Dissecando a estrutura das questões da prova objetiva da OAB

Quarta, 30 de julho de 2014

bisturi

Há muito tempo dei início, no Exame de Ordem, a classificação e compreensão da natureza das questões objetivas da primeira fase. Essa abordagem pioneira visada, em especial, na preocupação de mostrar para os examinandos como as questões são estruturadas e com isso auxiliá-los no posicionamento diante do problema. Afinal, a compreensão da natureza das questões tem o potencial de mostrar ao candidato a melhor forma de encarar a prova.

Se vocês compreendem a natureza do enunciado, conseguem refletir com calma sobre as possibilidades, em especial sobre o quê, exatamente, lhes está sendo pedido.

Uma coisa é aplicar o conhecimento ao problema apresentado, outra, é entender a natureza do problema e compreender a melhor abordagem a ser feita.

Entender a natureza de uma questão, e sejamos sinceros, não ajuda em muita coisa. De toda forma, é algo fácil de ser compreendido, fácil de ser identificado e ajuda a estabelecer um rápido posicionamento quanto a forma de se abordar o enunciado.

Existem apenas duas modalidades de elaboração de questões. A primeira é a conceitual ou conteudista, e a segunda é a operatória ou problematizadora.

A modalidade conceitual (conteudista) envolve a compreensão de um conceito e sua identificação dentro da questão, atendendo-se ao enunciado. O candidato precisa conhecer o conteúdo e identificar a assertiva correta em função do enunciado.

A utilização da memória e a percepção do certo e do errado são as chaves para a solução.

Aqui o foco está no conhecimento puro e simples. Tem correlação com ter memorizado o conteúdo jurídico.

Na modalidade problematizadora (operatória) o candidato precisa não só conhecer o conceito como também estabelecer um raciocínio para identificar qual a solução mais adequada para o problema. Neste caso, será necessário o uso do raciocínio para estabelecer a adequação entre o conceito, o problema hipotético e a solução adequada. Ou seja, é preciso raciocinar.

E como é no Exame de Ordem sob a égide da FGV e quais as implicações na hora de se resolver a prova?

Vamos analisar questões do IX Exame de Ordem, não só porque ela foi muito difícil (a mais difícil de todas até agora, em termos percentuais) como também porque não há variações relevantes nas últimas edições que exija uma abordagem mais extensa.

A lógica toda está presente nesta prova.

Vamos primeiro identificar questões de natureza conceitual.

Todas elas não exigem raciocínio do candidato, somente a compreensão do tema e o estabelecimento de uma correlação entre a lei e a resposta adequada.

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O enunciado ?A respeito da ação de habeas corpus, assinale a afirmativa incorreta? é extremamente sucinto, remetendo a atenção do candidato para as alternativas e exigindo deste o conhecimento estrito da letra da lei. O enunciado simples é quase vazio de informações, apenas remetendo ao tema de interesse da banca, informando tão somente o tema jurídico alvo e o tipo de resposta a ser escolhida, no caso, a correta.

A alternativa correta é a letra C, e o candidato teria que conhecer o instituto para responder essa questão, que não é tão óbvia assim.

É fácil perceber que tal questão exige apenas o uso da memória, sem nenhum raciocínio extra, e é o melhor tipo de questão para começar a se resolver a prova.

Entretanto, esse tipo de questão é propicio para a inclusão das chamadas ?pegadinhas?. A pegadinha consiste em uma tentativa da banca em confundir o candidato com soluções muito parecidas, sendo que uma das alternativas apresenta a modificação de um ou dois termos que a invalida como resposta correta.

A pegadinha gera dúvida e reduz a probabilidade de acerto, e o candidato tem de estar atento.

Entretanto, é bom ressaltar que tal tipo de questão não se presta somente a medir conhecimentos relativos à letra da lei, sendo que conceitos jurídicos-doutrinários também podem ser exigidos:

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A alternativa certa é a B. Típico exemplo em que o conteúdo está vinculado à norma, no caso, constitucional.

Vejam que a resposta é a letra da CF:

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(...)

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Vejam que questão enjoada. O candidato é obrigado a conhecer a norma Constitucional, em uma parte nem tão estudada assim, para poder apresentar a resposta correta. Muito complicada e de apelo prático-profissional quase inútil.

A questão acima é nitidamente conceitual-doutrinária, e o estudo deve ser pautado na leitura de um livro.

O enunciado abaixo mostra uma questão com um extrema pobreza de conteúdo no enunciado, em que é pedida a resposta correta no sentido de dar uma completude ao enunciado a partir da escolha de uma definição legal-doutrinária:

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De forma bem rasteira: ou sabe ou chuta. No caso, letra A.

Vocês acertariam?

Como resolver questões objetivas da OAB sem saber NADA do conteúdo da disciplina?

