Segunda, 12 de julho de 2010
No interior de São Paulo, durante o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de 2009, um fiscal de provas do Cespe percebeu o comportamento estranho de um candidato. Ele consultava um material manuscrito o tempo inteiro. O fiscal do Cespe apreendeu os papéis e viu que se tratava das respostas da prova de Direito Penal.
A tentativa de fraude na prova da OAB foi uma das peças usadas pela que a Polícia Federal para prender a maior quadrilha de fraudadores de concurso que se tem notícia no país. Detonada no mês passado pela PF, a Operação Tormenta, descobriu fraudes em quatro dos 198 concursos realizados pelo Cespe entre o início de 2008 e junho de 2010. "Temos um relacionamento excelente com a PF. A troca de informação é constante. Sabemos o quanto os concursos públicos são visados", afirma Ricardo Carmona, diretor-geral do Cespe.
Os processos seletivos do Cespe são reconhecidos pela lisura e qualidade. Órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário contratam a instituição para suas seleções. Os candidatos também reconhecem a excelência. Entre o início de 2008 e junho de 2010, 5,4 milhões de candidatos se inscreveram em concursos oreganizados pelo Cespe.
As boas remunerações e a estabilidade dos empregos públicos atraem as quadrilhas de fraudadores. A Operação Tormenta identificou fraudes nas provas da ABIN, ANAC, PF e OAB. Mas, em nenhum dos concursos, a PF encontrou participação direta ou indireta de funcionários do Cespe.
Em entrevista à UnB Agência, Ricardo Carmona fala sobre as tentativas de fraude, o relacionamento com a Polícia Federal e as medidas de seguranças adotadas na preparação dos exames que ajudam a profissionalizar e a democratizar o Estado brasileiro:
UnB Agência: Como foi que a Polícia Federal começou a descobrir essas fraudes?
Ricardo Carmona: Na prova da PF não tínhamos conhecimento de nenhuma irregularidade. Com o exame da Ordem foi diferente. O processo seletivo da OAB foi divido em duas etapas: objetiva e prática profissional. Nessa segunda fase, os candidatos podem fazer a prova com consulta. Durante a aplicação da prova, os fiscais do Cespe identificaram que um concorrente usava um material que cotinha manuscritos. Averiguamos e descobrimos que eram respostas da prova de Direito Penal. Com a suspeita de fraude, por nossa iniciativa, fomos conferir as repostas de todos os exames do concurso. Daí constatamos a existência de 26 provas com respostas semelhantes. A primeira coisa que fizemos foi entrar em contato com a Polícia Federal. Fornecemos todo o material para eles. Foi a partir desse momento que a PF verificou que a mesma quadrilha estava fraudando outras provas.
UnB Agência: É uma prática do Cespe colaborar com a Polícia Federal?
Ricardo Carmona: É claro. Temos um relacionamento excelente. Essa troca de informação é constante. Somos extremamente parceiros. Até porque sabemos o quanto os concursos públicos são visados. É de nosso interesse verificar se existem falhas que comprometam a lisura das nossas seleções. Aliás, é importante ressaltar que em todos os concursos há tentativa de fraude. Essa mesma quadrilha tentou fraudar outras provas em 2010. Mas não conseguiu.
UnB Agência: Qual foi a falha da prova da OAB?
Ricardo Carmona: Verificamos que foi uma coisa pontual em São Paulo. Apesar de eles serem uma quadrilha grande. No caso da OAB até um conselheiro estava envolvido. A prova ficava nas dependências da Polícia Rodoviária Federal em São Paulo. Descobrimos que um policial corrupto fraudava os malotes. As provas ficavam dentro de um malote com uma ferragem e um cadeado. Havia também um lacre de plástico que protegia o acesso ao conteúdo. O procedimento é colocar as provas em envelopes plásticos. Somente na hora da prova, esses envelopes são rasgados. Inclusive, fazemos isso na frente de todos os candidatos. O fato é que, de alguma forma, o policial corrupto rompia o envelope sem deixar vestígios. Ele pegava uma prova, escaneava e colocava novamente no malote.
