grau da taxonomia de Bloom, o conhecimento (o mais simples);

b) 26,5% das questões estão no 2º degrau, que exige a compreensão;

c) 5,75% no 3º degrau, o de capacidade de análise;

d) 2% no 4º degrau, o de capacidade de síntese e;

e) 1% no 5º degrau, o da capacidade de avaliação.

É nítido, no estudo, a correlação entre as fontes do direito e ao tipo de exigência cognitiva.

Questões cuja estrutura decorre da mera utilização da letra da lei correspondem às questões cujo o grau de cognição é o mais simples, o 1º da taxonomia de Bloom.

Ou seja, na prova da OAB, o simples uso da memória, do "decoreba", propicia ao candidato um desempenho adequado, resultando em sua aprovação, sem uma análise mais profunda de suas capacidades intelectuais e sem demandar grandes conhecimentos doutrinários.

3 - A estrutura da prova já é conhecida

Os professores envolvidos no Exame de Ordem (ao menos, com certeza, os do Portal) já sabem como é a prova e os temas mais palpitantes HÁ MUITO TEMPO!

Temos vários cursos e revisões voltados neste sentido e nossos professores fazem bonito neste quesito.

Não vamos confundir a divulgação da lista, inédita, com o ineditismo dentro do Exame dos próprios professores. Muito provavelmente a maioria deles já vem participando da elaboração da prova há muito tempo, mas somente agora é que sabemos quem é quem.

Neste ponto, dizer que é tudo novo e que a 1ª fase terá um monte de novidades beira a inocência: não será!

Quem vem estudando por provas passadas pode ficar tranquilo, pois certamente existe uma PARAMETRIZAÇÃO da prova, e não é a mudança de um ou outro professor coordenador que vai gerar uma alteração significativa no que é o Exame. Aliás, muitos temas vêm desde o tempo do CESPE.

Claro, com mudanças, mas nem tão profundas assim.

Logo, sigam com seus roteiros de estudos e fiquem tranquilos, pois não há nada de novo debaixo do sol, incluindo aí o Exame de Ordem.