O ponto é: o enunciado apenas serve de apresentação. Nele não há grande dicas ou informações complementares, obrigando o candidatos a realmente conhecer a doutrina, jurisprudência ou norma (em especial a norma, pois a prova é essencialmente dogmática) correlata.

Vamos analisar agora questões de natureza problematizadoras.

As questões que exigem o raciocínio do candidato são mais trabalhosas, pois demandam não só o conhecimento da norma e da doutrina como exige sua adaptação ao problema. Ou seja, não basta conhecer, é preciso compreender e adaptar.

Esse tipo de enunciado é mais complexo e demanda mais foco e concentração na hora de ser resolvido.

Vejam uma típica de situação-problema na qual o candidato precisa refletir para encontrar a alternativa adequada. O enunciado é bem mais extenso e conta um caso, uma história (a que chamamos de situação-problema) exigindo uma leitura bem mais atenta para a correta compreensão do enunciado. Aqui temos a forte distinção das questões operativas:

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A resposta é derivada do problema, e sem a compreensão do enunciado (e do problema FÁTICO apresentado), não se tem a compreensão da resposta correta. A alternativa certa é a letra B.

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A resposta correta está na letra A.

Agora prestem atenção na questão abaixo. Ela é muito interessante:

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Leram o enunciado? Vamos imaginar que ele, o enunciado, fosse assim: Acerca do instituto da repercussão geral, assinale a alternativa correta.

Mudaria o sentido da resposta?

Não...

Aqui nós temos um sério problema na prova, que são as questões cujo os enunciados são inúteis. Na realidade, a questão acima poderia ser classificada como sendo pseudo-problematizadora. Na prática ela é conceitual, pois o enunciado não carrega informação útil ou relevante para a solução do problema.

Mas por que isso?

Obviamente é para cansá-los. O candidato lê um enunciado imenso e espera, evidentemente, que a resposta guarde correlação com um possível problema prático. Mas não é o caso. É o famoso "enchimento de linguiça", cujo objetivo é cansar a cabeça e cobrar o tributo da desatenção.

Não funciona com uma ou duas questões, mas depois de 2 ou 3 horas de prova, o conjunto da prova como um todo cobra o preço do cansaço.

Vejam o ápice da formulação deste tipo de enunciado:

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A resposta está na letra B.

Se o enunciado fosse "a respeito do processo de execução brasileiro, assinale a alternativa correta, em nada, em rigorosamente nada o candidato perderia na análise das alternativas e em sua capacidade de oferecer a resposta correta. As alternativas estão divorciadas da pergunta.

Isso, meus caros, é para cansá-los e estressá-los.

Pois bem!

No plano da estrutura do conteúdo, as questões podem contar com as seguintes possibilidades:

? apenas afirmativas, exigindo a disponibilidade de conceitos: neste caso, a afirmativa pode ser correta ou não;

? afirmativas e justificativas: neste caso, ambas podem estar certas ou erradas, bem como uma estar certa e a outra errada. Muito cuidado, pois não é incomum a apresentação de uma afirmativa correta, com uma justificativa erra. Esta consiste numa pegadinha bastante perigosa.

? afirmativa principal e afirmativa complementar: muitas vezes a afirmativa complementar aparece como uma exceção a uma regra que aparece na afirmativa principal. Muitas vezes usa-se para tanto, como conector, a expressão ?ainda que?.

Ao se comparar as provas anteriores do Exame de Ordem, é nítida, muito nítida a distinção entre os tipos de questões cobradas. E as questões problematizadoras certamente predominam, porquanto são as questões que produzem um maior cansaço mental.

Enunciados mais extensos, como afirmado acima, demandam mais tempo, cansam mais e aumentam a probabilidade de distrações e perda de foco, afora o fato das questões serem mais intrincadas dificultam mais a escolha da assertiva correta.

Que lição tirar disso? Não existe, após se analisar os tipos de questões, um ?esquema? ou ?macete? para resolver as questões: ou o candidato sabe ou não sabe!

O máximo é se valer um pouco do bom senso e da lógica para poder lidar com enunciados cuja resposta não se sabe.

Trata-se de apenas uma questão de foco a atenção na resolução da prova. No máximo o candidato pode optar entre resolver primeiro as questões conceituais para depois abordar as operativas, mas isso implicaria em um processo seletivo muito extenso e para a prova seria contraproducente.

De toda forma, serve para identificar enunciados passíveis de conterem ?peguinhas?, e as conceituais são as melhores para esse tipo de construção: o candidato deve ficar atento!

Também serve para o candidato não ficar desesperado caso não consiga estabelecer uma correlação óbvia entre enunciado e respostas possíveis. Várias questões são feitas desta forma, fazendo que o examinando ache que não "pegou" o sentido da coisa, quando na verdade não há de fato um sentido a ser apreendido.

Não se confundam nesta hora!

E, por fim, vale o alerta de que as questões operatórias tendem a ser mais desgastantes que as questões conteudistas, e, em especial, as pseudo-operatórias são ainda mais.