UnB Agência: O que acontecia em seguida?
Ricardo Carmona: Ele repassava isso para alguns integrantes da quadrilha. Daí acontece todo tipo de coisa. Eles forjam documentos, pagam pessoas para resolver as questões. Essas quadrilhas de concurso chegam até a usar escutas. Mas isso não aconteceu em nenhum das nossas seleções.
UnB Agência: Foi tomada alguma medida para garantir maior segurança dos malotes?
Ricardo Carmona: Sim. Os lacres agora são de aço e não ficam sob responsabilidade da PRF no caso de São Paulo. O Cespe é o responsável em todas as etapas.
UnB Agência: Qual é o cuidado que existe na preparação das provas?
Ricardo Carmona: Em primeiro lugar, em todas as fases da preparação dos concursos restringimos ao máximo o acesso de pessoas às provas. Para você ter uma ideia, no local onde imprimimos e empacotamos as provas, usamos scaners de corpo que detectam até papéis no bolso. Esse é o único aparelho da América Latina que faz isso. Lá não existe ligação com lugares de fora. Não há telefone para ligações externas, não tem internet. As pessoas passam por uma rigorosa revista, tanto na entrada quanto na saída. O sistema de monitoramento por câmeras é constante. Durante a impressão, tudo o que acontece ali é monitorado. No máximo, duas ou três pessoas têm acesso a prova montada.
UnB Agência: E os gabaritos, tão visados pelas quadrilhas?
Ricardo Carmona: Eles são feitos depois que a prova chega em Brasília. Antes, durante e até um bom tempo depois da aplicação dos exames, ninguém sabe as respostas. Isso também é uma medida de segurança.
UnB Agência: Como as provas são transportadas para outras cidades?
Ricardo Carmona: A prova sai do malote direto para o avião. Elas não são despachadas sozinhas. Um funcionário leva as provas até o bagageiro da aeronave. Quando o avião pousa uma equipe vai lá e pega os malotes no bagageiro.
Procedimentos de segurança adotados pelo Cespe/UnB
O Cespe/UnB investe continuamente em procedimentos de segurança. Em todos os processos seletivos realizados pelo Centro, são adotadas medidas de segurança rigorosas desde a etapa de elaboração das provas até a entrega dos resultados.
A impressão e o empacotamento das provas, por exemplo, são realizados em gráfica própria, altamente sigilosa, sem comunicação externa e monitorada continuamente por câmeras de vídeo e scanner corporal. Pouco antes da aplicação, os malotes de prova devidamente lacrados são conduzidos por Coordenadores de Aplicação (servidores da UnB) e, muitas vezes, também por membros da Associação de Delegados da Polícia Federal para cada local de aplicação.
O Cespe/UnB desenvolveu um software de embaralhamento de itens, que permite a confecção de diferentes tipos de provas. A quantidade de provas não é divulgada, pois é questão sigilosa. Outra medida relevante é a identificação dos inscritos apenas por código de barras. Dessa maneira, toda e qualquer pessoa que manipula as folhas de respostas ou de texto definitivo não tem como identificar quem preencheu esses documentos.
No dia da aplicação das provas, o Cespe/UnB conta com a colaboração de profissionais de segurança e membros da Associação de Delegados da Polícia Federal, prontos para agir caso se identifique algum comportamento suspeito de algum candidato. Durante a aplicação, faz-se o rastreamento de sinais de comunicação: veículos circulam nas áreas próximas aos locais de provas monitorando ondas eletromagnéticas, com a intenção de detectar tentativas de comunicação eletrônica entre candidatos e pessoas externas. A utilização de artigos de chapelaria e de aparelhos eletrônicos também é proibida. Além disso, todos os candidatos passam por um detector de metais na entrada e saída dos banheiros.
Após a aplicação, as provas são novamente lacradas nos mesmos malotes, que são reconduzidos ao Cespe/UnB.
Diversas outras medidas são tomadas, mas, por questão de segurança, não podem ser reveladas.
Fonte: UnB Agência